quinta-feira, 27 de maio de 2010

Rick Warren e a "vitimização" evangélica

Outro dia li uma mensagem de Rick Warren no Twitter, reencaminhada por uma das pessoas que sigo ali, que dizia o seguinte:

@RickWarren: The greatest churches in history are YET to be! Will you pay the price of conflict & criticism to be used greatly by God?

Tradução: "As melhores igrejas na história AINDA estão por vir! Você pagará o preço do conflito e da crítica para ser usado grandemente por Deus?"

Não sigo Rick Warren no Twitter, apenas tomei conhecimento desta mensagem porque alguém da minha lista utilizou a ferramenta Retweet, o que me permitiu conhecer um pouco mais por onde anda atualmente o pastor da Saddleback Church e escritor do bestseller "Uma Vida Com Propósitos", livro que eu até comprei alguns anos atrás, mas logo desisti de ler por considerá-lo mais um exemplar do gênero "auto-ajuda gospel", lindo na superfície, mas sem substância e profundidade. Difícil de ler e fácil de esquecer.

A mensagem em questão revela dois pontos nevrálgicos que dizem muito sobre o estado do evangelicalismo no mundo moderno. Em primeiro lugar, esta convicção ilusória de que as maiores e melhores igrejas de Deus ainda vão existir se tornou uma espécie de mantra evangélico que justifica "teologias" e práticas novidadeiras que tentam transformar o evangelho numa espécie de entretenimento inócuo e passageiro para almas cansadas, não de Deus, mas dos transtornos naturais da vida cotidiana de qualquer um, que demandam uma fuga temporária, preferencialmente espiritualizada, da análise da sua condição humana afastada do divino. Esta declaração de Rick Warren é falsa, porque as maiores e melhores igrejas de Deus JÁ existiram. Elas estão tanto no passado remoto, com as igrejas primitivas espalhadas pelas regiões banhadas pelo Mediterrâneo, como nas primeiras igrejas da Reforma Protestante. Todas elas enfrentaram o poder institucionalizado para pregar, defender e preservar a pureza do evangelho. Obviamente, há inúmeras outras igrejas que - provavelmente - sequer ficamos sabendo de sua existência, mas que desempenharam um papel fundamental na consolidação e expansão do cristianismo ao longo dos milênios nas regiões em que se localizavam. Nós, cristãos do século XXI, não estamos aqui para competir com as igrejas do passado ou do presente, mas para desempenhar humildemente a parte que nos cabe nesta imensa fraternidade atemporal que prega - sem interesses próprios e mesquinhos - o evangelho da graça de Deus manifesta em Jesus Cristo. Dizer, portanto, que as melhores igrejas ainda estão por vir é passar um atestado de arrogância e completo desconhecimento da história da Igreja cristã, além de mostrar desrespeito e ingratidão a milhares de mártires que deram suas vidas para que hoje possamos pregar o santo evangelho de Jesus Cristo, ainda que alguns prefiram propagar uma versão pirata.

Isto nos remete ao segundo ponto da declaração de Warren, que é a questão que ele formula para os cristãos atuais, perguntando-lhes se estão dispostos a pagar o preço do conflito e da crítica para serem grandemente usados por Deus. Esta afirmação significa, no fundo, dizer que os cristãos atuais devem se oferecer em sacrifício propiciatório pelo evangelho, não como Jesus nos manda carregar nossa cruz diária, mas como se fôssemos nós mesmos os cordeiros imolados no altar para que Deus nos use grandemente. Parece que há uma campanha subreptícia de "vitimização" do povo evangélico, como se o sacrifício de Jesus Cristo já não mais bastasse e todos devessem se crucificar literalmente para que Deus fizesse algo por nós e por este mundo. Isto justificaria tantas campanhas de barganhas com Deus, de salvação pelas obras e pelas contribuições financeiras que vêm assolando a Igreja. Também não fica claro o que significa este outro jargão evangélico, "ser usado grandemente por Deus". Afinal, quem define o que é isso? O próprio crente, a sua igreja, o pastor? Como é que podemos mensurar e atestar que uma pessoa foi enormemente usada por Deus? Apenas pelo que os nossos olhos veem ou o nosso coração sente? Há critérios objetivos, quantificáveis, para esta contabilidade? Certamente, o Senhor tem métodos muito melhores (e infalíveis) para aferir quem é que se enquadra neste quesito. Em resumo, Rick Warren perdeu mais uma excelente oportunidade de ficar calado.

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