segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Pequenos delírios olímpicos

Faltam alguns dias para mais uma maratona começar, a da paciência para agüentar mais uma Olimpíada. Ao contrário do espírito natalino, de freqüência anual, o espírito olímpico reaparece de 4 em 4 anos, e aí somos expostos a uma overdose de histórias supostamente inspiradoras sobre pessoas que vencem seus próprios limites, e alcançam a tão sonhada medalha dourada, contra tudo e contra todos. Nada contra os atletas que vivem em função desta meta; o problema é a embalagem em que esses sonhos são acondicionados. Certamente houve espírito olímpico um dia, na Grécia Antiga, quando não havia ninguém querendo vender refrigerantes nem sanduíches. O Barão de Coubertin deve ter tido os motivos mais nobres para restabelecer os Jogos Olímpicos na era moderna. Só que o tal espírito olímpico foi sendo morto aos poucos, consumido pela ideologia, pelo marketing e pela química, e talvez ele hoje sobreviva apenas no coração dos atletas que preservam esta santa ingenuidade alentada pelo lema do barão, "o importante é competir", hoje em desuso, já que vivemos em tempos em que "os fins justificam os meios". Afinal, as Olimpíadas são sustentadas por patrocínios gigantescos das empresas americanas, na sua maioria, que garantem o retorno de subsídios ao esporte dos EUA, ao contrário do que manda a lógica desportiva, ou seja, que os países mais carentes possam preparar melhor seus atletas para garantir algum nível de competitividade. Entretanto, o dinheiro destinado a esses países é, muitas vezes, aproveitado por outros "atletas" espertalhões, recordistas em fazê-lo desaparecer.

Houve tempo em que os Jogos Olímpicos eram bem mais ideológicos, na famosa guerra fria entre o mundo capitalista e o comunista. Até hoje a imprensa diz que o Brasil nunca ganhou a medalha de ouro no futebol, mas convenientemente se esquece de dizer que por décadas os países comunistas competiram com seus times principais, enquanto os capitalistas não podiam fazer isso, devido a um espírito amadorista (filho do espírito olímpico) que dizia que atletas profissionais não podiam participar dos Jogos, onde o futebol era um jogo de cartas marcadas. Os boicotes às Olimpíadas de Moscou - 1980 e de Los Angeles – 1984 mostram como a política contaminou o tal espírito olímpico. O marketing se encarregou de contaminar os Jogos de Atlanta - 1996, que deveriam ter sido destinados a Atenas, pelo centenário da 1ª Olimpíada da era moderna (1896). Não por acaso, Atlanta é sede de grandes corporações americanas patrocinadoras do Comitê Olímpico Internacional. Na época, a programação das competições foi muito criticada, pois os interesses das televisões americanas impuseram que as disputas que envolviam atletas masculinos fossem exibidas no horário americano da tarde, para agradar as donas-de-casa do país. Além da ideologia e do marketing, o terceiro monstro que ajudou a devorar o espírito olímpico foi a química, muito em decorrência dos dois primeiros. Afinal, por muitos anos, a Alemanha Oriental dopou seus atletas (principalmente as mulheres) para promover sua ideologia. E muitos atletas americanos, como Marion Jones, se doparam para conseguir os contratos milionários com seus marketeiros. Então, mais do que recordes, o espírito olímpico é que foi pulverizado nesses anos todos. Talvez tenha ido embora com o ursinho Misha em 1980, em sua viagem com balões à la Padre Aldenir.

Agora, nos resta sermos torturados por duas semanas inteiras de patriotadas de Galvão Bueno, poemas lacrimosos sobre o nada - à la Lya Luft - de Pedro Bial, repórteres da Globo tentando produzir emoção com os acontecimentos mais banais. Invadiremos as próximas madrugadas esperando que algum brazuka ganhe alguma coisa, e, durante o dia, dormiremos na rua e no trabalho, embalando os nossos sonhos de um mundo melhor. Se bem que a paz mundial parece ser monopólio dos concursos de miss.

Um comentário:

  1. Belo texto. As Olimpíadas de Pequim foram vergonhosas demais para mim assistir. Sinceramente deplorável. Triste demais por esse espírito de pureza no esporte ter sido morto pelo dinheiro. Belo post.

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