sábado, 15 de fevereiro de 2014

Como viver sem dinheiro por 30 dias


Matéria interessante publicada na revista Sorria:

Minha vida sem grana

E se a gente vivesse sem dinheiro? Por um mês, a Bia tentou não pôr a mão no bolso. E, assim, vivendo na pindaíba, ela descobriu o real valor do que consome

Sou a Bia, tenho 27 anos e trabalho com os novos projetos da Editora MOL, onde a Sorria é feita. Gosto de pensar sobre como consumimos e gastamos nosso dinheiro, e, por isso, no início do ano, topei o desafio de passar um mês com apenas 100 objetos (e contei o que aconteceu na edição 18). Então, quando apareceu a oportunidade de viver com pouca ou nenhuma grana, logo me candidatei. E a experiência que vivi acabou me ensinando sobre muito mais do que o preço das coisas.

Para começo de conversa, viver sem dinheiro exige que a gente use outra medida de valor – como o escambo, a troca de serviços e objetos que é a forma básica de economia da humanidade. Então, saí me oferecendo para trocar favores. Logo descobri que a coisa mais cara que temos é o tempo. Sugeri ao meu pai que ele colocasse gasolina no nosso carro e eu, em troca, o lavaria. Ele não topou. Disse que preferia que eu levasse o carro ao mecânico, porque isso economizaria suas horas. Uma colega de trabalho também achou melhor fazer isso. Por um almoço, fiquei vários minutos resolvendo um problema na conta de celular dela no SAC da operadora. Terminei com um carro abastecido e comida fresquinha sem pôr a mão no bolso – mas consumi algumas horas do meu dia.

Fui também a uma feira de trocas, em São Paulo, levando coisas que não me interessavam mais: um porta-papel, um bauzinho, canecas e um vaso. Na base da negociação, dava para trocar roupas, objetos, móveis e até alimentos. Voltei para casa com um cd e um equipamento para fazer exercícios que estava a fim de comprar há um tempão.

Foi aí que comecei a pensar sobre o valor que atribuo ao dinheiro: como algo que não vale nada para alguém pode valer tanto para outra pessoa? Procurei Waldir José de Quadros, professor de economia da Universidade de Campinas (Unicamp), e foi ele quem me disse que, desde que surgiu, o dinheiro é uma forma de vaidade e diferenciação entre as pessoas. Na Antiguidade, os imperadores romanos cunhavam seu rosto em moedas e pagavam com elas o trabalho que consideravam nobre, como o de soldados ou artistas. O escambo parou de ser a forma de comércio só na Idade Moderna, quando as moedas chegaram para facilitar as compras. Ou seja, o dinheiro como conhecemos hoje é usado há menos de 500 anos. E, mesmo assim, damos um valor imenso a ele.

Sem um tostão furado

Com isso em mente, parti para os próximos desafios – que foram os mais difíceis. Para não usar dinheiro, vi que teria que fazer as coisas por conta própria. Só que nunca tive o costume do “faça você mesmo”. Em casa, se o encanamento entupia, chamava o encanador; se a roupa rasgava, ia à costureira. Talvez por isso meu único pensamento ao querer fazer essas coisas foi: vou estragar tudo!

Apesar do medo de destruir o quarto, comecei por pendurar quadros na parede. Para me revelar os segredos dos pregos e parafusos, convoquei meu namorado, que é artista plástico e entende disso. Aprendi o básico: medi as paredes, usei um nivelador, martelei alguns pregos e fui apresentada à furadeira. Em menos de uma hora, tudo pronto. Animada com minha nova habilidade, resolvi passar para os serviços de beleza. Soube que há top models que cortam as próprias madeixas e achei que também seria capaz. Peguei a tesoura, aparei a franja e... ficou ótimo! Duro foi cortar a parte de trás do cabelo. As mechas se confundiram, e resolvi parar antes de acontecer o pior. Mas deixei a tesoura no banheiro e, todos os dias, acerto uma mechinha. Estou ficando craque.

Minha maior dificuldade foi presentear meu namorado sem gastar dinheiro. Queria fazer algum artesanato, algo de que gosto muito – mas quando é feito pelas mãos dos outros. Depois de muito pensar, resolvi reaproveitar uma galocha velha para transformá-la num vaso com um cacto. Plantar era algo que eu sabia fazer. Já o acabamento... Acabei apelando para meu namorado – pedi a ele que fizesse os detalhes finais. De qualquer forma, foi divertido, e ele ganhou um bom vaso que não custou um centavo.

Estou lisa!

