sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Os invisíveis nas ruas do Rio e de SP

O Facebook tem duas páginas tristemente indispensáveis que merecem ser divulgadas e conhecidas por mais gente: Rio Invisível e São Paulo Invisível.

Como o nome de ambas sugere, trata-se de uma coleção de depoimentos de pessoas em situação de rua que ninguém vê nem ouve, ou finge que não vê.

Nas páginas em questão, essas pessoas sem vez nem voz contam as suas histórias de vida e suas percepções de mundo, e fazem isso de uma maneira pungente, à qual é impossível ficar impassível.

No depoimento publicado no Rio Invisível de 11/12/14, quem conta sua história é André, o rapaz da foto acima, e é interessante observar a sua ligação com a religiosidade:



“Meu nome é André, tenho 44 anos. Moro na rua há um tempão. Eu tive uma casa por uma tempo, mas aí veio a enchente e eu perdi tudo. Vim pra rua aos 12 anos. Virar adulto na rua é uma experiência terrível que você nunca mais vai querer lembrar. É difícil sair daqui. Eu perdi meus documentos, sem eles você fica de bola parada, fica encostado.

Pra passar o tempo eu leio o jornal. De vez em quando vem uma pessoa e me dá uns livros, mas eu gosto mesmo é de ler a Bíblia. A palavra de Deus é sábia - tira os espíritos ruins, só de ler. Eu sou religioso, mas a maioria não é, não. Dou minha cara a tapa. Tem gente que fica deitado, só pedindo alimentação. Eles parecem que só vivem de pão. Na Bíblia fala assim “não só de pão vive o homem”. Tu tá ligada, né? Conheço a palavra.

Eu tava na praia pegando esse sol brabo. Na minha idade, não dá pra ficar andando muito por aí. Tô bem fraco, não consigo comer direito. Meu estômago não está aceitando comida. Não adianta empurrar pra dentro porque não faz efeito. Não sinto mais o gosto das coisas. Aí minha perna fraqueja, eu começo a tremer, dá um retrocesso e eu preciso sentar. Velhice! Você tá vendo que eu tô só na caveira. Eu sou um esqueleto retirado do armário. Mas, quando novo, já trabalhei com construção. Minha melhor época foi quando era jovem. Agora já estou rendido.

Tomei um temporal, fiquei com uma gripe no peito – catarro pra caramba. Dei tanta tossida bem forte, de cabeça pra baixo, que os caracão foi tudo saindo. Chupei limão à balde, desceu limpando. Agora falta essa parada aí do estômago.

Há um tempão que eu não tomava banho de mar. Tomei 30 logo de uma vez. Só saí da água quando eu vi que tava mesmo limpinho. A água salgada bate nas pernas e, você sabe como é que é né, parecia que eu tava flutuando. O mar acaba com tudo – com doença, com espírito ruim... Iemanjá leva tudo!

Eu queria que Deus me desse outra direção. Meu sonho é mudar – tendo um teto pra morar já seria uma grande coisa, aí eu sairia da rua.”

André comia uma manga e disse que só conseguia botar pra dentro porque “caia em outra corretiva”. Ele havia ganho um saco de frutas.



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