segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Revisitando Eclesiastes - capítulo 2

Leitura anterior: Revisitando Eclesiastes - capítulo 1

Depois de passar o capítulo 1 "desconstruindo" algumas verdades que as pessoas têm por inquestionáveis na vida, no início do capítulo 2 de Eclesiastes, o Pregador passa à construção de alguns pilares do seu ensino. 

Primeiro, ele começa a experimentar algumas hipóteses para ver se alguma delas se encaixa no bem supremo da vida, que deve ser buscado e alcançado pelos mortais. 

A primeira hipótese que ele, digamos, "testa", é a do hedonismo, antes mesmo que o hedonismo viesse a ser especulado pelos filósofos pós-socráticos na Grécia na transição do século V para o IV antes de Cristo. 

O hedonismo, muito simplificadamente, é uma corrente filosófica que defende a busca do prazer imediato, aqui e agora, o prazer pelo prazer, como a suprema felicidade. 

Logo no v. 1, o Pregador testa esta hipótese, mas também considera o hedonismo como vaidade, pois, para ele, o riso é loucura (ou tolice) e a alegria de nada serve (v. 2). 

O Pregador cogita, então, de se entregar ao vinho e à loucura, mas preservando a sabedoria (v. 3). Isto não significa propriamente embriagar-se, mas permitir algum tipo de privação mínima dos sentidos, como aquele que toma algumas taças de vinho, e começa a rir e falar imoderadamente, mas também nisso o Pregador não encontrou resposta aos seus anseios. 

Desde já, entretanto, apresenta a sabedoria como uma espécie de moderadora, controladora, desta busca. E, a seguir, testa as riquezas, a ostentação, o consumismo, o "ter" em vez de "ser", como uma possível razão para a felicidade (vv. 4-11), mas tudo era também "vaidade e correr atrás do vento, e nenhum proveito havia debaixo do sol" (v. 11). 

O estranho é que muitos pregadores atuais encontram somente no "ter" sinais distintivos de um verdadeiro cristão. Certamente, não leem ou não vivem nem pregam Eclesiastes.

Todas essas coisas eram vistas àquela época, e continuam sendo vistas assim até hoje, como aquilo que uma palavra só consegue definir: o "sucesso". 


O sucesso sempre foi um critério mundano para se definir, à primeira vista, se uma pessoa é ou não é feliz. O sucesso desperta a inveja, mas este é um tema que guardaremos para outra oportunidade. Por ora basta constatar que, como a própria experiência atual nos mostra, o sucesso não é duradouro, e muitas vezes faz mal. 

O exemplo de artistas que não conseguiram lidar com o sucesso, e muitas vezes sucumbiram a ele, está estampado todos os dias nos jornais e na televisão. 

Quando ninguém os conhece, eles querem atingir o sucesso a todo custo, a qualquer preço, e quando finalmente o conseguem, vêem que não lhes basta, há algo mais do que o sucesso a ser buscado, este sucesso que não consegue preencher o vazio que eles têm. 

O mesmo acontece com aquele que busca o prazer pelo prazer. Os hedonistas sabem que mesmo o "máximo prazer" nunca é suficiente, e é sempre necessário algo mais, daí a razão de muitos se entregarem à luxúria, às drogas, à violência, e se perderem pelo caminho. 

O paradoxo hedonista é que, quanto mais se busca o prazer, menos ele é encontrado (ou, pelo menos, mais ele foge). 

Tudo isto é, como o Pregador diz, "correr atrás do vento", e como Jesus também disse, "o vento sopra onde quer, e ouves a sua voz; mas não sabes donde vem, nem para onde vai" (João 3:8).

A partir do v. 12, o Pregador passa a considerar a sabedoria, que já lhe havia servido como moderadora da embriaguez e da loucura (v. 3). Aqui, o Pregador já vê na sabedoria algo melhor do que a estultícia, já que "a luz traz mais proveito do que as trevas" (v. 13). 


Entretanto, tanto o sábio como o estulto terminam do mesmo jeito (vv. 14-15). Logo, por que buscar a sabedoria? Não seria isto também vaidade? 

Dentro da sua dialética toda peculiar, o Pregador primeiro vê alguma vantagem na sabedoria, mas depois volta atrás e se pergunta se ela é realmente tão vantajosa assim e, tanto a memória do sábio como a do estulto não durará para sempre, pois passado algum tempo, "tudo cai no esquecimento" (inclusive o momentâneo sucesso pelo qual alguns querem ser lembrados após sua partida deste mundo). 

