sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Justiça gaúcha incentiva famílias transitórias para menores em situação de risco

Uma boa iniciativa que precisa ser mais divulgada e adotada Brasil afora, conforme noticia o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

Famílias acolhedoras:
De portas e coração abertos
para crianças que aguardam um lar

Acolher uma criança ou um adolescente que sofreu maus tratos, abuso sexual ou que foi abandonada pode não ser tarefa fácil. A carga emocional que envolve cada caso é pesada. Num abrigo, por mais que os esforços sejam no sentido de receber bem esses jovens, as dificuldades são muitas: desde falta de estrutura física, financeira até a atenção limitada para cada uma daquelas vidas que ali estão temporariamente. A ideia de utilizar as famílias transitórias vem ganhando força. A medida representa a possibilidade da convivência familiar, pode minimizar sofrimentos e ser uma experiência enriquecedora para quem empresta um pouco da sua vida a esses jovens.

Na Comarca de Santo Ângelo, atualmente há 14 jovens (cinco adolescentes e nove crianças) em acolhimento familiar. O acompanhamento diário é feito pela equipe técnica do programa, coordenado pelo Município, e pelo Juizado da Infância e Juventude (JIJ). O acolhimento familiar está previsto como medida protetiva no art. 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente - juntamente com o acolhimento institucional - nas hipóteses em que as crianças ou adolescentes estejam em situação de vulnerabilidade, sem condições de permanecer com a família de origem.

Mesmo que o acolhimento familiar tenha preferência sobre o institucional, como determina o ECA, essa medida só ganhou força em 2009, com a vigência da Lei Nacional de Adoção. "Diferentemente do acolhimento institucional - antigo abrigo - com seu atendimento massificado, com todos os problemas que são amplamente conhecidos por quem milita na área da Infância e Juventude, o acolhimento familiar propicia um atendimento individualizado, solidário, humanizado para crianças e adolescentes que temporariamente estão afastados do convívio com a família de origem, ou mesmo na pendência de um processo de destituição do poder familiar", afirma o Juiz de Direito Luís Carlos Rosa.

Os benefícios de estar numa casa, cita o Juiz, são muitos. "Não tenho a menor dúvida de que o acolhimento institucional precisa, urgentemente, passar por uma reformulação, existem dificuldades de toda ordem - financeira, estrutural, técnica - sem contar o sentimento de institucionalização dos acolhidos, que não veem a hora de ser desacolhidos, havendo uma nítida falta de sintonia entre a burocracia do processo e o tempo dessas crianças e adolescentes, que acabam vendo os dias, meses e por vezes anos passarem sem que seja dada uma solução".

Longo caminho

O desafio é conseguir mais famílias que se disponham a receber esses jovens. Hoje, na Comarca, são 12 famílias cadastradas, sendo que nove estão acolhendo. "Boa parte das pessoas sequer se cadastram, sequer passam pela seleção, quando são esclarecidas dos objetivos do acolhimento, quando tomam conhecimento que o acolhimento é temporário, o que é perfeitamente compreensível, na medida em que não há como imaginar que quem acolha uma criança ou adolescente, não venha a se apegar, a criar laços a amá-la. O desafio está em encontrar pessoas que, mesmo sabendo disso, exerçam a solidariedade e o amor de forma incondicional, sabendo que serão extremamente importantes na vida daquela criança, ou adolescente, auxiliando na formação da personalidade, mesmo que de forma transitória", considera o Juiz.

De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o número de crianças e adolescentes acolhidos por famílias ainda é baixo se comparado ao universo de acolhidos no Brasil. São cerca de 730 crianças e adolescentes para 45,7 mil meninas e meninos abrigados, de acordo com dados do Cadastro Nacional de Crianças e Adolescentes Acolhidos (CNCA), em maio deste ano. Ainda conforme o CNJ, são 381 famílias acolhedoras no país.

Decisão em família

"Muitas vezes me perguntei: Se eu fosse uma dessas crianças, onde eu preferiria estar? No abrigo ou acolhido em uma família?". Foi buscando essa resposta que a Pediatra Adriana Pizzutti dos Santos, de 48 anos, resolveu que iria participar do programa de famílias acolhedoras de Santo Ângelo. Ela soube da iniciativa através de uma amiga advogada e, após conversar com os dois filhos - Lucas, de 19 anos, e Natália, 16 - resolveu fazer parte da iniciativa. "Meses antes eu havia visitado, juntamente com um grupo de jovens, um abrigo para crianças, que estavam afastadas de suas famílias, por situações várias que colocavam em risco a sua segurança, e senti grande compaixão pela situação de todas elas. A partir daí comecei a pensar na possibilidade do acolhimento", conta a médica.

Tomada a decisão, ela procurou o programa, encaminhou a documentação e deu início ao processo de habilitação. A equipe - formada por pedagoga, assistente social e psicóloga - esteve várias vezes na casa dela para analisar a possibilidade de acolhimento. "Recebi informações valiosas e pude tirar dúvidas, em conversas agradáveis e muito produtivas", ressalta.

Adriana ficou quase sete meses com um menino de 8 meses, até que ele foi adotado por uma família que estava há sete anos na fila. A experiência, ela garante, foi transformadora (leia abaixo o depoimento da médica). Tanto que ela e a família estão de portas e corações abertos para um novo acolhimento.

"Aprendi e ensinei" - Depoimento de Adriana Pizzutti dos Santos, Pediatra

Em outubro de 2012 eu conheci o Mateus (nome fictício) quando uma amiga pediu orientações acerca do leite que deveria ser oferecido a um bebê que havia chegado ao Lar do menino. Ele tinha apenas oito dias de vida, era o primeiro bebê a ser recebido no Lar. Como moro perto de lá, resolvi ir pessoalmente ver como ele estava. Um bebezinho em meio a tantas crianças grandes. Frágil, desprotegido... Passei a acompanhá-lo profissionalmente e, quando conheci melhor o programa, comecei a dizer prá ele: 'Vou te levar pra minha casa!'

Foram muitos preparativos, adaptações na casa, seleção e contratação de babá. Lembrava o tempo todo como seria divertido chegar em casa e encontrar ele, poder brincar, dar comidinha, abraçar, fazer dormir. É claro que teríamos doencinhas, chorinhos, manhas, noites mal dormidas, mas com isso eu não me preocupava!

No dia 10 de junho de 2013 quando ele completou oito meses, depois da audiência, que definiu o acolhimento, eu passei no Lar, peguei ele e disse: 'Chegou o dia! Vou te levar pra casa'. Começava aí minha experiência de acolhimento. Foram quase sete meses de indefinível alegria por poder fazer parte da história do Mateus. Acompanhando, protegendo, cuidando. Aprendi e ensinei.

Os pais esperavam há mais de sete anos na fila de adoção. Imaginem! Eles ficaram encantados com o Mateus, que logo foi brincar no tapete com o pai. Foi muito comovente. Durante todo o período de adaptação à família, pude observar a grande ternura, carinho pelo filho que respondia com abraços e beijos estalados. Até a definitiva partida para a nova casa. Nós continuamos nos visitando e trocando ideias, sempre que possível.

Tenho absoluta convicção que o melhor, para qualquer criança, é estar inserida em uma família, com condições adequadas de cuidados, alimentação, segurança. Se a família original não possui essas características, nada melhor do que outra família fazê-lo em ambiente que proporcione à criança um bom desenvolvimento físico e emocional, bem como o desabrochar das suas habilidades e capacidades em todos os setores.



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