O próximo passo foi me divertir de graça. E os museus da cidade de São Paulo foram uma revelação. Por puro preconceito, não acreditava que existissem bons espaços culturais no meu país. Encantei-me com a Pinacoteca e adorei o acervo e a exposição em cartaz. Vi tudo sem filas nem muita gente ao meu redor. Entusiasmada, quis conhecer um Centro Cultural da Juventude, em um bairro da periferia. Vi um filme ótimo, mas a projeção foi feita só para mim e para mais uma pessoa que apareceu por lá.

Aí fiquei intrigada: por que espaços tão bons e gratuitos estão quase sempre vazios? Em uma conversa com Cláudio Salvadori, professor de economia da Unicamp, entendi que a falta de público nesses locais é por causa da baixa valorização da cultura por aqui. É como se, mesmo de graça, a entrada fosse cara, já que a arte é considerada supérflua.

Outro lugar que descobri foram os Clubes da Cidade. São 41 unidades, com piscinas, quadras, ginásios, campos e pistas de corrida. E uma delas é ao lado da minha casa. O problema foi que perdi dias tentando fazer a carteirinha do clube. Cada pessoa me dava uma informação, e, quando finalmente consegui levar os documentos necessários, a máquina de impressão estava quebrada. Algo parecido aconteceu quando fui procurar médicos no serviço público de saúde. Queria marcar uma consulta, e a atendente de um hospital público me disse que era só ir até lá. Fui, mas depois de andar por vários guichês, um senhor me indicou um posto de saúde – no hospital só atendem emergências. Perdi uma tarde com isso. Na manhã seguinte, enfrentei a fila de pacientes no posto, que se estendia pela calçada. Quando fui atendida, soube que só havia horário livre para dali a dois meses.

Nesses dois lugares, a grande questão para mim, além da perda de tempo, foi a sensação de que eu estava roubando o lugar de alguém que precisa do serviço e não pode pagar. Gasto todo mês com um convênio médico e tenho quadra de esportes no prédio. Foi aí que lembrei que, como os museus tinham me ensinado, os serviços públicos podem ser muito bons. Mas tem de ultrapassar a burocracia. E, talvez, essa dificuldade exista para tornar difícil o acesso. Por isso, só quem não tem alternativa recorre a eles. E quem pode prefere pagar.


A preço de banana

Então, chegou a hora de comer sem gastar. Resolvi ir atrás dos ingredientes na feira para fazer, pela primeira vez na vida, um jantar. Cheguei na hora da xepa, quando os preços são menores e dá para pechinchar. Vai que tem algo de graça? E foi por pouco. Adoro negociar e ganhei descontos de mais de 50%. Com 7 reais comprei tomate, manjericão, cebola, rúcula, limão e maçã. Fiz comida para duas pessoas durante dois dias e descobri que sou capaz de cozinhar.

Mas ainda quis insistir na ideia de comer sem pagar. Fiquei sabendo da inauguração de uma loja e fui lá para almoçar o que eles oferecessem. Só que o cardápio era amendoim e balas. No fim, a comida baratinha da feira valeu mais a pena. Mesmo assim, achei boa essa ideia de aproveitar o que nos dão de graça e resolvi passar em uma loja de cosméticos, para me maquiar com os produtos do mostruário. A vendedora não ficou muito satisfeita quando eu disse que não ia levar nada, depois de já ter passado sombras, lápis de olho, rímel, blush e batom. Mas gostei muito dos produtos, e o make ficou lindo!

Enquanto tentava não usar a minha carteira, pensei muito sobre o que me leva a gastar em coisas desnecessárias. Nos últimos dias, uma colega anunciou que estava vendendo um celular, e eu, na hora, senti que precisava dele. Levei-o para casa, toda contente. Só que, no dia seguinte, percebi que o aparelho era metade do preço da bicicleta que eu quero comprar. Foi aí que caiu a ficha e vi que costumo pôr a minha felicidade em produtos. E o que realmente importa e tem valor não é isso. Entendi que preciso pensar melhor na utilidade das coisas, para ver se preciso mesmo delas – e esperar antes de sair gastando. Que o dinheiro é indispensável, não tinha dúvidas. Mas descobri que minhas moedinhas podem ser mais bem aproveitadas se eu usá-las conscientemente.

Texto: Karina Sérgio Gomes // Ilustração: Davi Augusto // Foto: Daniela Toviansky // Assistente de fotografia: Raphael Jacomini // Beleza: Élcio "Maizena" Aragão/Agência First // Produção de moda: Ana Gabriela Nascimento // Fotodesign: Felipe Gressler



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