domingo, 18 de setembro de 2016

"Gringo é a mãe!"


É o que diz o artigo abaixo, do ótimo repórter e correspondente da BBC no Brasil, Tim Vickery*, publicado - não por acaso - na BBC Brasil:

Tim Vickery: Está na hora de os brasileiros deixarem de usar a palavra 'gringo'

O jornalista sacudiu a cabeça num gesto de decepção. Belga de raízes indianas, ele estava no Rio, uma cidade onde já tinha morado, para cobrir os Jogos Olímpicos. "A imprensa aqui", ele me contou, "ainda usa a palavra 'gringo'."

"Pois é," respondi. "Isso foi parar na capa de uma revista importante. Na capa! Parece que nem sediando os megaeventos a ficha caiu."

Lembro-me de uma gravação que tocava no metrô do Rio durante a Copa do Mundo de 2014, nas estações de Copacabana. "Levanta a torcida brasileira!", gritava o infeliz, "levanta a torcida gringa!" Bem, se só havia dois lados na disputa, então o desempenho da seleção brasileira, que terminou em quarto, foi pior do que eu pensava.

Antigamente, eu achava que o jornalista que fazia uso da palavra "gringo" deveria ser banido da profissão. Hoje em dia, sob o efeito de cordialidade tropical, já pensei numa punição mais branda: o sujeito deveria ser condenado a assistir à cerimonia de abertura dos Jogos Olímpicos, repetindo e sem parar - mas somente aquela parte interminável quando os atletas do mundo todo desfilam no estádio.

A gravação só pararia quando ele finalmente deixasse de ser o idiota da aldeia e descobrisse que a humanidade é feita de diversidade, de mais de 200 nações, e que a realidade é muito mais complexa e gostosa do que uma simples divisão entre brasileiros e "não brasileiros".

Estou ciente de que muitos estrangeiros no Brasil se referem a si mesmos como "gringos". Se o desespero de se enturmar é tão grande que eles estão dispostos a abrir mão de uma identidade mais completa, só posso sentir pena.

Também estou ciente de que, na grande maioria das vezes, a palavra é empregada sem intenções pejorativas. Não adianta. Tem coisas que você pode lavar quantas vezes quiser, mas não vão ficar novas.

Um par de anos atrás eu fiz um programa de televisão com o grande jornalista Alberto Dines. Toquei nesse assunto - defendendo que a imprensa brasileira deveria parar de usar uma palavra que, além de não trazer informações específicas, estava manchada. Dines concordou e se ofereceu a escrever um artigo para um jornal que, infelizmente, não levou a proposta adiante.

A posição de Dines se baseava no conhecimento e na sua própria história. Filho de imigrantes, Dines me contou que a palavra "gringo" o fazia chorar quando criança. Fora dita contra ele num contexto xenófobo - porque, como tantas coisas no Brasil, a maneira como se usa a palavra tem suas raízes no fascismo da década de 30.

Um fascismo relativamente benigno, com um líder com cara de tio em vez de um demagogo agressivo gritando para as massas. Mas, ainda assim, um projeto de fascismo, que implicava um projeto de modernização conservador, uma tentativa de desenvolver o país sem mudar a estrutura social. Ou seja, um parque industrial avançado aliado a uma noção de hierarquia quase feudal. Embraer no país do elevador de serviço.

Como vender esse projeto de capitalismo sem conflito de classes? Como conseguir o pacto nacional necessário? Fácil. Evocar o inimigo externo - aqueles gringos, que só querem saber de explorar o Brasil!

É por isso que, mesmo saindo da boca mais suave, a palavra muitas vezes vem com um toque de hostilidade. O gozado aqui é que estamos falando de um país de imigração. Falar em "brasileiro" tem muito mas a ver com profissão do que com nacionalidade; trata-se de alguém que chegou aqui para explorar o pau-brasil. O que quer dizer que, com a exceção dos povos indígenas, gringos são sua mãe, sua avó, sua bisavó...

*Tim Vickery é colunista da BBC Brasil e formado em História e Política pela Universidade de Warwick



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