A matéria é do IHU:
A ligação entre o Vaticano e o Irã é uma parceria concebida para durar
Embora seja sempre surpreendente para os americanos ouvirem isto, quando o presidente iraniano, Hassan Rohani, chamou o Papa Francisco na terça-feira, ele fez isso como chefe de um estado que tem desfrutado de relações diplomáticas com o Vaticano por muito mais tempo do que os Estados Unidos, e sem dúvida representa uma estratégica parceria que é quase tão importante quanto Washington.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 26-01-2016. A tradução é de Evlyn Louise Zilch.
O Irã e a Santa Sé estabeleceram relações diplomáticas completas em 1954, 30 anos antes dos Estados Unidos o terem fieito em 1984 sob Ronald Reagan, e o vínculo manteve-se ininterrupto desde então, mesmo durante a revolução iraniana e a crise dos reféns norte-americana.
Rouhani foi o primeiro presidente iraniano desde 1999 a encontrar o papa no Vaticano, um intervalo de tempo em grande parte explicado pelo fato de que coincide com o reinado do insurgente populista Mahmoud Ahmadinejad, em Teerã. (Rouhani e Francisco deveriam se encontrar em novembro, mas a viagem do líder iraniano foi cancelada após os ataques terroristas em Paris).
Segundo a imprensa italiana, Rouhani pode ter brindado Francisco com um convite formal para fazer uma visita histórica ao Irã, talvez já em maio, quando o pontífice também está considerando uma viagem à Armênia.
Não muito tempo atrás, quando as ambições do Irã em se tornarem uma potência nuclear ainda representavam preocupações reais sobre a segurança global, apenas um passeio já poderia ser problemático, especialmente para uma “Papa da paz”. O acordo do ano passado com os poderes P5+1, no entanto, tornou a situação mais pensável.
Em um nível, os laços estreitos entre Roma e Teerã refletem o muitas vezes subestimado fato de que tanto o Vaticano quanto o Irã pós-revolucionário são, basicamente, teocracias, representando tradições espirituais – o catolicismo e islamismo xiita – que têm uma quantidade surpreendente de pontos em comum.
O escritor iraniano Vali Nasr, autor do livro de 2006 “The Shia Revival”, argumenta que a divisão entre sunitas e xiitas é comparável à que existe entre protestantes e católicos, com Shia sendo o ramo mais próximo ao catolicismo.
Entre os pontos de contato estão:
- Uma forte ênfase na autoridade clerical; Uma abordagem ao Alcorão acentuando tanto escritura quanto tradição;
- Uma raia misticamente profunda;
- Devoção a um santo da família (no caso dos xiitas, os parentes de sangue de Maomé) e aos santos (os Doze Imãs);
- Uma teologia de sacrifício e expiação através da morte de Hussain, neto de Maomé e o primeiro imã xiita do Islã Shia;
- A crença no livre-arbítrio (em oposição à doutrina sunita da predestinação);
- Dias santos, peregrinações e santuários de cura;
- A oração de intercessão; Formas fortemente emocionais de devoção popular, especialmente o festival de comemoração de Ashura da morte de Hussain;
Um sinal recente de vizinhança espiritual é que os estudiosos iranianos traduziram recentemente as Confissões de Agostinho e o Catecismo da Igreja Católica em Farsi, o resultado de um esforço de 12 anos.
Em termos de pura Realpolitik, ambas as partes também têm fortes motivos para manter seu relacionamento verde.
Do ponto de vista do Irã, ele aspira ser não apenas um jogador regional, mas global, e para isso ele requer não apenas o poder “hard”, para invocar a famosa distinção do cientista político de Harvard Joseph Nye, mas também a “soft”, significando legitimidade moral. A percepção de estar em diálogo com o Vaticano é crucialmente importante, contrariando a retórica administrativa de Bush sobre o Irã ser parte de um “eixo do mal”.
Teerã também vê o Vaticano como um corta-fogo com nações ocidentais às vezes hostis. Em 2007, quando parecia que as preocupações sobre o programa nuclear do Irã poderiam levar a um conflito armado com os Estados Unidos, diplomatas iranianos calmamente procuraram o Vaticano como um mediador potencial.
Enquanto o Vaticano estever em causa, alguns desafios geopolíticos estes dias parecem maiores do que a direção futura das sociedades islâmicas, incluindo o destino das minorias cristãs no interior dessas nações. Dado o papel decisivo que o Irã desempenha em países vizinhos como a Síria e o Iraque, o Vaticano acredita que o engajamento é criticamente importante.
Ironicamente, alguns diplomatas do Vaticano realmente têm uma maior confiança na proteção dos cristãos no Oriente Médio pelo Irã e Rússia do que pelas potências ocidentais, que, em seu julgamento, simplesmente não levam a sério a religião como fonte de identidade.
Francisco já fez viagens para a Turquia, Israel, Palestina e Jordânia, e também expressou repetidamente frustração pelas questões de segurança que até agora tornaram impossível para ele ir para o Iraque e a Síria. Nesse contexto, uma excursão para o Irã se encaixaria naturalmente tanto com as prioridades políticas do papa quanto também com a seu evangelismo para o mundo islâmico, que recentemente encontrou confirmação dos indícios de que ele também está planejando fazer uma parada papal pela primeira vez na história na Grande Mesquita de Roma.
Isso não quer dizer que tudo está ótimo entre o Vaticano e o Irã.
Além de pressionar Rouhani sobre a implementação do acordo nuclear, Francisco provavelmente usou a reunião de terça-feira para encorajar o Irã a parar de fomentar o conflito na Síria.
Não é que o pontífice percebe um interesse em derrubar Assad – afinal, ele ajudou a evitar um assalto ocidental para fazer exatamente isso, em setembro de 2013, com a realização de uma vigília de oração dramática pela paz na Praça de São Pedro, e a maioria de seus bispos na Síria acredita que se Assad cair, um governo liderado por ISIS seria a consequência inevitável.
Por seu papel em dirigir uma ofensiva anti-Assad, a revista Foreign Policy chamou Francisco de um “leão-assassino”.
No entanto, Francisco repetidamente pediu paz e condenou a disseminação de armas na Síria e no Iraque, e sem dúvida queria ter essa conversa com um dos fornecedores militares mais importantes de Assad.
No lado iraniano, Teerã se vê como um rival para Ankara sob Recep Erdogan como o líder do mundo muçulmano. Quando Francisco visitou a Turquia em novembro de 2014, Erdogan pressionou-o para ser mais franco na condenação da islamofobia, e é perfeitamente possível que Rouhani entregue uma mensagem semelhante, a fim de manter o ritmo.
No entanto, quando Francisco e Rouhani despediram-se na terça-feira, o fizeram como amigos e, possivelmente, com uma viagem papal na prancheta.
Em outras palavras, esta é uma parceria concebida para durar.