Exatos 70 anos atrás, no dia 20 de dezembro de 1943, dois pilotos - um americano e outro alemão - protagonizaram nos céus conflagrados da Alemanha nazista uma história de dignidade, amizade e cavalheirismo diga de ser lembrada no Natal.
O local é deveras insólito para um gesto humanitário que não pode ser esquecido, razão pela qual o piloto americano Charles "Charlie" Brown e o alemão Franz Stigler merecem ser sempre lembrados como prova viva de que, mesmo nos piores momentos, é possível extrair algo bom, por mínimo que seja, de uma tragédia de proporções monumentais.
Naquele dia 20 de dezembro de 1943, quando a Segunda Guerra Mundial ainda estava indefinida, apontando levemente para a derrota nazista num futuro que ainda não se podia visualizar, Charlie Brown (então com 21 anos de idade) participou, com sua fortaleza voadora B-17 (batizada de "Ye Olde Pub"), do bombardeio da cidade alemã de Bremen.
Entretanto, seu bombardeiro ficou severamente avariado e, mesmo assim, ele tentava retornar com a sua tripulação ferida para a segurança da Grã-Bretanha.
Foi aí que apareceu na sua frente o seu pior temor: um caça alemão Messerschmitt Bf-109 pilotado por Franz Stigler, consagrado ás da Luftwaffe, então com 28 anos de idade.
O bombardeio já tinha sido uma experiência dramática até avistar o inimigo pronto para abatê-lo.
Atingido pela bateria antiaérea, a despressurização do F-17 já fizera Brown ficar inconsciente por alguns minutos, mas teve tempo de recobrar a consciência para ver que - surpreendentemente - o avião continuava voando devidamente nivelado.
Agora, tudo indicava que que não havia mais salvação para Brown e sua equipe. O Bf-109 de Franz Stigler estava ali ao lado, e a morte de todos era apenas questão de segundos.
Stigler, entretanto, não derrubou o F-17 e, mediante gestos, tentou fazê-lo descer num campo alemão, mas Brown se recusou a seguir este caminho.
Mesmo assim, Stigler escoltou o F-17 de Brown até o Mar do Norte, evitando, assim, que o bombardeiro americano escoltado por um caça da Luftwaffe fosse abatido também pelas baterias antiaéreas do solo alemão.
Brown alcançou a base aérea de Seething, da RAF (Royal Air Force), onde relatou sua inusitada fuga, tendo recebido ordens superiores para que não contasse o episódio para mais ninguém, a fim de não gerar sentimentos positivos em relação a seus pares alemães.
Stigler, por seu lado, havia seguido o conselho de seu antigo comandante Gustav Rödel, que - durante a campanha do Norte da África - lhe havia ordenado que jamais atirasse em um piloto inimigo que tentava escapar de paraquedas, e não contou a ninguém o que havia ocorrido naquele dia tão especial.
Felizmente, ambos sobreviveram aos horrores da guerra, e, depois de décadas superando os traumas do conflito, somente em 1986 é que vieram a se conhecer.
A partir de então, já em tempos de paz, Brown e Stigler desenvolveram uma amizade muito próxima e se viram constantemente até o final de suas vidas, que - curiosamente - se deu no mesmo ano: 2008.
Stigler faleceu aos 92 anos de idade, em 22 de março de 2008, e aquele rapaz que ele permitiu viver tanto tempo mais, Charlie Brown, morreu 8 meses depois, em 25 de novembro de 2008, aos 86 anos de idade.
Viveram bastante e nos deixaram o exemplo de como pequenos gestos de gentileza e respeito à vida humana podem ser tão extraordinariamente belos e significativos.
No vídeo abaixo, você pode ver um resumo dessa história, em inglês, com imagens recuperadas do encontro entre esses dois seres humanos especiais.