Nelson Bomílcar escreveu um belo artigo sobre arte e religião no site Cristianismo Criativo. Sem grandes pretensões, é verdade, pois poderia se aprofundar bastante no tema, já que o Bomílcar tem autoridade e capacidade reconhecidas para tanto.
Creio que ele quis apenas apresentar o tema, como uma introdução mesmo, e provocar o debate, no que, a meu ver, teve êxito.
Arte, por si só, já é um assunto vastíssimo, para não dizer infinito.
Que o homem sempre quis encontrar uma válvula pictórica de escape para se expressar, as cavernas pré-históricas estão aí para comprovar.
Chamar isso de "veia artística" é que varia de cultura para cultura, de pessoa para pessoa, de geração para geração.
Afinal, os movimentos artísticos se sucedem e, muitas vezes, se negam e se contradizem conforme cada era da humanidade, num ir-e-vir sem fim.
Na Bíblia, as expressões artísticas sempre tiveram o seu lugar.
Primeiro, se trata de literatura, de crônicas e romances que foram passados de geração a geração, além dos livros poéticos, como Salmos e Cantares.
O canto e a música parecem configurar a arte por excelência, biblicamente falando.
Não por acaso há um livro com 150 salmos que originalmente eram cantados, e alguns deles fazem alusão a instrumentos, cânticos e danças.
O Salmo 150 parece ser o mais representativo quanto a este aspecto.
Paulo também enfatiza a importância dos primeiros cristãos falarem entre si com salmos, hinos e cânticos espirituais (Efésios 5:19 e Colossenses 3:16).
Quando esteve em Atenas, demonstrou conhecimento dos poetas gregos, aplicando-os à sua pregação (Atos 17:28).
Quanto a outras formas de arte na Bíblia, a construção do tabernáculo no deserto envolveu centenas, talvez milhares de artífices de toda espécie para montá-lo e decorá-lo, tudo sob o comando de Moisés (Êxodo 26 em diante).
O mesmo aconteceu com o primeiro templo, sob Salomão (1 Reis 6 e 7), o mesmo que compara os meneios dos quadris de Sulamita com jóias feitas por um artista (Cantares 7:1).
Curiosamente, o Apocalipse revela um fim para as artes na destruição da "mítica" Babilônia (Apocalipse 18:21), embora a descrição do céu (nos capítulos 21 e 22) revele muita beleza em arquitetura grandiosa (e preciosa), fechando o ciclo que remete à Criação do homem, esculpido por Deus com as próprias mãos (Gênesis 2).
Os judeus eram muito mais cuidadosos, entretanto, em relação à escultura e à pintura, para não desobedecerem ao mandamento divino que proibia representar Deus em forma de alguma imagem humana ou da natureza, mesma objeção que acompanhou o começo do cristianismo que, alguns séculos depois, admitiu ambas as artes no lado ocidental (latino), ficando o oriental (grego) apenas com a iconografia pictórica.
Daí porque boa parte do acervo dos melhores e maiores museus do mundo é composta por pinturas e esculturas com inspiração religiosa, embora não se deva esquecer, também, que a Igreja institucionalizada tenha funcionado como um bloqueio a outras tantas expressões artísticas que contrariavam os seus interesses.
Censuras e boicotes não são novidades na história do mundo, e nem sempre é tão simples ou pacífico separar o sagrado do profano, ainda que o belo os defina.
Afinal, toda uma era da humanidade (no Ocidente) foi vivida debaixo do domínio pleno da Igreja Católica Romana, sendo que o período mais intenso dessas realizações (com Michelangelo e a Capela Sistina, por exemplo) coincide com a Reforma Protestante, que, por um lado, é iconoclasta, renegando a representação religiosa mediante, principalmente, a escultura, mas por outro lado, favorece o desenvolvimento de outras formas de expressão artística (como a formação das línguas nacionais européias), que assim vão paulatinamente se apartando da sombra da Igreja.
É claro, também, que existem inúmeras expressões artísticas em todos os povos do mundo, seja no Oriente, na África, ou na América pré-colombiana. Quem tem a oportunidade de conhecer o Museo del Oro em Bogotá, por exemplo, é apresentado a um mundo fascinante, em que a riqueza (literal e figurada) da arte dos povos andinos é uma explosão de sensibilidade e expressividade que deve ter assustado os colonizadores espanhóis, ao se depararem com uma civilização que, em muitos aspectos, era bem mais desenvolvida que eles. Talvez tenham dizimado esses povos não só cobiça, mas por medo e espanto ante o que aquela arte representava. O símbolo, às vezes, pode ser aterrador.
No Brasil, as expressões artísticas também foram acomodadas debaixo do guarda-chuvas da Igreja Católica.
