quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Arcebispo de Porto Alegre diz que Poder Judiciário é corrupto

O arcebispo de Porto Alegre (RS), D. Dadeus Grings, se meteu numa encrenca daquelas com o Poder Judiciário nacional, pois, ao criticar os Tribunais de São Paulo e de Brasília, teve a resposta num nocaute duro e direto do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que - tomando as dores de seus pares - o chamou de "um homem intolerante, agressivo, preconceituoso, vingativo e rancoroso, [que] mostra-se a antítese do cristão de que nos fala a Bíblia". Tudo começou em Mogi Guaçu, interior do Estado de São Paulo, onde D. Grings exercia à época as funções de bispo da diocese de São João da Boa Vista (que engloba Mogi Guaçu), e defendeu a iniciativa da Prefeitura em desapropriar um imóvel de uma família influente da cidade, o que, cá entre nós, já é um tanto quanto estranho, já que os cuidados de um bispo católico deveriam se concentrar nas necessidades espirituais de sua comunidade, o que inclui também - obviamente - as necessidades materiais e sociais da sociedade em que ela está inserida, mas daí a defender desapropriação de imóveis vai uma certa distância, a não ser que fosse o último pedaço de terra disponível no planeta, do que não se trata, é claro, o caso. Na confusão causada pelo processo judicial, D. Grings teria dito - numa carta particular endereçada à família - que os advogados deles não “deixavam a impressão de lisura”, o que, também cá entre nós, pode ser até uma maneira bonita de se expressar uma ofensa à honra de alguém, mas a belezura da calúnia não tira dela o condão de crime previsto no Código Penal brasileiro, nem exime o ofensor de indenizar o ofendido pelos danos morais causados por uma afirmação no mínimo leviana como essa. O fato da ofensa ser feita por escrito, mesmo que particularmente, não tira dela o poder de ferir a reputação de alguém. Poderia até corresponder à verdade, mas o bispo teria que ter comprovado a veracidade de sua acusação. Oportunidade para tanto teve, mas se não o fez, é porque não tinha prova de que a família proprietária do imóvel em questão (e os seus advogados) eram desonestos ou haviam cometido algum crime previsto em lei para conseguir seus objetivos.

A família então exerceu o seu legítimo direito de processar o então bispo de São João da Boa Vista pelos meios permitidos pela legislação brasileira, e o acusado teve a oportunidade de se submeter ao contraditório e se defender em todas as instâncias, com todos os recursos cabíveis, até que - depois de 16 anos vagando pelos meandros dos Juízos e Tribunais brasileiros - a decisão final transitou em julgado (no popular: tornou-se definitiva, não cabendo mais qualquer recurso) e tanto D. Grings como a Diocese de São João da Boa Vista foram condenados a pagar cerca de R$ 936 mil, atualizados até agosto de 2011 (a correção monetária continuará incidindo sobre o montante enquanto não for paga - na íntegra - a verba indenizatória). Agora, portanto, diante da irrecorribilidade da sentença, D. Grings, já arcebispo de Porto Alegre, veio a público acusar o Poder Judiciário em geral de corrupção, dizendo que "os juízes estão desligados da realidade. Os ministros da Igreja católica não recebem salários polpudos, como eles, nem amealham fortunas", imolando-se "espiritualmente" ao final da nota que distribuiu à imprensa: "Se me quiserem prender – conforme o Advogado querelante há 14 anos preconizava, - estou às ordens. Só assim o mundo saberá quanto nosso Judiciário é corrupto e arbitrário".

Não é surpresa, portanto, que a primeira reação à critica do arcebispo tenha vindo justamente do Judiciário gaúcho, que, em tese, não teria nada a ver com o imbroglio que envolve os Tribunais de São Paulo e da capital federal, mas se sentiu diretamente atingido pela acusação generalizada de corrupção feita pelo religioso católico e a rechaçou dizendo: "O Poder Judiciário manifesta sua indignação e repúdio às declarações do arcebispo de Porto Alegre, que mais uma vez optou pelo caminho da agressão e do escândalo frente a uma condenação judicial. Dom Dadeus, ao apresentar-se como um homem intolerante, agressivo, preconceituoso, vingativo e rancoroso, mostra-se a antítese do cristão de que nos fala a Bíblia. A Igreja Católica não merece ser colocada no centro de polêmicas equivocadas e movidas por simples recalques e frustrações pessoais. O arcebispo deveria deixar as questões legais para os corretos e competentes advogados da Cúria Metropolitana e, à sua vez, submeter-se com humildade às lições de convivência e urbanidade pregadas por sua própria religião".

