Ontem, 17 de dezembro de 2014, não por acaso dia em que o papa Francisco completou 78 anos de idade, o mundo não poderia ter recebido presente melhor: o descongelamento das relações diplomáticas entre Estados Unidos e Cuba, após 53 anos de mutismo, espionagem e incompreensão de lado a lado.
Ainda é cedo para que se normalizem as relações entre ambos os países, mas o passo dado ontem foi gigantesco. Significa, na prática, o fim de uma era onde a "guerra fria" imperou, fazendo com que as partes capitalista e comunista do globo se enfrentassem localizada e sistematicamente em qualquer região onde houvesse a possibilidade da troca de um regime pelo outro.
A queda do muro de Berlim em 1989 e o esfacelamento da União Soviética em 1991 foram os dois outros acontecimentos, nesse processo histórico, que podem se comparar em magnitude ao que ocorreu ontem, com o anúncio simultâneo da retomada dos laços diplomáticos pelos presidentes Barack Obama e Raúl Castro.
O PAPEL DO VATICANO E DO CANADÁ
Ainda não se conhece com exatidão qual foi o papel que o papa Francisco desempenhou nas conversações entre ambos os presidentes, mas o simples fato dele ter sido referido nos discursos dos dois mandatários revela o quanto sua participação foi importante, além, obviamente, do fato do anúncio do acordo ter sido feito no dia do aniversário do pontífice.
Segundo as primeiras informações, o papa Francisco teria escrito carta aos líderes dos dois países incentivando o diálogo. Não se pode esquecer ainda a importância das visitas anteriores a Cuba dos papas Bento XVI e João Paulo II, que deram sua contribuição para pavimentar o longo e difícil processo de paz.
Outro grande facilitador do diálogo entre EUA e Cuba foi o Canadá, segundo anunciou também ontem o primeiro-ministro canadense Stephen Harper, embora sem especificar em que extensão se deu essa colaboração. Apenas se sabe que diplomatas cubanos e estadunidenses se reuniram várias vezes sob os auspícios das representações diplomáticas do Canadá.
OS INCENDIÁRIOS BRASILEIROS
De qualquer maneira, é impossível não notar o contraste entre a posição do líder católico com a de muitos pastores evangélicos brasileiros, que fizeram de tudo durante a última campanha eleitoral para demonizar Cuba, e não foram capazes de levantar uma oração em favor da paz entre os povos.
Essas figuras, entre as quais o candidato derrotado à Presidência da República, pastor Everaldo, não perderam nenhuma oportunidade para estigmatizar o governo cubano a fim de obter ganhos políticos, e não devem estar nada satisfeitos ao ver que o próprio Barack Obama já negociava secretamente o restabelecimento das relações diplomáticas com Cuba.
OS PRÓXIMOS DESAFIOS
Há muitos desafios à frente, mas dois se destacam. O primeiro é o fim do embargo econômico imposto pelos Estados Unidos a Cuba, que depende da aprovação do Congresso Americano, hoje sob comando dos republicanos, que não só são adversários ferrenhos de Obama como sofrem influência do eleitorado cubanodescendente, majoritariamente concentrado no Estado da Flórida, do qual o senador Marco Rubio é o principal porta-voz.
O segundo desafio é saber qual a extensão das reformas democráticas que serão feitas em Cuba para que o país finalmente chegue ao século XXI no campo das liberdades e da cidadania. A tão desejada "solução biológica", que implicava em esperar a morte de Raúl Castro e seu irmão Fidel, ficou para trás, mas algo deverá ser feito para garantir ao país uma transição segura para a plena democracia e a economia de mercado, o que não será nada fácil.
De qualquer maneira, o mundo está hoje um pouco melhor, ou, como diriam os pessimistas, um pouco menos ruim.