sábado, 28 de outubro de 2017

Celebrando os 500 anos da Reforma com Lutero - parte 28



UM SERMÃO SOBRE A INDULGÊNCIA E A GRAÇA

Pelo Mui Digno Doutor Martinho Lutero, Agostiniano de Wittenberg

1. Em primeiro lugar, cumpre que saibam que vários novos mestres, tais como o mestre das Sentenças, S. Tomás e seus seguidores, atribuem três partes à Penitência, quais sejam: a contrição, a confissão e a satisfação. Esta distinção, em seu conceito, dificilmente ou mesmo de forma alguma se acha fundamentada na Sagrada Escritura e nos antigos santos mestres cristãos. Mesmo assim queremos admiti-la por ora e falar ao modo deles.

2. Dizem eles que a indulgência não elimina a primeira ou segunda parte – a contrição e a confissão -, mas sim a terceira, a satisfação.

3. A satisfação também é subdividia em três partes: orar, jejuar, dar esmola, e isto da seguinte forma: “orar” compreende todas as obras próprias da alma, como ler, meditar, ouvir a palavra de Deus, pregar, ensinar e similares; “jejuar” inclui todas as obras de mortificação da carne, como vigílias, trabalho, leito duro, vestes grosseiras, etc.; “dar esmolas” abrange todas as obras de amor e misericórdia para como próximo.

4. Para todos eles não resta dúvida que a indulgência elimina as obras da satisfação, que devemos fazer ou que nos foram impostas por causa do pecado. Se ela de fato eliminasse todas essas obras, nada de bom restaria que pudéssemos fazer.

5. Para muitos foi uma questão importante – e ainda não resolvida – se a indulgência elimina mais do que essas boas obras impostas, ou seja, se ela também elimina a pena que a justiça divina exige pelos pecados.

6. Desta vez não questiono a opinião deles. Afirmo, entretanto, que não se pode provar, a partir da Escritura, que a justiça divina deseja ou exige do pecador qualquer pena ou satisfação, mas sim unicamente sua contrição ou conversão sincera e verdadeira, com o propósito de, doravante, carregar a cruz de Cristo e praticar as obras acima mencionadas (mesmo que não estejam prescritas por ninguém). Pois assim diz o Senhor através de Ezequiel: “Se o pecador se converter e fizer o que é reto, não mais me lembrarei do seu pecado” [Ez 18.21s; 33.14-16]. Da mesma forma ele mesmo absolveu a todos estes: Maria Madalena, o paralítico, a mulher adúltera, etc. Gostaria de ouvir quem haveria de provar outra coisa, não levando em conta que alguns doutores julgaram poder fazê-lo.

7. O que se encontra é isto: Deus castiga alguns segundo a sua justiça ou os leva à contrição através de penas, como em Sl 88[89].31-33: “Quando seus filhos pecarem, punirei com a vara o seu pecado, mas minha misericórdia não retirarei deles”. Porém a dispensa destas penas não está na mão de ninguém a não ser de Deus somente; sim, ele não quer emiti-las, mas promete que as imporá.

8. Por isso não se pode dar nome algum à pena imaginária, tampouco sabe alguém qual seria ela, visto que não é este castigo nem as boas obras acima mencionadas.

9. Afirmo que, mesmo que a Igreja cristã decidisse e declarasse hoje que a indulgência elimina mais do que as obras de satisfação, ainda assim seria mil vezes melhor que cristão algum comprasse ou desejasse a indulgência, mas preferivelmente praticasse as obras e sofresse a pena. Pois a indulgência não é nem pode tornar-se outra coisa do que uma dispensa de boas obras e de benéficas penas, que seria melhor fossem preferidas do que abandonadas, ainda que alguns novos pregadores tenham descoberto dois tipos de penas: medicativas e satisfatórias, isto é, umas para o aperfeiçoamento, outras para a satisfação. Nós, porém, temos mais liberdade para desprezar (Deus seja louvado!) essa espécie de conversa do que eles têm pra inventá-la. Porque toda pena, sim, tudo o que Deus impõe é útil e contribui para o melhoramento do cristão.

10. De nada vale dizer que as penas e as obras seriam demasiadas, que a pessoa não conseguiria realizá-las por causa da brevidade de sua vida e que, por isso, precisaria de indulgência. Respondo que isso não tem fundamento e é pura invenção. Porque Deus e a santa Igreja a ninguém impõem mais do que lhe é possível carregar, como também o diz Paulo: Deus não permite que alguém seja tentado acima do que pode carregar [cfe. 1 Co 10.13]. É grande vergonha para a cristandade ser acusada de impor mais do que podemos carregar.

11. Mesmo que ainda vigorassem as penitências fixadas no direito canônico, de impor sete anos de penitencia para cada pecado mortal, a cristandade deveria deixar as mesmas de lado e nada mais impor acima do que cada um pode suportar. Como atualmente não mais vigoram estas determinações, tanto menos razão há para cuidar que se imponha mais do que cada um tem condições de suportar bem.

