quinta-feira, 3 de março de 2016

Papa não quer "dinheiro sujo"


Com o perdão do péssimo trocadilho, parece que o papa não tem papas na língua. Fala sobre assuntos os mais variados sem medo de meter a mão num vespeiro. Deve ter suas razões para isso... 

Na audiência que concedeu esta semana aos peregrinos que visitam o Vaticano, e têm convite especial para ouvi-lo mais de perto, o papa Francisco disse que a igreja não quer que alguns fiéis lhe doem o "dinheiro sujo" advindo da exploração do capitalismo.

Nas suas palavras textuais: "alguns doadores vêm à igreja oferecendo lucros obtidos com o sangue de pessoas que eles exploraram, maltrataram e escravizaram com sub-emprego muito mal remunerado. Eu lhes digo: por favor levem o seu dinheiro para bem longe e o queimem".

Continuou o papa: "o povo de Deus não precisa de dinheiro sujo, eles precisam de corações que estão abertos à misericórdia de Deus".

Francisco fez a declaração num momento em que, ao que parece, consolidou as reformas econômicas feitas na igreja, reforçando as atividades de inteligência das autoridades financeiras do Vaticano a fim de evitar a roubalheira e a lavagem de dinheiro, processo longo que vimos acompanhando aqui no blog nos últimos anos, especialmente nos seguintes artigos:


As palavras de Francisco, visto como um "papa vermelho" (de esquerda, no sentido ideológico da palavra), não deixam de ser - também - um ataque frontal aos aspectos mais abjetos do capitalismo nesta fase de globalização da economia.

Permitimo-nos acreditar, entretanto, que se trata apenas da ponta do iceberg e que o papa Francisco, se é que quer fazer isso, não terá vontade política nem tempo (pelo avançar de sua idade) para enfrentar o maciço gelado que se encontra abaixo da superfície.

Afinal, nenhuma pessoa em sã consciência acredita que - no quesito "dinheiro sujo" - os recursos são só aqueles advindos da exploração dos trabalhadores mundo afora que abastecem os cofres de Sua Santidade.

E o dinheiro vindo da corrupção? Das falcatruas? Dos golpes, furtos e roubos? Não seria o caso de rejeitá-los, dentro do que for - obviamente - possível identificá-los e mandar queimá-los também?

Não é necessário ir muito longe. Você aí mesmo, no local onde está, pode fazer a sua reflexão: conhece algum político católico que faz expressivas doações (não só em espécie) à igreja? Você o tem por uma pessoa honesta?

Quanto à questão da identificação desse "dinheiro sujo", convenhamos: para que serve o sacramento da confissão? Eticamente falando, como se analisa a atitude do sacerdote que ouve a confissão de um crime financeiro, aplica a penitência ao "pecador", mas aceita a doação que ele faz à igreja?

Sim, temos consciência de a questão é muito mais intricada do que a nossa vã filosofia possa alcançar nessas mal traçadas linhas, mas fica a proposta para o debate.

Já quanto aos evangélicos, como mostra o estranho relacionamento entre traficantes e "pastores" em certas comunidades, tememos que certas atitudes antiéticas, corruptas e criminosas seriam aceitas como "normais" por alguns grupos, como já comentamos en passant no artigo "Os ais de Habacuque e o triunfalismo evangélico".



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