Se há alguma coisa a ser comemorada na prisão de Roger Abdelmassih, além da sua prisão em si, é a maneira como dezenas (talvez centenas) de mulheres estão tendo a oportunidade de lidar com a situação e superar os traumas que lhes foram causados pelo ex-médico.
Abdelmassih, hoje com 70 anos de idade, foi condenado a 270 anos de reclusão, por crimes de estupro e atentado violento ao pudor que - desavergonhada e canalhamente - cometia contra dezenas de mulheres que o procuravam, na sua luxuosa clínica de inseminação artificial da exclusiva Avenida Brasil de São Paulo, para engravidar.
Os crimes invariavelmente ocorriam enquanto as vítimas estavam um tanto quanto grogues pelo efeito da anestesia, o que lhes dava pouco ou nenhum poder de defesa contra as investidas do maníaco.
Animadas - talvez - pela superexposição do ex-médico nos programas de celebridades, em que arrotava seus "casos de sucesso", mulheres que tinham dificuldade em ter filhos o procuravam sem saber que a partir do momento em que entrassem na clínica de horrores estariam sujeitas a uma espiral crescente de dramas: o gasto e a esperança que se despendia ali, o abuso sexual, a vergonha, a frustração, o nojo, além da perda da autoestima e do próprio casamento (em muitos casos).
Isso sem contar com uma suposta manipulação genética, ou com a suspeita de que o ex-médico teria utilizado o próprio sêmen em algumas "fertilizações".
Se tal não bastasse, essas sobreviventes tiveram que aguentar os sempre férteis meandros do aparato judiciário brasileiro, com seu prende-e-solta e sua lasciva indiferença para com a dor das vítimas, resultando num habeas corpus concedido a Abdelmassih pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, na véspera do Natal de 2009, para horror não só das 56 vítimas listadas no processo penal que o condenou, como de toda a sociedade brasileira.
A fuga, a seguir, foi só mais um capítulo na vida do ex-médico, ainda que ele pensasse que o manto da impunidade o cobriria eternamente.
Sua prisão em Assunção, capital do Paraguai, na última terça-feira, dia 19 de agosto de 2014, reacendeu a esperança e o desejo de viver de dezenas de vítimas do estuprador da Avenida Brasil. Uma delas expressou a O Globo que se tratava do "início de uma cura".
Cura esta que, cá entre nós, já havia começado muitos anos atrás, quando elas tiveram a coragem de enfrentar a vergonha e o preconceito que a sociedade lhes impunha, e a ousadia de denunciar abertamente um (então) médico rico e poderoso.
Nos últimos dias, a imprensa tem repercutido as declarações dolorosas, mas vitoriosas, de muitas dessas guerreiras, a quem devemos nosso respeito e nossa homenagem.
Seus rostos trazem as marcas das feridas causadas por pessoas e instituições em quem elas acreditavam, mas hoje expressam a beleza de quem não teve medo de se expor e lutar pelos seus direitos e - no fundo - pelas suas próprias vidas.
Elas - sim! - nos fazem ter orgulho de sermos brasileiros.
A essas heroínas brasileiras enviamos o nosso reconhecimento e os melhores votos de que sigam adiante de cabeça erguida, honradas, respeitadas e com o sentimento do dever cumprido. Vocês são um grande exemplo para todos nós!