12. Diz-se muito bem que o pecador deve ser remetido ao purgatório ou à indulgência com a pena restante, mas dizem ainda outras coisas sem fundamento e prova.

13. Incorre em grave erro quem pretende fazer satisfação por seus pecados, pois Deus os perdoa a toda hora grátis, por graça inestimável, e nada deseja em troca senão que doravante se leve uma vida boa. A cristandade, esta sim, faz exigências; portanto, ela também pode e deve dispensar delas e não impor nada pesado ou insuportável.

14. A indulgência é permitida por causa dos cristãos imperfeitos e preguiçosos, que não querem exercitar-se resolutamente em boas obras ou não desejam sofrer. Pois a indulgência não promove o melhoramento de ninguém, e sim tolera e permite sua imperfeição. Por esta razão não se deve falar contra a indulgência, mas também não se deve recomendá-la a ninguém.

15. Agiria de maneira mais segura e melhor quem desse algo para o edifício de S. Pedro, ou o que é mais citado, por puro amor a Deus, ao invés de aceitar indulgências em troca. Isso porque é perigoso fazer semelhante dádiva por causa da indulgência e não por causa de Deus.

16. Muito melhor é a obra feita em benefício de um necessitado do que dar para dita construção; também é muito melhor do que a indulgência concedida em troca. Pois, como dissemos, melhor é uma boa obra realizada do que muitas dispensas. Indulgência, porém, é dispensa de muitas boas obras, ou, senão, nada é dispensado.

Sim, e para que os ensine corretamente, atentem bem: antes de todas as coisas (sem preocupação com o edifício de São Pedro nem com a indulgência) deves dar ao teu próximo pobre, se queres dar alguma coisa. Mas se chegar o momento em que, em tua cidade, não há mais ninguém que necessite de ajuda (o que jamais será o caso, se Deus quiser), então deves ofertar, se quiseres, às igrejas, altares, ornamentos, cálice, em tua cidade. E quando isso também não mais for necessário, só então – se quiseres – podes contribuir para o edifício de S. Pedro ou para alguma outra coisa. Mesmo assim, também não deves fazê-lo por causa da indulgência. Pois São Paulo diz: “Quem não faz o bem sequer aos de sua própria casa não é cristão e é pior do que o descrente” [1 Tm 5.8]. E podes crer: quem te disser outra coisa está te seduzindo ou procura tua alma em teu bolso; e se encontrasse aí alguns centavos, isso lhe seria preferível a todas as almas.

Se agora dizes: “Então nunca mais comprarei indulgências”, replico: isso eu já disse acima, que minha vontade, desejo, pedido e conselho é que ninguém compre indulgência. Deixa os cristãos preguiçosos e sonolentos comprarem indulgência. Tu, porém, segue teu caminho!

17. A indulgência não é nem prescrita nem recomendada, mas está entre o número de coisas permitidas e autorizadas. Por isso ela não é uma obra de obediência nem é meritória, e sim uma fuga da obediência. Por isso, embora não se deva impedir ninguém de compra-la, dever-se-iam afastar dela todos os cristãos, estimulando-os e fortalecendo-os para as obras e penas que são aí remitidas.

18. Se as almas são tiradas do purgatório através da indulgência, isso eu não sei e também ainda não acredito, mesmo que alguns novos doutores o afirmem. Mas não podem prova-lo, e também a Igreja ainda não decidiu sobre o assunto. Por isso, para maior segurança, é muito melhor que ores e atues por elas, pois isto está mais comprovado e certo.

19. Sobre esses pontos não tenho dúvida alguma, pois estão suficientemente fundados na Escritura. Por isso também vocês não devem ter dúvida alguma, e deixem os doutores escolásticos serem escolásticos. Todos eles não são suficientes, com suas opiniões, para fundamentar um sermão.

20. Ainda que alguns, para os quais esta verdade dá grande prejuízo material, agora me chamem de herege, não dou muita importância a semelhante palavrório, pois quem está a fazê-lo são alguns cérebros tenebrosos que nunca cheiraram a Bíblia, nunca leram os mestres cristãos, nunca entenderam os seus próprios professores e já estão a decompor-se em suas opiniões esburacadas e esfarrapadas. Pois se os tivessem entendido, saberiam que não devem difamar a ninguém sem ouvi-lo e convencê-lo do seu erro. Que Deus dê a eles e a nós um entendimento correto! Amém.

(LUTERO, Martinho. Um Sermão sobre a Indulgência e a Graça pelo Mui Digno Doutor Martinho Lutero, Agostiniano de Wittenberg. 1518. Tradução de Walter O. Schlupp. MARTINHO LUTERO. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal. Porto Alegre: Concórdia. Canoas: Ulbra, 2004, 2. ed. vol. 1, págs. 31-34)



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