sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Natal: a identidade perdida

Crônica de Claudio Lembo, ex-governador de São Paulo, no Terra:

Identidade perdida

Mudou o Natal. Já não é esperada com ansiedade a Missa do Galo, aquela realizada na noite de vinte e cinco de dezembro.

As famílias dirigiam-se piedosamente aos templos para assistir a cerimônia religiosa. Caminhavam com fé e ansiosas pela mesa farta que iriam encontrar no retorno aos lares.

Poucos, hoje, têm coragem de se apresentar nas ruas das grandes cidades brasileiras à meia noite. É tentativa de suicídio. No mínimo se sujeitará a um furto, quando não a um latrocínio.

As crianças – ponto essencial do Natal – já não se debruçam encantadas perante os presépios. A singeleza das pequenas figuras de terracota já não sensibilizam. Optam por um bom “game”.

É melancólico. Na internacionalização dos costumes, os valores autênticos de nosso passado foram superados. Venceram figuras estranhas. Alheias aos nossos antepassados.

Os meios de comunicação de massa produziram uma grande erosão nas tradições pátrias. As festas religiosas, na sua espontaneidade, foram substituídas por espetáculos de duvidosa qualidade.

Em resumo, “avacalharam” os bons e antigos hábitos do Natal brasileiro. Pode ser saudosismo. Talvez, seja. É preciso, contudo, apontar para a degradação do tempo presente.

Dirão ser as mudanças de costumes próprios das sociedades. Estas estão sempre em evolução. Esta, porém, deve ser para melhor. Não é certamente o que acontece com o Natal.

Tornou-se apenas um acontecimento comercial. A obrigação de presentear. A essência da comemoração foi inteiramente esquecida. Poucos se refugiam nos valores intrínsecos desta festa religiosa.

Retornou-se a velha Roma, nos tempos de Constantino, quando a Festa do Sol, comemorada pelo paganismo, por simbiose, converteu-se na Festa do Sol da Justiça, como se referia o profeta Malaquías ao nascimento do futuro Messias.

A vida contemporânea perdeu seus aspectos espirituais. Uns poucos conservam as práticas de seus ancestrais. A maioria – imensa maioria – encontra-se vocacionada para um materialismo sem causa.

É um materialismo sem qualquer especulação filosófica. É a mera transformação da pessoa em agente de consumo e da utilização do corpo para alcançar todas as formas de prazer.

Avança-se assim para o desenfreado consumo de drogas e bebidas alcoólicas. O corpo humano torna-se mero objeto de consumo. O bom é infringir todas as regras de comportamento.

Neste cenário, tudo se transforma em uma arena sem normas. Perderam-se os valores históricos. Foram transformados em simples hábitos de consumo.

É claro que os reflexos desta situação, na vida política do País, são inevitáveis. Os agentes públicos – com honrosas exceções – avançam sobre o erário sem qualquer escrúpulo.

Querem se locupletar. Ninguém mais pretende servir à comunidade. Os cargos públicos, antes lugar ocupado pelos homens de bem, agora, por vezes, neles se instalam malfeitores.

A situação preocupa. Não é só brasileira. Esta presente, em graus variados, em muitas sociedades. Aqui, pela perda da identidade comum, as coisas se agravam.

O Natal já não é mais o mesmo. Transformou-se em mero “shopping center” de consumidores paganizados.



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