sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Religião para ateus

Interessante entrevista concedida pelo filósofo suiço Alain de Botton ao jornal Correio do Povo, de Porto Alegre (RS), a respeito de seu livro "Religião para Ateus", que acaba de ganhar uma edição brasileira. É no mínimo curioso que ele proponha o retorno ao estoicismo como uma alternativa plausível para a pós-modernidade, sendo que o cristianismo foi formado (e fortemente influenciado) num mundo em que a filosofia estoica era o grande motor das iniciativas individuais e coletivas. Confira:

"Somos crianças e precisamos ser guiados", diz Alain de Botton

Filósofo suíço participa de um seminário em Porto Alegre, no dia 21

No próximo dia 21, às 19h30min, fará palestra no Salão de Atos da Ufrgs um dos filósofos que mais consegue simplificar os pressupostos teóricos para aproximar a filosofia do cotidiano. O suíço radicado em Londres Alain de Botton, de 42 anos, participa de um seminário em Porto Alegre. O tema é o seu mais recente livro, "Religião para Ateus", traduzido e editado no Brasil pela editora Intrínseca. Botton defende que o Catolicismo tem como ponto da partida tratar os fieis não como adultos. “Nós somos crianças, grandes crianças que precisam ser guiadas e lembradas de como se deve viver”, afirmou, em entrevista ao Correio do Povo

Autor de obras como "Ensaio de Amor", "Como Proust Pode Mudar Sua Vida" e "Uma Semana no Aeroporto", Botton tem sua obra traduzida para mais de 30 países. No dia 22, ele participa do mesmo seminário em São Paulo. No dia 24, às 19h, ele autografa a obra na Livraria Cultura do Fashion Mall, no Rio de Janeiro.

Na entrevista ao Correio do Povo, o filósofo falou ainda de ateísmo, de Deus, do livro, do gosto pela arte e arquitetura brasileira e de alguns filósofos indicados ao momento atual do mundo globalizado como Sêneca e Arthur Schopenhauer.

Correio do Povo – O que você sabe da repercussão de "Religião para Ateus" no Brasil?
Alain de Botton – Espero que o livro seja bem sucedido - porque o meu livro se concentra muito no catolicismo. O ponto de partida do catolicismo é que somos crianças, e precisamos de orientação. O mundo secular muitas vezes se ofende com isto. Ele assume que todos os adultos são maduros - e por isso odeia o didatismo, a ideia de orientação e instrução moral. Mas é claro que nós somos crianças, grandes crianças que precisam ser guiadas e lembradas de como se deve viver. E ainda o moderno sistema de educação nega isto, nos trata como muito racionais, razoáveis, no controle. Somos muito mais desesperados do que o sistema de educação moderno reconhece. Todos nós estamos no limite do pânico e terror todo o tempo - e as religiões reconhecem isto. Temos de incorporar uma consciência semelhante em estruturas seculares.

CP – O que a religião pode ensinar aos ateus?
Botton – Queria argumentar que a crença em Deus é implausível e, para mim e para outros, simplesmente impossível. Ao mesmo tempo, posso querer sugerir que se você remover esta crença, há perigos particulares que se abrem – nós não precisamos incorrer neles, mas eles estão lá e deveríamos ter consciência deles. Para começar há o perigo do individualismo: colocar o ser humano no palco central de tudo. Em segundo lugar, há o perigo do perfeccionismo tecnológico: de acreditar que a ciência e a tecnologia podem superar os problemas humanos, que é questão de tempo antes dos cientistas nos curarem da condição humana. Em terceiro lugar, sem Deus, é mais fácil perder a perspectiva: ver o momento presente como tudo, esquecer da brevidade do momento atual e cessar de apreciar (da melhor maneira) a minúscula natureza dos nossos próprios feitos. E por fim, sem Deus, há o perigo da necessidade de suprimir empatia e comportamento ético. É bem possível não acreditar em nada e lembrar destas lições vitais (como uma pessoa que pode ser um crente profundo e um monstro). Eu queria chamar a atenção a algumas destas brechas, algo que estava falhando, quando despedimos Deus tão bruscamente. Nós podemos despedi-lo, mas com compaixão, nostalgia, cuidado e pensamento...

CP - Qual o conceito atual de Deus para os ateus e para a filosofia?
Botton – Como muitas pessoas, eu me sinto nostálgico. Como é possível não se sentir nostálgico quando você vê belos afrescos e rituais de um carnaval antigo no século XV? Contudo, temos de perguntar: como devo responder à minha nostalgia? Meu pensamento é que podemos usá-la criativamente, como a base de um renascimento, da criação de novas coisas, para a criação de coisas sobre as quais as gerações posteriores se sentirão nostálgicas... Então me frustra quando as pessoas dizem coisas como "Bem, eles sabiam como construir o século XV, agora é impossível..." Por quê? Nada é possível. Não devemos suspirar nostalgicamente acima da religião, devemos aprender com eles. Deveríamos tomar os exemplos deles.

CP – Você já falou do amor, de Proust, do trabalho, de um aeroporto. Qual o assunto que ainda merece um estudo ou uma nova obra sua?
Botton – São tantos os assuntos que mereceriam um livro, acho que morte, crianças, casamento, sexo, saúde...

CP – No momento presente, o que a filosofia pode propor para aliviar a carga emocional da humanidade?
Botton – Penso que Sêneca é a pessoa perfeita para estes nossos tempos. Sêneca pertenceu à escola Estoica da filosofia, que abrange tudo sobre o ensino de como responder calmamente ao desastre. Tendemos a imaginar que pessoas alegres implica dizer sempre frases felizes. Mas Sêneca diz as coisas mais tristes e bastante estranhas é que são muito consoladoras. "Que necessidade temos de chorar em algumas partes da vida?’ ele pergunta, "o todo pede lágrimas".

CP – Você conhece algo de filosofia e literatura produzidas no Brasil?
Botton – Conheço, sim. Eu estou muito familiarizado com a rica e fascinante cultura brasileira – livros, mas também a arquitetura e a arte.

CP – Dois dos seus livros tem relação com viagens, A Arte de Viajar e Uma Semana no Aeroporto. Qual o significado do ato de viajar no contexto atual, globalizado?
Botton – As viagens ajudam a nos pôr em contato com a idéia de alternativas – eles nos relativizam. Elas nos fazem pensar que agora mesmo, são 10 horas da manhã ou 3 horas da tarde, em algum lugar do outro lado do globo, coisas muito diferentes estão acontecendo. As viagens cumprem aquela tarefa básica dos lugares da viagem: sacodem-nos em lembrar que o mundo é estranho, mais excitante, mais variado do que o imaginamos quando estamos no ambiente familiar, e do perigo de aborrecimento e rotina.

CP – Qual filósofo que se adequa a realidade atual do Mercado Comum Europeu?
Botton – Arthur Schopenhauer é o melhor filósofo neste caso. Ele é outro grande pessimista que faz a pessoa se sentir mais feliz. Ele faz algumas análises brilhantes de por que a vida das pessoas tende a dar errado (ele é perfeito para analisar quando uma pessoa sente que está enlouquecendo com a tristeza). A sua consideração geral é que você seria louco por esperar algo mais do que o desastre nesta vida. Perfeito.



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