quarta-feira, 16 de julho de 2008

Espírito Santo e teologia, por Karl Barth

Tudo isto acontece na esfera do ar que livremente se move e põe em movimento, do vento suave ou impetuoso, da spiratio e da inspiratio que, conforme a Bíblia, é o poder atuante de Deus, poder de revelar-se livremente aos seres humanos, penetrar em sua vida e, assim, libertá-los para Ele.

Ruah, pneuma, é o nome bíblico desse poder de atuação soberana. E ambos os termos significam: ar movimentado e ar que põe em movimento, sopro, vento, tempestade e, neste sentido (que no spiritus do latim e no "espírito" do português ainda transparece claramente; mas não em inglês, em que o termo ghost está em proximidade horripilante com "fantasma"): Espírito – cujo equivalente alemão, Geist, lamentavelmente não deixa transparecer o significado dinâmico do termo bíblico. Nós usamos o termo neste seu significado autêntico: "Onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade" (2 Co 3:17) – aquela liberdade de Deus de revelar-se aos seres humanos, de penetrar na sua vida, de libertá-los para Si. O Senhor Deus, que é o Espírito, realiza isso. É evidente que há outros espíritos: espíritos criados por Deus, como o espírito natural ao ser humano, mas também espíritos demoníacos, errantes e desnorteadores, espíritos da nulidade e do vazio, que não têm outra finalidade do que a de serem expulsos. Todos eles não são aquele poder soberano. Acerca de nenhum deles, nem mesmo dos melhores, poder-se-á dizer que, onde estão, aí há aquela liberdade. Todos eles devem ser examinados: com referência à direção do vento, à sua procedência de cima ou de baixo; antes de mais nada, porém, devem ser constantemente distinguidos do Espírito que, atuando em liberdade divina, gera a liberdade humana. Ele é definido pelo Símbolo Niceno como "Santo, Senhor e vivificador", e mais: "o qual procede do Pai e do Filho; que junto com o Pai e o Filho é adorado e glorificado". Isto quer dizer: ele mesmo é Deus – o mesmo Deus uno que é também o Pai e o Filho, que age como Criador, mas também como Reconciliador, como Senhor da aliança, mas que agora, como este Deus, no poder iluminador de sua ação não só está entre os seres humanos, mas habita, habitou e habitará neles – o mesmo Espírito como aquele ar movente e aquela atmosfera movida em que os seres humanos podem (quanto ao mais, totalmente isentos de premissas) viver, pensar e falar como seres que são conhecidos por ele e o conhecem, como seres por ele chamados e a ele obedientes, como filhos gerados por sua palavra. Assim, de acordo com o segundo relato bíblico da criação, Deus insuflou ao ser humano "o fôlego de vida", isto é, o espírito humano. Assim, para citarmos mais uma vez o Credo Niceno, "ele falou pelos profetas". Desta forma, João Batista o viu descender no Jordão sobre aquele que, neste lugar, solidário com todos os pecadores, tomou sobre si o batismo do arrependimento. Assim ele foi – conceptus de Spiritu Sancto ["concebido a partir do Espírito Santo"] – a origem da existência desse seu Filho no mundo dos seres humanos, assim foi a origem do apostolado que prega aquele um e, assim, foi origem também de sua comunidade. Como relatam os Atos dos Apóstolos, "de repente veio do céu um som, como de um vento impetuoso, e encheu toda a casa onde estavam assentados", e a conseqüência foi que os discípulos foram capacitados a falar sem mediação e de modo compreensível a todos os estrangeiros, vindos de um sem-número de países, falaram dos grandes feitos de Deus, dando a impressão de estarem embriagados – e assim, em conseqüência desse spirare e inspirare, aconteceu que a palavra foi aceita por três mil pessoas. E foi então o Espírito – Deus o Espírito, o Senhor que é o Espírito -, seu irromper, seu impulsionar, seu testemunho daquilo "que há em Deus" e "daquilo que nos foi dado por Deus", seu poder que origina a confissão: Jesus é o Senhor! – que veio a ser o fator cuja existência e cuja ação tornaram possível e real – e continuam a fazê-lo até o dia de hoje – a existência da cristandade no mundo, mas também a de cada cristão individualmente como testemunha da palavra, testemunha que crê, ama e espera. Esse poder age com certeza e de modo irresistível. Querer resistir-lhe, onde ele se põe a agir, seria o único pecado imperdoável. E ele é o único a agir: "Quem não tem o Espírito de Cristo, não é dele".

É evidente que também a teologia evangélica, sendo ciência modesta, livre, crítica e alegre, só poderá ser possível e real dentro do campo de força do Espírito, só como teologia pneumática. Só poderá existir se tiver a coragem de confiar que o Espírito é a verdade, que ele levanta a pergunta pela verdade e simultaneamente a responde. Como é que a teologia se arroga a ser "teologia", lógica humana do logos divino? Resposta: ela não se arroga coisa nenhuma. Mas poderá suceder-lhe que esse Espírito venha sobre ela e que ela não passe a lhe resistir, mas que, por igual, não tente se apoderar dele, e sim que se alegre com ele, limitando-se a segui-lo. Uma teologia não-espiritual (venha ela a manifestar-se em púlpitos ou cátedras, em produções literárias ou em discussões entre teólogos velhos ou jovens) seria um dos fenômenos mais horríveis que pode existir nesta terra: comparadas com tal teologia, as produções dos piores autores políticos, os piores romances e filmes, e até a pior bagunça noturna dos garotos seriam fenômenos menos graves. A teologia deixa de ser espiritual onde se deixa afastar do ar fresco e movimentado do Espírito do Senhor, que é o único ambiente em que poderá vingar, e se deixa atrair e impelir para dentro de recintos em cujo ar viciado está automática e radicalmente impedida de ser e de realizar o que poderia e deveria.

