A eliminação precoce do Brasil na Copa do Mundo permite as mais diversas interpretações, principalmente porque brasileiro que é brasileiro sempre tem uma opinião formada sobre tudo o que se relaciona a futebol, política e religião.
Fica difícil analisar o conjunto da obra, por isso prefiro me limitar a um determinado momento do jogo Brasil x Holanda de ontem, o intervalo em que o Brasil vencia por 1 x 0 e terminou tomando a virada (2 x 1) nos 45 minutos finais.
O primeiro tempo havia sido muito bem jogado pelo Brasil, mas aos 9 minutos do segundo tempo, quando a Holanda empatou, tudo desmoronou.
Talvez houvesse desmoronado antes, pelo excesso de nervosismo demonstrado pelos jogadores brasileiros na primeira etapa.
Isto remete ao tipo de liderança místico-religiosa que Dunga exercia sobre o grupo, que sacrificava – em nome do coletivo – o talento individual, filosofia - mais de vida do que de jogo - que já começa a ser conhecida por "dunguismo".
O discurso guerreiro de Dunga, exaltado na publicidade mas inexoravelmente restrito ao microcosmo do futebol, nada devia aos líderes mais perversos e fanáticos da humanidade em seus delírios beligerantes.
Um sentimento exacerbado de união, legitimidade e sacrifício, resgatado das cinzas de uma derrota passada (no caso, 2006) que fecha o grupo contra milhões de adversários imaginários que têm outra visão de mundo, fazendo-o portador de uma fantasia messiânica que veio salvar a Pátria dos fracassos vergonhosos, conduzindo-a pelo caminho do triunfo eterno.
Não por acaso, é preciso buscar símbolos religiosos para dar ao movimento uma aura de transcendência a tudo aquilo que é meramente humano, como ganhar ou perder um jogo.
Para tanto, Dunga criou o mantra da "coerência" e se cercou de assessores e jogadores religiosos, como Jorginho, Kaká e Lúcio, e até um pastor evangélico foi convocado para guiá-los na conquista do Santo Graal.
Não há como negar que, dentro deste pequeno grupo, Dunga tinha carisma, que só funcionou, obviamente, enquanto a equipe se manteve na competição.
Como a única coerência que se exige no futebol é devida às regras do jogo, o mantra nascia datado e com prazo de validade, pois o discurso precisava se equilibrar - e constantemente se reciclar - nos tênues limites do fanatismo, e a qualquer momento a fronteira da (mínima) lucidez podia ser rasgada, levando à paralisia e ao desânimo que se constatou no segundo tempo do jogo de ontem.
Talvez nunca saibamos o que aconteceu, mas pode ter sido no intervalo que, ao invés de serenar os ânimos e recuperar o foco para as coerentes regras do jogo, o técnico (ou outra pessoa) jogou mais combustível na fervura, provocando o destempero (à la Felipe Melo) que se seguiu.
Como em toda liderança carismática que explora o fanatismo obsequioso, uma palavra ou um gesto mal colocados pode provocar o minúsculo furo que rompe o dique e colocar tudo a perder sem que ninguém perceba o desastre anunciado.
Dunga tinha tudo para sair da história do futebol brasileiro pela porta da frente, quando levantou a Copa do Mundo em 1994, depois de ter sido injustamente culpado pela chamada “era Dunga” que havia marcado a derrota na Copa anterior.
Os palavrões que proferiu assim que levantou a taça nos EUA mostraram que havia uma mágoa profunda que provavelmente nunca foi curada e superada, sobretudo quando alguém elogiava a seleção brasileira de 1982, conhecida pelo seu futebol-arte e permanentemente lembrada e lamentada por sua derrota frente a Itália, contrastando-a com o futebol de resultados de 1994.
Enquanto o time de 1982 soube perder, Dunga não soube ganhar, e nunca perdoou seus detratores de 1990, colocando-se como a antítese pragmática e vitoriosa do “derrotismo” artístico.
Foi incapaz de perceber que o futebol é só um jogo e a vida é lúdica e aleatória por natureza, e que todo mundo tem o direito de gostar do que quiser, ainda que seja uma equipe que não ganhou o título.
É a velha e saudável disputa do prazer contra a obrigação. Dunga jamais admitiu que o simples gosto pela estética de um jogo belamente jogado, ainda que perdedor, pudesse substituir a conquista mecânica de um capitão guerreiro.
No jogo de ontem, cercado de pseudomessias que entendem também a religião como uma arma a serviço de uma guerra contra inimigos imaginários de ocasião, que não veem no cristianismo também uma arte, mas principalmente uma torcida organizada que precisa brigar no estádio, Dunga terminou saindo da história do futebol brasileiro pela porta dos fundos, rejeitado não pelo povo, mas pelo jogo da vida no qual não descobriu o prazer, nem entendeu como se joga. Lamentavelmente.
