Na interessante entrevista transcrita abaixo, publicada na Folha de S. Paulo do dia 22/02/13, o professor Francisco Borba Ribeiro Neto, da PUC-SP, diz, entre outras coisas, que o novo papa deverá dominar as habilidades e competências de um executivo de multinacional.
No fim da entrevista, o professor faz uma rápida referência aos pentecostais. Esperamos que o novo papa não peça consultoria a certos "pastores" e "apústulas" milionários que sabem como ganhar dinheiro como ninguém ao explorar as fileiras evangélicas:
"Novo papa tem de ser como um chefe de multinacional", diz professor da PUC
FÁBIO ZANINI
Uma das dificuldades de encontrar um novo papa é achar alguém que reúna duas características muito diferentes: solidez no pensamento conservador e jogo de cintura para administrar a igreja, inclusive seus muitos egos.
No segundo ponto, Bento 16 deixou a desejar, segundo análise de Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC. "É preciso um papa presidente de multinacional", resume.
Folha - Esse conclave será mais longo e mais difícil do que o anterior?
Francisco Borba Ribeiro Neto - Vai ser mais difícil, mas não sei se mais longo; afinal, ele já começou, de certa forma. Mais difícil porque não existe uma liderança tão clara como se demonstrou ser a de Joseph Ratzinger [nome do papa]. Vai ter que se construir uma.
Existem questões muito diferentes que terão de ser resolvidas por uma mesma pessoa. Primeiro, um problema político-administrativo no Vaticano.
É preciso um papa gerente?
Não gerente, mas um papa presidente de multinacional. Um papa CEO. Não que precise entrar nas questões mais corriqueiras, mas que consiga administrar egos, vontades políticas e dotar todos de uma linha única.
Por outro lado, existe um caminho de renovação cultural e espiritual da igreja que começou com João Paulo 2º, se radicaliza com Ratzinger e terá de ser continuado. Exige um perfil de papa místico, com maior bagagem teológica etc. Existem essas pessoas no conclave? Existem, mas provavelmente nenhuma delas aparece hoje como Ratzinger apareceu em 2005.
Ratzinger no lado administrador deixou a desejar?
Ele claramente esperava não precisar ter que exercer essa função. Não gosta dela, não tem perfil para isso.
É possível identificar correntes definidas no conclave?
No conclave em si, ainda é difícil. Você pode pensar em grandes correntes que existem hoje na igreja e que de certa forma se refletem no conclave. Eu diria que há três hoje, que vêm do Concílio Vaticano 2º [encontro nos anos 60 que mudou ritos da igreja].
Duas são pró-mudança e uma tradicionalista, reacionária. Os tradicionalistas são os que claramente se colocaram contra o Vaticano 2º.
Ainda têm o modelo Concílio de Trento [1545-63, que reagiu à reforma protestante] como da igreja ideal. Basicamente, uma liturgia bastante distante do povo. Missa em latim, por exemplo. É a ideia de que a excepcionalidade da igreja deve ficar patente em todos os seus gestos.
Já os progressistas defendem que a igreja tem que se adaptar aos tempos modernos. Por exemplo, na questão da sexualidade.
E os conservadores diriam que a modernidade está em crise, o humanismo está em crise. Para eles, a recuperação do humanismo não pode acontecer dentro do marco do pensamento moderno.
Pedem um retorno às raízes do cristianismo para enfrentar essas demandas.
Por exemplo, na questão da afetividade. Para o conservador, o mais importante não é quando o jovem pode ter uma relação sexual, mas se o jovem está preparado para amar uma pessoa.
No conclave, o domínio é conservador?
Não tenho dúvida. Os progressistas permanecem vivos no conjunto da igreja, mas são muito fracos dentro do conclave. O que você tem são cardeais mais sensíveis às demandas desse grupo.
O próximo papa vai ter que abrir caminho para que o diálogo entre o pensamento católico conservador e as demandas da modernidade apareça.
Para ele criar esse diálogo, vai aparecer como um papa aberto às demandas progressistas. Mas não necessariamente vai atender a elas.
Em que cardeais devemos prestar atenção no conclave?
Primeiro, nos grupos latino-americano e africano. A probabilidade de um papa latino-americano ou africano é pequena, porém sem dúvida o peso da opinião deles vai valer muito no conclave.
Depois, um grupo forte seria o dos seguidores diretos de Ratzinger. Exemplos: Marc Ouellet [Canadá], Angelo Scola [Itália] e Christoph Schönborn [Áustria].
As pessoas vão ouvi-los entendendo que estarão a ouvir o Ratzinger. Depois, o Gianfranco Ravasi [Itália], a figura mais progressista. Mas o fato é que a força do pensamento de Ratzinger na igreja é muito grande.
Mesmo com a renúncia?
A renúncia o fortalece muitíssimo, porque quebra a maior objeção que poderia ser feita a ele: de ser um homem que usou o poder para garantir a posição do seu grupo.
Mesmo se não tiver o novo papa, como a América Latina vai ser levada em conta na escolha?
Vai ser levada muito em conta. Mas o problema da igreja na América Latina é recuperar o elemento místico, bandeira dos conservadores, e assim conseguir fazer frente ao pentecostalismo. Ao mesmo tempo, conseguir manter a sua agenda social.
O grupo conservador nunca foi contrário a manter a agenda social da Teologia da Libertação: reforma agrária, distribuição de renda etc.
Se conseguir recuperar a dimensão mística e manter a dimensão social, a igreja latino-americana voltará a ser um grande referencial.