Isto poderá suceder-lhe de duas maneiras: ela poderá ser feita (seja como teologia primitiva ou altamente sofisticada, seja como teologia fora de moda ou como teologia que se identifica com as últimas novidades) de forma mais ou menos zelosa, inteligente ou até piedosa e oportunamente também ser lembrada do problema do Espírito Santo, mas não criar nem coragem nem confiança de entregar-se, sem receios nem ressalvas, à sua iluminação, admoestação e consolação, negar-se a ser conduzida pelo espírito a toda a verdade, negar-se a, em sua pesquisa, seu raciocínio e seu ensino, dar ao Espírito do Pai e do Filho (que também foi derramado sobre toda a carne em seu favor) a honra que lhe cabe. Então, por conseguinte, ela passa até a temê-lo! Então finge ignorá-lo; então comporta-se como sabe-tudo; então, confrontada com ele, imobiliza-se. Então fareja o perigo do "entusiasmo" tão logo o Espírito tenta agir também em seu âmbito. Então ela passa a girar em torno de si mesma historizando, ou psicologizando, ou racionalizando, ou moralizando, ou romantizando, ou dogmatizando e dando asas à fantasia; e tudo siso considera seus "belos pastos verdejantes". Então acontece que, com a sua maneira de levantar e de responder a pergunta pela verdade, ela não poderá servir nem ajudar à comunidade que, assim como ela própria, necessita desesperadamente do Espírito Santo. Pelo contrário: se achar-se em condição semelhante à daqueles discípulos de João Batista em Éfeso, dos quais nos é dito que nem tinham conhecimento da existência do Espírito Santo, então não deixará de acontecer – conseqüência maligna inevitável – que ela abrirá suas portas a quaisquer espíritos estranhos, que perturbarão e destruirão a comunidade. Por certo, nem críticas, nem ironias, nem acusações humanas lhe poderão prestar ajuda em tal situação: só o próprio Espírito é que poderá fazê-lo: ele, o Santo, o Senhor, o Criador da vida, que espera por ser recebido de novo tanto pela comunidade quanto pela teologia, por receber, através de uma reorientação da atividade da teologia, também da parte dela a adoração e o louvor que lhe cabem para então vivificar e fazer luzir também suas teses, que, por mais corretas que sejam, certamente são mortas quando não sustentadas pelo Espírito.

Mas poderá também acontecer que a teologia saiba com demasiada segurança (e portanto absolutamente não saiba) do poder vital do Espírito, que é indispensável para a cristandade, como um todo e para o cristão individualmente e, portanto, indispensável também para ela, já que parece ter-se esquecido de que esse vento sopra onde ele quer, que sua presença e sua ação representam a graça de Deus, do Deus sempre livre, sempre superior, que sempre se dará a si mesmo de forma imerecida e incalculável. Então, tal teologia julgará poder lidar com ele como se o tivesse arrendado ou até dele se tivesse apoderado, como se fosse uma força da natureza, igual à água, ao fogo, à eletricidade, à energia atômica, etc., descoberta, dominada e ativada pelo ser humano. Assim como uma Igreja estulta pressupõe a presença e a ação do Espírito em sua própria existência, em seus ministérios, seus sacramentos, suas ordenações, consagrações e absolvições, da mesma maneira uma teologia estulta o pressupõe como premissa conhecida e disponível de suas próprias teses. Mas um espírito pressuposto certamente não será o Espírito Santo, assim como uma teologia que o pressupõe será teologia não-espiritual. O Espírito Santo é o poder vital que se compadece em liberdade tanto da comunidade quanto da teologia, a qual necessita e continua necessitando dele sob todas as circunstâncias. Também a tal teologia não-espiritual só o próprio Espírito poderá valer, conscientizando-a, de caso em caso, de sua mísera arbitrariedade, usada na colocação das próprias premissas, para então tornar-se presente e atuante aí – e justamente só aí – onde se geme, clama e ora por ele: Veni, Creator Spiritus! "Vem, ó vem, Espírito da vida!". Mesmo a melhor das teologias não poderá ser mais nem coisa melhor do que tal prece, transformada em labor vigoroso. Em última instância, só poderá ocupar o lugar de um daqueles filhos que não possuem pão nem peixe, mas que têm um Pai que possui tanto um quanto o outro e que lhos dará enquanto o solicitarem. A teologia evangélica é rica nesta sua pobreza total, firmemente sustentada e segurada nessa sua completa falta de pressuposições: rica, sustentada e segurada ao aceitar a promissão, agarrando-se a ela sem ceticismo, mas também sem arrogância, agarrando-se à promissão segundo a qual é o Espírito, e não a teologia, que "tudo escruta, até mesmo as profundezas de Deus".


(BARTH, Karl. Introdução à Teologia Evangélica. Ed. Sinodal, 7ª ed., 2002, pp. 37/40)

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