quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Criação: dos pré-socráticos à arte moderna

O filósofo grego Parmênides (530 a.C. - 460 a.C.) foi citado outro dia aqui no blog, quando um certo pastor do Paraná se besuntou todo com 12 litros de azeite, pronunciando a expressão "ex nilo", talvez invocando (sem saber) a frase ex nihilo nihil fit ("do nada nada se fez"), que a história da filosofia atribui a Parmênides, e que é a síntese da ideia não só grega, como hebraica, cristã e islâmica, de que é imperativa a existência de um Criador do universo, no caso Deus. Parmênides era contemporâneo de outro grande filósofo de nome Heráclito (540 a.C. - 470 a.C.) e os dois travaram várias discussões acadêmicas que foram decisivas não só no pensamento de Sócrates, Platão e Aristóteles, que vieram depois (daí o "pré-socráticos") como também na formação de todo o sistema de pensamento e raciocínio lógico que até hoje utilizamos nas nossas discussões mais corriqueiras. Há controvérsias sobre quem teria dado o primeiro "tiro" neste debate, mas a tendência moderna é acreditar que Heráclito teria começado a polêmica ao afirmar que "todas as coisas fluem", ou seja, todas as coisas estão sempre fluindo em todos os lugares, no sentido de que elas estão "vindo a ser". Nada é estático: tudo o que é está sempre mudando. A ênfase no verbo ser ("é") é proposital, pois esta é a questão central da filosofia e da vida de todos nós, também conhecida pelo nome técnico de "ontologia": o SER (abordado neste blog num texto de Paul Tillich sobre fé e razão). Apenas para salientar a importância dessa palavra que é tanto verbo como substantivo, se você se lembrar de suas leituras da Bíblia, constatará que Deus disse a Moisés em Êxodo 3:14 que o Seu nome é "EU SOU" e "EU SOU O QUE SOU", e que Jesus respondeu aos fariseus que "antes que Abraão existisse, EU SOU" (João 8:58) . É de Heráclito, também, o conceito original de "logos", que seria a razão universal pela qual todas as coisas estão em constante movimento, "se tornando", "vindo a ser", que não corresponde exatamente à Pessoa - pré-existente e eterna da divindade que se encarna, se torna humano - à qual João chamará também de "Logos" no início do seu evangelho, embora não se possa negar, ainda que em pequena medida, a influência do conceito grego de "logos" no seu discurso.

Parmênides teria rebatido essa ideia de "vir a ser" com outra frase famosa, "Tudo o que é, é", enfatizando a importância de que tudo que existe no mundo, existe de modo absoluto, e que, portanto, "nada pode vir do nada", já que é necessário um SER eterno e pré-existente que tenha criado o Universo e tudo o que nele há, e que lhe dê unidade e sentido. Para ele, se alguma coisa está mudando, na verdade, ela não é. Tudo isto tem a ver, em última instância, com a ideia de que, se no princípio não havia nada, então não deveria existir nada agora, já que ex nihilo nihil fit. Logo, as coisas que existem não devem ser tidas e cridas como reais, porque tudo é ilusão, já que tudo o que existe é um SER Uno, Não-Gerado, Indivisível e Eterno e dele, de certa forma, todos fazemos parte. Heráclito, por sua vez, criou uma hierarquia das coisas que existem, nas quais o elemento primordial seria o Fogo, mas sempre se centrando na ideia de que "tudo flui como um rio". Este SER que seria, na verdade, um VIR-A-SER, já que "o tempo é uma criança que brinca, movendo as pedras do jogo para lá e para cá; governo de criança" (Fragmento 52 de Heráclito).

É claro que este espaço aqui é muito pequeno para a profundidade do pensamento dos dois filósofos e da influência que eles tiveram na humanidade, mas existe um artista novaiorquino, Dev Harlan, que - talvez inadvertidamente - terminou homenageando essa frase do fragmento 52 de Heráclito mediante uma obra de arte, intitulada "Parmenides I", que de certa forma sintetiza as ideias de ambos, unindo criação, mudança, cores, unidade e ilusão para - através de um brinquedo que ele imagina agradar a divindade (o "menino-SER") - oferecer uma outra possibilidade de existência, um outro SER. Veja o vídeo abaixo para conferir se ele conseguiu cumprir seu objetivo:


Dev Harlan - "Parmenides I", 2011 from Dev Harlan on Vimeo.




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