Pela primeira vez, o Pregador fala da morte no seu discurso (v. 16). Aqui, a meu ver, ele passa a delinear uma resposta às suas questões, e começa a erguer dois pilares para sustentar seu pensamento e suas conclusões que só apresentará no final do livro. 

Um desses pilares, bastante claro, é a sabedoria. O outro é a eternidade. Ele vem falando da inutilidade do sucesso, e no v. 16 mostra que a tendência natural do mundo é que tudo e todos sejam esquecidos. 

Num paralelo neotestamentário, em Filipenses 3:4-6 o apóstolo Paulo lista uma série de qualidades pelas quais ele poderia ser considerado um homem de sucesso para o seu tempo e dentro da sua comunidade.

Entretanto, nos vv. 7 a 11, ele considera todos esses atributos humanamente valiosos como "perda", "refugo" ("estrume" nas versões mais antigas) quando os compara à eternidade que Cristo lhe garante.

A morte nos nivela a todos, indistintamente. É necessário, então, já adiantar um pouco nosso estudo e ligar este versículo com outro do capítulo 3, aquele que diz que Deus "pôs a eternidade no coração do homem" (3:11). 

Por um certo tempo da minha vida, por uma série de razões profissionais e sociais, eu convivi com muitas pessoas famosas, daquelas que integram o glamoroso mundo das celebridades. Pessoas de sucesso, portanto, que o atingiram segundo padrões humanos nem sempre muito claros.

Naquela época, eu comecei a pensar sobre o que significava a fama, afinal. O que é esta tal de fama, umbilicalmente ligada ao "sucesso", que tanta gente busca, mas nunca se sacia? 

Foi aí que eu percebi que todos aqueles que buscam a fama, no fundo, buscam uma maneira de se eternizar

Diante da mortalidade que nos limita a todos (e cuja constatação a tantos sufoca), e diante também deste desejo de eternidade que Deus colocou no coração do homem, a fama é um recurso que muitos buscam para tentar driblar a mortalidade e inscrever-se na eternidade. 

É verdade que muitos conseguem ser recordados e cultuados por algum tempo, mas a sua lembrança vai gradualmente se desfazendo e desaparecendo da memória coletiva. 

Quantas vezes ouvimos que "o brasileiro tem memória curta", mas será só o brasileiro que se esquece fácil e rapidamente? 

Penso que a verdade está com Davi, que teve coragem de dizer: "Sou esquecido como um morto de quem não há memória; sou como um vaso quebrado" (Salmo 31:12). O Pregador retornará a este tema em Eclesiastes 9:5, quando dirá que a memória dos mortos "jaz no esquecimento".

A partir do v. 18, o Pregador começa a finalizar o capítulo 2 de Eclesiastes falando sobre o trabalho e a herança. De que vale, afinal, trabalhar tanto? Quem se dedica ao trabalho a ponto de se tornar um "workaholic" é sábio ou estulto? 

De que adianta trabalhar tanto, morrer de repente e deixar tudo para quem não derramou uma gota de suor para merecer a herança? (vv. 18-21). 

Como Jesus disse numa de suas parábolas, sobre o homem rico que queria construir mais celeiros: "Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?" (Lucas 12:20). 

De que adianta levar trabalho do escritório à noite para casa (v. 23)? Ou seja, o "debaixo do sol" de que tanto fala o Pregador, corre o risco de se tornar "debaixo da lua" (v. 22). 

Deve o homem, então, simplesmente parar de trabalhar e esperar o tempo passar? "Não", é a resposta do Pregador. 

O homem deve trabalhar e conseguir o suficiente para "comer, beber e fazer com que a sua alma goze o bem do seu trabalho", sempre reconhecendo que é a mão de Deus que lhe proporciona estas alegrias simples, esses pequenos deleites da vida (v. 24). 

Aqui, o Pregador constrói um terceiro pilar para sustentar suas conclusões: a providência divina

É Deus, afinal, quem "dá sabedoria, conhecimento e prazer ao homem que lhe agrada", ressalvando que "ao pecador dá trabalho, para que ele ajunte e amontoe, a fim de dar àquele que agrada a Deus" (v. 26). 

O trabalho não é nenhum mal em si, mas é o seu uso deturpado, ou a sua valorização excessiva, que o torna uma pedra de tropeço (e muitas vezes, de morte) para o ser humano.



Leitura seguinte: Revisitando Eclesiastes - capítulo 3



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