sábado, 7 de outubro de 2017

Celebrando os 500 anos da Reforma com Lutero - parte 7


O TEMPO E O SÁBADO - PARTE I

E Deus concluiu no sétimo dia sua obra que fizera e descansou no sétimo dia de toda sua obra que fizera. 
Gênesis 2.2

Aqui surge uma pergunta. Moisés diz que no sétimo dia o Senhor descansou da obra que fizera, isto é, que ele parou de trabalhar no sétimo dia. Cristo, por seu turno, diz em Jo 5[.17]: “Meu pai trabalha até agora, e eu [também] trabalho”. Faz parte dessa passagem o que a Epístola aos Hebreus afirma nos capítulos 3[.18] e 4[.3] sobre o descanso: “Se entrarem”, certamente não na terra da promissão, mas “em meu descanso” etc.

A essa pergunta nós simplesmente respondemos desta maneira: a solução é dada pelo próprio texto, quando diz: “Foram concluídos os céus e a terra”. Pois o sábado ou o descanso do sábado significa que Deus parou por completo, não criando outro céu e outra terra. Isso não significa que Deus deixou de conservar e governar o céu e a terra que ele havia criado.

Portanto, a solução é fácil. Deus descansou do seu trabalho, isto é, estava contente com o céu e a terra criados através da Palavra; não criou novos céus, nem uma nova terra, nem novas estrelas, nem árvores novas. Contudo, Deus continua trabalhando até hoje. Ele, efetivamente, não abandonou a natureza que criou, mas a governa e a conserva mediante a força da sua Palavra. Ele terminou de criar, mas não cessou de governar o que havia criado. Com Adão, teve início o gênero humano; na terra, [iniciou todo o tipo de] animais, por assim dizer; no mar, iniciaram os peixes mas estes não cessaram [de se multiplicar]. Até hoje permanece a Palavra que foi dita sobre o gênero humano:> “Crescei e multiplicai-vos”; também permanece a Palavra: “O mar produza peixes e aves do céu”. Sua Palavra continua onipotente, pois é por seu poder e sua força que [ele] conserva e governa toda a criação.

Moisés estabeleceu, pois, com clareza, que no início estava a Palavra. Como todas as coisas crescem, se multiplicam, são conservadas e governadas da mesma forma como foi desde o início do mundo, segue-se, evidentemente, que a Palavra dura até agora e que ela não morreu. Portanto, o fato de dizer que “Deus descansou da ora” não se refere à evolução das coisas, ao modo como são conservadas e governadas, mas, simplesmente ao início, ou seja, [significa] que Deus cessou de [dar] ordens, como se diz em linguagem comum, e de [criar] novas espécies ou novas criaturas.

Se olhares para a minha pessoa, eu sou algo novo, porque sessenta anos atrás eu nada era. Assim julga o mundo. O julgamento de Deus, no entanto, é outro, porque diante dele eu fui gerado e multiplicado logo no início do mundo, pois a Palavra “E Deus disse: ‘Criemos o ser humano’” também criou a mim. Pois tudo que Deus criar, criou-o no momento em que falou. Nem tudo, porém, ficou visível aos nossos olhos. De forma semelhante como uma flecha ou um projétil, lançados de um canhão (que tem uma velocidade maior) atingem o alvo, por assim dizer, ao mesmo tempo e, no entanto, são lançados com um determinado intervalo, assim Deus percorre o mundo, através de sua Palavra, do início até seu fim. Pois para ele não existe antes e depois, mais rápido e mais lento, mas todas as coisas estão presentes diante dos seus olhos, porque ele está fora das dimensões do tempo.

Quando Moisés diz que o Senhor descansou, ele está se referindo à conjuntura original do mundo. Como não havia pecado, nada de novo foi criado nele. Não existiam cardos, nem espinhos, nem serpentes e nem sapos; caso tenham existido, eles não continham veneno e não tinham a intenção de prejudicar. [Moisés] refere-se, portanto, à criação de um mundo perfeito. No início, o mundo era, pois, puro e inocente, porque o ser humano era puro e inocente. Agora, quando o ser humano mudou devido ao pecado, também o mundo começou a ficar diferente, isto é, à queda do ser humano seguiu-se a corrupção e a maldição da criatura. “Maldita é a terra”, disse Deus a Adão, “por causa de ti; ela te produzirá espinhos e cardos” [Gn 3.17]. E, em vista de [uma pessoa] amaldiçoada, Caim, a terra é maldiçoada, de modo que, mesmo cultivada, ela não produz seus melhores frutos. Depois disso, em razão do pecado do mundo todo, veio o dilúvio, e o gênero humano inteiro é destruído, com exceção de alguns poucos justos, para que se cumprisse a promessa relativa a Cristo. Do mesmo modo como vemos que a terra foi deformada pelo pecado, assim eu também creio que a luz do sol era mais clara e mais bela porque foi criada antes do pecado do ser humano.

Nas escolas de Teologia é corrente dizer-se: “Discerne os tempos e colocarás em concordância as Escrituras”. Por isso é preciso falar muito diferente do mundo depois da catastrófica corrupção por causa do pecado do que falaríamos sobre o mundo original, puro e íntegro. Consideremos um exemplo que está diante dos olhos: aqueles que viram a terra da promissão em nossos dias dizem que ela em nada se assemelha ao louvor que se encontra nas Sagradas Escrituras. Por isso, depois que o conde Stolberg a tinha explorado com singular diligência, disse que preferia a terra que tinha na Alemanha. Pois, por causa do pecado, da impiedade e da maldade dos seres humanos, a terra se tornou uma salina, como diz o Sl 107[.34], assim como Sodoma era uma espécie de paraíso antes de perecer pelo fogo do céu, Gn 13[.10].

Em geral, a maldição se segue ao pecado, e a maldição [, por seu turno,] muda as coisas, de modo que de ótimas passam a ser ótimas passam a ser péssimas. Por isso, Moisés está falando sobre a perfeição das criaturas, como elas eram antes do pecado. Se o ser humano não tivesse pecado, todos os animais teriam permanecido obedientes até que Deus tivesse transferido o ser humano do paraíso ou da terra; depois do pecado, porém, todas as coisas mudaram para pior.

Desse modo, permanece a solução proposta acima: em seis dias, Deus terminou sua obra, isto é, deixou de criar novas criaturas, e fez tudo o que quis fazer. Ele não disse novamente: “Haja uma nova terra, um novo mar” etc. O benefício do qual fomos alvo pelo fato da virgem Maria ter dado à luz o Filho de Deus deixa claro que o recebemos por causa da desgraça em que caímos pelo pecado. Contudo, antes de realizar essa admirável e poderosa obra, anunciou, através da sua Palavra, que haveria de fazê-la, assim como também assinalou por meio da sua Palavra outros milagres que haveriam de acontecer.

Esta é a primeira questão que diz respeito à afirmação de que Deus concluiu o céu e a terra e, depois, nada fez de novo. Agora, para que também o aprendamos, é preciso explicar o que é o sábado, ou o descanso de Deus; de que modo Deus santificou o sábado, como diz o texto.

(LUTERO, Martinho. Textos Selecionados da Preleção sobre Gênesis. MARTINHO LUTERO, Obras Selecionadas. 1535-1545. São Leopoldo: Sinodal. Porto Alegre: Concórdia. Canoas: Ulbra, 2014, vol. 12, tradução de Geraldo Korndörfer, págs. 113-115)


(continua...)


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