Parece mesmo que Deus não concedeu ao arcebispo, sabe-se lá por quê, os dons da temperança e do domínio próprio, pois D. Dadeus Grings não tem papas na língua e nem prima pela discrição e sabedoria no seu falar, como quando da ocasião já noticiada aqui no blog, em que procurou defender os padres acusados de pedofilia dizendo que "a sociedade é pedófila", como se um erro global (fictício, no caso) justificasse o outro. Em março de 2009, D. Grings foi notícia no mundo inteiro por ter dado uma entrevista à revista Press & Advertising, na qual disse que houve muito mais vítimas fatais entre os católicos e ciganos na Segunda Guerra Mundial do que os judeus, “mas isso não aparece porque os judeus têm a propaganda do mundo”, como se boa parte dos católicos mortos durante a guerra não fosse de soldados nazistas que serviam aos ideais genocidas de Hitler. Talvez o falastrão prelado católico alimente demais não só o seu ego, mas sobretudo sua veia autoritária e se julgue acima do bem e do mal, achando que sua cátedra episcopal permite que ele dispare juízos definitivos e pronuncie qualquer bobagem sem que seja questionado por isso (no que não difere muito de alguns "pastores evangélicos", diga-se de passagem). Como já ensina o ditado popular, "em boca fechada não entra mosquito". Que Deus dê a D. Dadeus o dom do silêncio, com todas as virtudes que o seguem. De qualquer maneira, muitas águas turvas ainda vão rolar debaixo dessa ponte e encher o Guaíba de lágrimas e ranger de dentes, mas resta a esperança de que tanto o Poder Judiciário como a Igreja Católica saiam dessa crise mais humildes e mais sábios para lidar com as grandes questões da sociedade brasileira. Quem viver, verá!




2 comentários:

  1. "a sociedade é pedófila", como se um erro global (fictício, no caso)

    O problema da pedofilia e abuso de menores só veio à tona nos últimos tempos porque o assunto é usado para atacar a Igreja Católica, caso contrário ele continuaria completamente ignorado pela mídia,



    e voltará a ser ignorado quando a Igreja concluir o processo para aumentar a proteção dos menores no ambiente da Igreja, como a lei canônica que obriga o bispo comunicar imediatamente às autoridades seculares sobre qualquer evidência de agressão contra menores por parte de padres, religiosos ou qualquer um no ambiente da Igreja.



    Segundo o estudo de Philip Jenkins, professor de Justiça Criminal, colunista da Christianity Today, e não católico, os casos de abuso relacionados com a Igreja Católica envolvem apenas 0,3% do clero num período pesquisado de 30 anos. É um número ínfimo se comparado com outros grupos de profissionais, como professores por exemplo.



    Segundo a ONG 1in6, Inc, 1in6.org , UM em cada SEIS meninos sofre abuso sexual nos Estados Unidos da América, geralmente pelo próprio pai, que na maioria das vezes é branco e protestante, ainda segundo a ONG que mantém o site stopbaptistpredators.org , são milhares de casos de pastores que cometem abusos contra menores, não só batistas mas também presbiterianos como pode ser visto no site da presbiteriana PCUSA http://gamc.pcusa.org/ministries/ici/ , também existem casos envolvendo rabinos, no entanto a mídia fecha os olhos para esses casos, a impressão geral é que pedofilia é um problema exclusivamente da Igreja Católica, quando na verdade é justamente o grupo com menos casos.



    Quando esse assunto não puder mais ser usado contra a Igreja Católica, então ele será novamente enterrado, que Deus tenha piedade dessas crianças.

    ResponderExcluir
  2. Obrigado pelo seu comentário, Alexandre!

    Aqui no blog eu tenho a preocupação de dar notícias sobre pedofilia que são as que têm maior repercussão, e não as limito apenas aos católicos. Se você clicar na tag "pedofilia", verá que a maioria dos temas envolve católicos, mas a maioria delas não envolvem um fato particular denunciado (como no caso dos padres de Arapiraca, por exemplo), mas críticas internas e externas da Igreja Católica. Também procuro mostrar que há denúncias contra evangélicos, protestantes, e inclusive há uma denúncia contra um rabino judeu muito conhecido em Israel, que foi acusado de pedofilia. Um dos casos publicados no blog envolve um padre católico e um bispo anglicano, por exemplo.

    Então, sei que é impossível balancear o noticiário sobre isso, mas eu tento na medida do possível, evitando publicar notícias que são apenas especulativas ou sensacionalistas, mas reconhecendo que é difícil estabelecer o limite entre uma e outra coisa.

    Continuo achando, entretanto, que a justificativa de que "a sociedade é pedófila", embora seja até interessante explorá-la do ponto de vista filosófico-hedonista, é muito fraca para fugir da exploração de menores que existe em todas as religiões.

    Paz e Bem!

    ResponderExcluir

Obrigado por visitar O Contorno da Sombra!
A sua opinião é bem-vinda. Comentários anônimos serão aprovados desde que não apelem para palavras chulas ou calúnias contra quem quer que seja.
Como você já deve ter percebido, nosso blog encerrou suas atividades em fevereiro de 2018, por isso não estranhe se o seu comentário demorar um pouquinho só para ser publicado, ok!
Esforçaremo-nos ao máximo para passar por aqui e aprovar os seus comentários com a brevidade possível.

LinkWithin

Related Posts with Thumbnails