Uma mistura de raças e povos tão rica como a nossa foi, pouco a pouco, se amalgamando e se "civilizando", por assim dizer, através de uma incorporação adaptativa aos rituais religiosos.
Dizer que o barroco é exagerado é redundante, mas este período no Brasil conseguiu romper todos os limites da extravagância (só pra ser redundante de novo), e os anjos de Aleijadinho com as suas feições negras, servem também como o retrato de uma época em que se procurou abrasileirar a arte fortemente influenciada pelos europeus.
A igreja evangélica no Brasil é fenômeno relativamente recente, e trouxe uma série de influências de norte-americanos e europeus.
Estes eram mais clássicos, aqueles mais despojados, mas cada um com os seus preconceitos.
A diversidade de origem das igrejas evangélicas, que frutificaram do trabalho missionário estrangeiro, implicou numa diversidade, também, de estilos e comportamentos.
Até pouco tempo atrás, tanto o rock norte-americano como os ritmos afro-brasileiros eram considerados do capeta, por exemplo.
Hoje, boa parte das orquestras sinfônicas brasileiras é composta por evangélicos, e a Assembléia de Deus tem sido reconhecida como boa formadora e fornecedora de instrumentistas.
A Veja inclusive já publicou uma matéria sobre esse fenômeno, em junho de 2007 (para lê-la, clique aqui).
No campo brasileiro das artes em geral, entretanto, não se percebe uma penetração cristã, talvez porque, até as décadas de 1970 e 1980, os evangélicos brasileiros ainda estavam mais preocupados em se firmar, em enfrentar o preconceito e, muitas vezes, a perseguição que sofriam.
Neste aspecto, gente do meio - como o próprio Nelson Bomílcar e tantos outros -, foi muito importante.
A partir da música, abriram um leque de possibilidades de expressão artística que ainda não foi devidamente explorado pelos cristãos brasileiros.
É claro que a Igreja é um microcosmos da nossa sociedade, em que apenas uma ínfima minoria tem acesso às mais variadas formas de arte, não só na apreciação e consumo, como também na produção, mas cabe a cada um de nós divulgar, sempre que possível, um determinado espetáculo, um filme, um programa na TV, um livro, uma mostra, enfim, algo que ajude não só a Igreja, mas toda a comunidade, a animar-se a fazer, beber, comer, dormir, enfim, viver a arte na sua plenitude.
Creio que ele quis apenas apresentar o tema, como uma introdução mesmo, e provocar o debate, no que, a meu ver, teve êxito.
Arte, por si só, já é um assunto vastíssimo, para não dizer infinito.
Que o homem sempre quis encontrar uma válvula pictórica de escape para se expressar, as cavernas pré-históricas estão aí para comprovar.
Chamar isso de "veia artística" é que varia de cultura para cultura, de pessoa para pessoa, de geração para geração.
Afinal, os movimentos artísticos se sucedem e, muitas vezes, se negam e se contradizem conforme cada era da humanidade, num ir-e-vir sem fim.
Na Bíblia, as expressões artísticas sempre tiveram o seu lugar.
Primeiro, se trata de literatura, de crônicas e romances que foram passados de geração a geração, além dos livros poéticos, como Salmos e Cantares.
O canto e a música parecem configurar a arte por excelência, biblicamente falando.
Não por acaso há um livro com 150 salmos que originalmente eram cantados, e alguns deles fazem alusão a instrumentos, cânticos e danças.
O Salmo 150 parece ser o mais representativo quanto a este aspecto.
Paulo também enfatiza a importância dos primeiros cristãos falarem entre si com salmos, hinos e cânticos espirituais (Efésios 5:19 e Colossenses 3:16).
Quando esteve em Atenas, demonstrou conhecimento dos poetas gregos, aplicando-os à sua pregação (Atos 17:28).
Quanto a outras formas de arte na Bíblia, a construção do tabernáculo no deserto envolveu centenas, talvez milhares de artífices de toda espécie para montá-lo e decorá-lo, tudo sob o comando de Moisés (Êxodo 26 em diante).
O mesmo aconteceu com o primeiro templo, sob Salomão (1 Reis 6 e 7), o mesmo que compara os meneios dos quadris de Sulamita com jóias feitas por um artista (Cantares 7:1).
Curiosamente, o Apocalipse revela um fim para as artes na destruição da "mítica" Babilônia (Apocalipse 18:21), embora a descrição do céu (nos capítulos 21 e 22) revele muita beleza em arquitetura grandiosa (e preciosa), fechando o ciclo que remete à Criação do homem, esculpido por Deus com as próprias mãos (Gênesis 2).
