domingo, 19 de julho de 2015

A eutanásia do sapateiro ateu na Colômbia

Ovidio González Correa ao lado de seu filho, o cartunista colombiano conhecido como "Matador"

Vítima de câncer terminal, Ovidio González Correa deu seu último suspiro às 9:33 h da manhã de sexta-feira, 3 de julho de 2015.

Antes, entretanto, teve que travar uma batalha legal na qual seu pedido de eutanásia sofreu um adiamento no dia 26 de junho, quando já estava na clínica cercado de parentes e amigos que ali compareceram para lhe dar o último adeus, conforme conta a matéria do El País em sua versão brasileira:

O triste final feliz de Ovidio

  • Ovidio González, 79 anos, enfrenta um câncer de boca desde 2010
  • Agora, a Colômbia aprovou que ele se submeta a eutanásia


Um homem que está ficando sem rosto por causa de um câncer se tornou a imagem da luta por uma morte digna na Colômbia. Assim quis a vida, ou melhor, a morte. Que se esquivou de Ovidio González Correa há uma semana. Com tudo previsto, 15 minutos antes da hora marcada para o adeus, a clínica interrompeu o procedimento. Nesta quinta-feira, o mesmo comitê médico voltou atrás e aprovou que Ovidio receba a primeira eutanásia legal na Colômbia.

“Devo ser a única pessoa de quem a morte não gosta”, disse na sexta-feira passada o sapateiro ateu de 79 anos. Se tem algo que não perdeu, é o senso de humor. Um humor ácido. Com ele enfrentou o câncer na boca diagnosticado em 2010. Perdeu parte de um osso do lado esquerdo do rosto. Fez diversas sessões de radioterapia e quimioterapia. Ficou esteticamente deformado. Psicologicamente, abalado; mas não arrasado. Longe de intimidar-se, continuou com sua vida simples, criando vacas e cavalos em Pereira, em pleno eixo cafeeiro. Sob contínuo monitoramento, e com o apoio da mulher e dos quatro filhos, conseguiu driblar o câncer por cinco anos, até que, no início de 2015, a doença contra-atacou.

Há três meses, disse basta. Pediu ao oncologista para parar com as sessões de quimioterapia, o tumor tinha desfigurado a parte esquerda do rosto, a bochecha. A dor, intensa, não cessava. Não cessa, de fato. Cada tentativa de falar implica em um sofrimento adicional. Ovidio só pode ingerir alimentos líquidos, reclinado. Seu peso caiu de 81 quilos para 48 quilos.

“O simples ato de não desfrutar do ato de comer é terrível”, diz seu filho mais velho, o conhecido caricaturista colombiano Julio César González, Matador. Foi a ele que Ovidio disse um dia: “Quero a eutanásia, eu sei para onde vou e não quero ser um trapo em uma cama”, acabar como alguns de seus irmãos e familiares, uma família perseguida pelo câncer.

A primeira opção era recorrer a um médico que tinha ajudado dezenas de pessoas a morrer, mas ele insistiu que seguissem os canais oficiais. A eutanásia é legal na Colômbia desde 20 de abril, quando o Ministério da Saúde regulamentou uma norma de 1997. Em 4 de junho solicitaram à clínica Oncólogos de Occidente, em Pereira, que autorizassem o processo para morrer com dignidade. Os médicos que trataram de Ovidio viram que preenchia todos os requisitos legais para autorizar a eutanásia. Em síntese: ser o próprio paciente quem solicitava o direito, estar em perfeitas condições psíquicas e sofrer de um câncer terminal.



Tudo parecia pronto. Ovidio, ninguém sabe por quê, decidiu morrer na sexta-feira 26 de junho às duas e meia da tarde. Começaram os preparativos, as despedidas. Até o dia marcado ainda chegava gente à sua casa. Naquela sexta-feira, Matador lembra que seu pai ouviu música com um amigo, Gustavo Colorado, a quem deu de presente um disco de tangos de Charlo. A dedicatória, conta, dizia: “Motivo: viagem”. “O mais difícil foi o caminho para a clínica”, diz o primogênito. Naquele dia a Colômbia jogava contra a Argentina e as ruas estavam impregnadas de um otimismo antagônico que chocava com Ovidio e sua família. “Ele se movia menos que uma pirâmide do Egito”.

Na clínica, umas trinta pessoas acompanhavam Ovidio. O processo consistiria em uma sedação para então aplicar um fármaco que tiraria sua vida sem sofrimento. Quando faltavam 15 minutos para a hora marcada, Diego, outro filho do paciente, recebeu um telefonema. O processo estava suspenso. Apesar de os médicos que tinham tratado de Ovidio estarem convencidos, um comitê da clínica formado por um oncologista, um psicólogo, um advogado e um radioterapeuta, decidiu, com apenas uma opinião desfavorável, que não estava tão claro se o paciente reunia todos os requisitos e, diante da dúvida, preferia recorrer a uma segunda opinião. A desolação foi total. Só o humor conseguiu quebrar a tristeza. “Por que não sai coberto com um lençol branco? Todo mundo já te considera morto”, diziam os mais próximos.

A semana foi intensa e ainda mais dolorosa para Ovidio. A família fazia questão de que fosse cumprida a lei, aquela que permite evitar o sofrimento de um paciente terminal. O caso, até então guardado com muito zelo, chegou à imprensa e a expectativa cresceu. Na quinta-feira, enfim, deram-lhes a triste boa notícia. O mesmo comitê que tinha decidido suspender o processo na sexta-feira passada, agora, com o respaldo da Associação Colombiana de Radioterapia Oncológica e a aprovação do Ministério da Saúde, aprovava o pedido de Ovidio. Na próxima semana deixará de sofrer. As poucas palavras que, segundo seu filho, conseguiu dizer ao saber da notícia foram para o médico que tinha atrasado seu adeus: “Estou morrendo de vontade de conhecê-lo”.



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