No final da entrevista concedida a Bruno Astuto, colunista da revista Época, publicada em novembro de 2014, a ex-Globeleza Valéria Valenssa conseguiu expressar em poucas palavras muito do que caracteriza o atual movimento evangélico brasileiro. Eis a frase:
Não tinha uma religião e tive um encontro mágico com Deus. Passei a ler mais a Bíblia e hoje tenho uma Igreja Batista.
Esta frase está no contexto de uma resposta de Valéria à pergunta sobre se sentia falta da época em que era uma celebridade carnavalesca.
Não estamos aqui querendo analisar a experiência de conversão da celebridade em questão, até porque não a conhecemos pessoalmente e sinceramente esperamos que ela tenha tido um verdadeiro encontro com Deus.
Portanto, não há nenhuma crítica pessoal a ela, que pode, inclusive, passar a escolher melhor as palavras daqui por diante.
Portanto, não há nenhuma crítica pessoal a ela, que pode, inclusive, passar a escolher melhor as palavras daqui por diante.
O que nos chama a atenção no discurso de Valéria Valenssa é a presença de dois lugares comuns no fenômeno evangélico considerado como um todo no país.
O primeiro lugar comum é o "encontro mágico" com Deus.
Parece que muitos evangélicos (não só no Brasil, diga-se de passagem) pautam sua vida pelo "pensamento mágico", do qual o "pensamento positivo" é uma subespécie e a teologia da prosperidade o seu tentáculo mais visível.
Grande parte dos evangélicos não está preocupada no que creem, mas "como" creem. É o discurso utilitarista da "fé na fé", conforme já tivemos oportunidade de abordar aqui.
O segundo lugar comum é o "hoje tenho uma Igreja Batista". Talvez tenha sido um ato falho de Valéria Valenssa, mas boa parte dos líderes evangélicos brasileiros realmente pensa assim: eles têm uma igreja para chamar de sua, e isso no sentido mais possessivo e patrimonialista da palavra.
Muitas denominações hoje são verdadeiros conglomerados familiares, pequenos ou grandes feudos em que o poder (supostamente vindo do alto) é mundanamente hereditário. Passa de pai a filho sem pudor algum.
É de se duvidar que Deus realmente precise dessa profusão de nomes e placas de igreja, que escancaram a incapacidade de seus caciques de se submeterem a uma doutrina firmemente estabelecida, daí não terem vergonha alguma de inventar as suas próprias "teologias", geralmente copiando as heresias que estão dando certo na denominação concorrente da rua de trás (as tais "igrejas customizadas", sobre as quais escrevemos em 2010).
Cá entre nós, no fundo é uma ofensa a Ele ver que seus supostos "servos" precisam "ter" uma igreja sem necessariamente "serem" cristãos.
Cá entre nós, no fundo é uma ofensa a Ele ver que seus supostos "servos" precisam "ter" uma igreja sem necessariamente "serem" cristãos.
É muito provável que Valéria Valenssa tenha apenas escolhido mal as palavras, que eventualmente não correspondam à sua vivência espiritual nem expressem com precisão o que ela pensa do cristianismo, mas o seu discurso enviesado nos permite enxergar um pouco mais além do óbvio ululante que motiva muitos movimentos evangélicos no Brasil.