domingo, 7 de dezembro de 2014

8 mil mortos numa só noite em Bhopal, 30 anos depois

Na semana que passou, poucos se lembraram dos 30 anos da tragédia de Bhopal, na Índia, onde mais de 8.000 pessoas morreram em decorrência do vazamento de gases letais na fábrica da Union Carbide na noite de 2 para 3 de dezembro de 1984.

Triste noite em que uma morte silenciosa e instantânea vitimou milhares de pessoas (além dos animais) em poucas horas, numa espécie de revisitação moderna da última praga bíblica do Egito.

Em memória daquela que é considerada a maior tragédia da era industrial, que não puniu nenhum poderoso e jamais poderá ser esquecida, reproduzimos o artigo abaixo da BBC Brasil:

Como nuvem letal matou mais de 8 mil pessoas em 72 horas

Em apenas uma noite, entre 2 e 3 de dezembro de 1984, um vazamento em um tanque de armazenamento subterrâneo de uma fábrica de pesticidas na Índia lançou ao ar 40 toneladas do gás isocianato de metila e causou o mais grave acidente industrial da história.

Em questão de poucas horas, uma nuvem letal se dispersou sobre a densamente povoada cidade de Bhopal, com 900 mil habitantes, matando mais de 8 mil pessoas.

Y.P. Gokhale, diretor da fábrica, a americana Union Carbide, disse na época que o gás tinha escapado quando uma válvula no tanque quebrou, sob pressão.

Meio milhão de pessoas foram expostas ao gás. As doenças crônicas geradas pelo contato com a substância deixaram um assombroso legado para gerações futuras.

Mas como o desastre se desenrolou na noite fatal de 3 de dezembro de 1984? Veja abaixo a sequência dos trágicos acontecimentos daquela noite.

Meia-Noite

A cidade de Bhopal estava dormindo. Era como qualquer outra noite para os moradores que viviam no aglomerado de casas em volta da fábrica da Union Carbide.

A fábrica foi construída em 1969 para a produção de agrotóxicos que contêm um produto químico altamente perigoso - o isocianato de metila.

As favelas construídas junto à fábrica abrigavam muita gente.

Leia mais: 30 anos depois, adolescentes carregam marcas de gás tóxico

Cerca de 1h

Alguns moradores próximos à fábrica foram os primeiros a notar um cheiro forte - e seus olhos começaram a arder.

Alguns disseram que "parecia que alguém estava queimando um monte de pimenta''.

O cheiro ficou ainda pior e mais forte. As pessoas logo começaram a se queixar de falta de ar e a vomitar.

Caos e pânico eclodiram na cidade e em áreas vizinhas. Dezenas de milhares de pessoas tentaram escapar.

"As pessoas começaram a cair no chão, espumando pela boca. Muitos não podiam abrir os olhos", contou à BBC a moradora Hasira Bi.

''Acordei por volta da meia-noite. As pessoas estavam na rua vestindo o que usavam para dormir, algumas com apenas suas roupas íntimas."

Multidões de pessoas aterrorizadas começaram a fugir e inalaram ainda mais gás.

"O gás venenoso era mais pesado que o ar, por isso, quando vazou, estabeleceu-se em uma nuvem densa que se moveu silenciosamente pelos bairros pobres ao redor da fábrica", disse Swaraj Puri, chefe da polícia de Bhopal na época, em entrevista à BBC em 2009, recordando a noite fatídica.

02h30

A sirene da usina soou. "Gás está vazando da usina", gritavam pessoas nas ruas de Bophal.

"Nós estávamos tendo asfixia e os nossos olhos queimavam, mal podíamos ver a estrada em meio à neblina, as sirenes eram estridentes, não se sabia qual o caminho a ser seguido. Todo mundo estava muito confuso", disse à BBC Ahmed Khan, morador de Bhopal, pouco após o desastre em 1984.

"As mães não sabiam que filhos tinham morrido, crianças não sabiam que mães tinham morrido e homens não sabiam que tinham perdido suas famílias."

O correspondente da BBC Mark Tulley relata que o "hospital principal da cidade estava irremediavelmente superlotado, com pacientes que não paravam de chegar".

"Milhares de gatos mortos, cães, vacas e aves estavam espalhados pelas ruas e os necrotérios da cidade foram enchendo rapidamente".

Leia mais: Três irmãs e três destinos: esterilizações em massa na Índia matam 15

04h00

Swaraj Puri, ex-chefe de polícia de Bhopal, disse à BBC que, ao amanhecer, "coube a mim e aos meus homens começar a recolher os corpos. Havia mortos em quase todos os lugares".

"Minha reação foi 'Oh meu Deus! O que é isso? O que aconteceu?' Nós ficamos chocados, não sabíamos como reagir."

O número de mortos continuou subindo rápido. Em 72 horas, mais de 8 mil pessoas tinham morrido. Outros milhares morreram nos meses seguintes.

O governo declarou que 5.295 morreram no desastre, mas ativistas falam em mais de 20 mil vítimas fatais.

Ambientalistas dizem que a toxina vazada ainda contamina o solo e as águas subterrâneas. Mas o governo do Estado nega, insistindo que o abastecimento de água ao redor da planta é seguro.

Ativistas e grupos de apoio às vítimas alegaram mais de 150 mil sofreram sequelas e contraíram doenças como câncer, cegueira, danos no fígado e nos rins após a contaminação.

Eles têm publicado relatos que mostram que Bhopal tem uma incomum - e alta - incidência de crianças com problemas congênitos e deficiência de crescimento, assim como tipos de câncer e outras doenças crônicas.

O local da antiga fábrica de agrotóxicos está agora abandonado. O governo do Estado de Madhya Pradesh assumiu o controle sobre a instalação em 1998.

Nenhum funcionário de primeiro nível da Union Carbide foi julgado sobre o que aconteceu em Bhopal.

O ex-presidente da Union Carbide Warren Anderson foi preso pela polícia indiana durante uma visita à fábrica após o desastre, mas foi libertado sob fiança e prontamente deixou o país.

Ele foi oficialmente classificado como "fugitivo", mas o governo indiano jamais seriamente pressionou por sua extradição dos Estados Unidos. Anderson morreu em setembro passado.

Como representante legal dos sobreviventes, o governo indiano pediu por US$ 3,3 bilhões (R$ 8,4 bilhões) de indenização, mas, em um acordo na Justiça, a empresa concordou em pagar US$ 470 milhões, o que os ativistas consideram totalmente insuficiente.



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