Os judeus eram muito mais cuidadosos, entretanto, em relação à escultura e à pintura, para não desobedecerem ao mandamento divino que proibia representar Deus em forma de alguma imagem humana ou da natureza, mesma objeção que acompanhou o começo do cristianismo que, alguns séculos depois, admitiu ambas as artes no lado ocidental (latino), ficando o oriental (grego) apenas com a iconografia pictórica.
Daí porque boa parte do acervo dos melhores e maiores museus do mundo é composta por pinturas e esculturas com inspiração religiosa, embora não se deva esquecer, também, que a Igreja institucionalizada tenha funcionado como um bloqueio a outras tantas expressões artísticas que contrariavam os seus interesses.
Censuras e boicotes não são novidades na história do mundo, e nem sempre é tão simples ou pacífico separar o sagrado do profano, ainda que o belo os defina.
Afinal, toda uma era da humanidade (no Ocidente) foi vivida debaixo do domínio pleno da Igreja Católica Romana, sendo que o período mais intenso dessas realizações (com Michelangelo e a Capela Sistina, por exemplo) coincide com a Reforma Protestante, que, por um lado, é iconoclasta, renegando a representação religiosa mediante, principalmente, a escultura, mas por outro lado, favorece o desenvolvimento de outras formas de expressão artística (como a formação das línguas nacionais européias), que assim vão paulatinamente se apartando da sombra da Igreja.
É claro, também, que existem inúmeras expressões artísticas em todos os povos do mundo, seja no Oriente, na África, ou na América pré-colombiana. Quem tem a oportunidade de conhecer o Museo del Oro em Bogotá, por exemplo, é apresentado a um mundo fascinante, em que a riqueza (literal e figurada) da arte dos povos andinos é uma explosão de sensibilidade e expressividade que deve ter assustado os colonizadores espanhóis, ao se depararem com uma civilização que, em muitos aspectos, era bem mais desenvolvida que eles. Talvez tenham dizimado esses povos não só cobiça, mas por medo e espanto ante o que aquela arte representava. O símbolo, às vezes, pode ser aterrador.
No Brasil, as expressões artísticas também foram acomodadas debaixo do guarda-chuvas da Igreja Católica.
Uma mistura de raças e povos tão rica como a nossa foi, pouco a pouco, se amalgamando e se "civilizando", por assim dizer, através de uma incorporação adaptativa aos rituais religiosos.
Dizer que o barroco é exagerado é redundante, mas este período no Brasil conseguiu romper todos os limites da extravagância (só pra ser redundante de novo), e os anjos de Aleijadinho com as suas feições negras, servem também como o retrato de uma época em que se procurou abrasileirar a arte fortemente influenciada pelos europeus.
A igreja evangélica no Brasil é fenômeno relativamente recente, e trouxe uma série de influências de norte-americanos e europeus.
Estes eram mais clássicos, aqueles mais despojados, mas cada um com os seus preconceitos.
A diversidade de origem das igrejas evangélicas, que frutificaram do trabalho missionário estrangeiro, implicou numa diversidade, também, de estilos e comportamentos.
Até pouco tempo atrás, tanto o rock norte-americano como os ritmos afro-brasileiros eram considerados do capeta, por exemplo.
Hoje, boa parte das orquestras sinfônicas brasileiras é composta por evangélicos, e a Assembléia de Deus tem sido reconhecida como boa formadora e fornecedora de instrumentistas.
A Veja inclusive já publicou uma matéria sobre esse fenômeno, em junho de 2007 (para lê-la, clique aqui).
No campo brasileiro das artes em geral, entretanto, não se percebe uma penetração cristã, talvez porque, até as décadas de 1970 e 1980, os evangélicos brasileiros ainda estavam mais preocupados em se firmar, em enfrentar o preconceito e, muitas vezes, a perseguição que sofriam.
Neste aspecto, gente do meio - como o próprio Nelson Bomílcar e tantos outros -, foi muito importante.
A partir da música, abriram um leque de possibilidades de expressão artística que ainda não foi devidamente explorado pelos cristãos brasileiros.
É claro que a Igreja é um microcosmos da nossa sociedade, em que apenas uma ínfima minoria tem acesso às mais variadas formas de arte, não só na apreciação e consumo, como também na produção, mas cabe a cada um de nós divulgar, sempre que possível, um determinado espetáculo, um filme, um programa na TV, um livro, uma mostra, enfim, algo que ajude não só a Igreja, mas toda a comunidade, a animar-se a fazer, beber, comer, dormir, enfim, viver a arte na sua plenitude.
Muito bom Hélio!
ResponderExcluirPrecisamos de cultura e arte nas nossas Igrejas, não há melhor maneira de "expressar valores inexpressáveis" do que a arte.
Um abrao!