Fica difícil analisar o conjunto da obra, por isso prefiro me limitar a um determinado momento do jogo Brasil x Holanda de ontem, o intervalo em que o Brasil vencia por 1 x 0 e terminou tomando a virada (2 x 1) nos 45 minutos finais.
O primeiro tempo havia sido muito bem jogado pelo Brasil, mas aos 9 minutos do segundo tempo, quando a Holanda empatou, tudo desmoronou.
Talvez houvesse desmoronado antes, pelo excesso de nervosismo demonstrado pelos jogadores brasileiros na primeira etapa.
Isto remete ao tipo de liderança místico-religiosa que Dunga exercia sobre o grupo, que sacrificava – em nome do coletivo – o talento individual, filosofia - mais de vida do que de jogo - que já começa a ser conhecida por "dunguismo".
O discurso guerreiro de Dunga, exaltado na publicidade mas inexoravelmente restrito ao microcosmo do futebol, nada devia aos líderes mais perversos e fanáticos da humanidade em seus delírios beligerantes.
Um sentimento exacerbado de união, legitimidade e sacrifício, resgatado das cinzas de uma derrota passada (no caso, 2006) que fecha o grupo contra milhões de adversários imaginários que têm outra visão de mundo, fazendo-o portador de uma fantasia messiânica que veio salvar a Pátria dos fracassos vergonhosos, conduzindo-a pelo caminho do triunfo eterno.
Não por acaso, é preciso buscar símbolos religiosos para dar ao movimento uma aura de transcendência a tudo aquilo que é meramente humano, como ganhar ou perder um jogo.
Para tanto, Dunga criou o mantra da "coerência" e se cercou de assessores e jogadores religiosos, como Jorginho, Kaká e Lúcio, e até um pastor evangélico foi convocado para guiá-los na conquista do Santo Graal.
Não há como negar que, dentro deste pequeno grupo, Dunga tinha carisma, que só funcionou, obviamente, enquanto a equipe se manteve na competição.
Como a única coerência que se exige no futebol é devida às regras do jogo, o mantra nascia datado e com prazo de validade, pois o discurso precisava se equilibrar - e constantemente se reciclar - nos tênues limites do fanatismo, e a qualquer momento a fronteira da (mínima) lucidez podia ser rasgada, levando à paralisia e ao desânimo que se constatou no segundo tempo do jogo de ontem.
Talvez nunca saibamos o que aconteceu, mas pode ter sido no intervalo que, ao invés de serenar os ânimos e recuperar o foco para as coerentes regras do jogo, o técnico (ou outra pessoa) jogou mais combustível na fervura, provocando o destempero (à la Felipe Melo) que se seguiu.
Como em toda liderança carismática que explora o fanatismo obsequioso, uma palavra ou um gesto mal colocados pode provocar o minúsculo furo que rompe o dique e colocar tudo a perder sem que ninguém perceba o desastre anunciado.
Dunga tinha tudo para sair da história do futebol brasileiro pela porta da frente, quando levantou a Copa do Mundo em 1994, depois de ter sido injustamente culpado pela chamada “era Dunga” que havia marcado a derrota na Copa anterior.
Os palavrões que proferiu assim que levantou a taça nos EUA mostraram que havia uma mágoa profunda que provavelmente nunca foi curada e superada, sobretudo quando alguém elogiava a seleção brasileira de 1982, conhecida pelo seu futebol-arte e permanentemente lembrada e lamentada por sua derrota frente a Itália, contrastando-a com o futebol de resultados de 1994.
Enquanto o time de 1982 soube perder, Dunga não soube ganhar, e nunca perdoou seus detratores de 1990, colocando-se como a antítese pragmática e vitoriosa do “derrotismo” artístico.
Foi incapaz de perceber que o futebol é só um jogo e a vida é lúdica e aleatória por natureza, e que todo mundo tem o direito de gostar do que quiser, ainda que seja uma equipe que não ganhou o título.
É a velha e saudável disputa do prazer contra a obrigação. Dunga jamais admitiu que o simples gosto pela estética de um jogo belamente jogado, ainda que perdedor, pudesse substituir a conquista mecânica de um capitão guerreiro.
No jogo de ontem, cercado de pseudomessias que entendem também a religião como uma arma a serviço de uma guerra contra inimigos imaginários de ocasião, que não veem no cristianismo também uma arte, mas principalmente uma torcida organizada que precisa brigar no estádio, Dunga terminou saindo da história do futebol brasileiro pela porta dos fundos, rejeitado não pelo povo, mas pelo jogo da vida no qual não descobriu o prazer, nem entendeu como se joga. Lamentavelmente.