Chamar alguém de "fariseu" hoje em dia equivale a um xingamento, pela carga negativa que está associada ao nome em função dos antigos fariseus terem, por assim dizer, desempenhado o papel de adversários de Jesus na Sua passagem pela Terra. O termo "fariseu" dispensa explicações; já traz intrínseco um sentido negativo que resume a ofensa que alguém quer dirigir ao outro, bem como encerra a discussão com uma espécie de "cala-boca". É muito comum que as atuais (e exóticas) práticas religiosas dos evangélicos brasileiros sejam confrontadas por aqueles que exigem uma coerência bíblica e denunciam o caráter profano desses modismos, e por isso esses últimos são chamados de "fariseus". Entretanto, devemos resistir ao chavão do preconceito, e tentar entender melhor quem eram os fariseus, que compunham uma das grandes facções em que a religião judaica se dividia na época de Cristo. Ainda que debaixo de um manto religioso, tinham, portanto, uma função muito mais político-ideológica, ainda que esses conceitos não fossem conhecidos à época.
Para tanto, proponho dois textos - bastante interessantes - para leitura. O primeiro é de Philip Yancey, em "O Jesus Que Eu Nunca Conheci", Ed. Vida, 2001, págs. 64/67, comentando sobre as diferentes facções religiosas entre os judeus do século I:
"Os essênios eram os mais separados de todos. Pacifistas, não resistiam ativamente a Herodes ou aos romanos, mas antes retiravam-se para comunidades monacais nas cavernas de um deserto estéril. Convencidos de que a invasão romana viera como castigo por seu fracasso em guardar a Lei, dedicavam-se à pureza. Os essênios tomavam banhos rituais todos os dias, mantinham uma dieta restrita, não defecavam no sábado, não usavam jóias, não juravam e tinham todos os bens materiais em comum. Esperavam que a sua fidelidade incentivasse o advento do Messias.
Os zelotes, representantes de uma estratégia diferente de separativismo, advogavam a revolta armada para expulsar os estrangeiros impuros. Um ramo dos zelotes especializava-se em atos de terrorismo político contra os romanos, enquanto outro operava como uma espécie de "polícia moral" para manter os judeus na linha. Em uma primeira versão de purificação étnica, os zelotes declaravam que qualquer pessoa que se casasse com um indivíduo de outra raça seria linchado. Durante os anos do ministério de Jesus, observadores certamente notaram que em seu grupo de discípulos estava Simão, o Zelote. Por outro lado, os contatos sociais de Jesus com os gentios e com os estrangeiros, sem mencionar parábolas como a do bom samaritano, deveriam ter levado à fúria os zelotes extremados.
No outro extremo, os colaboracionistas tentavam operar dentro do sistema. Os romanos garantiram autoridade limitada a um concílio judeu chamado Sinédrio, e em troca de privilégios este cooperava com os romanos em repelir qualquer sinal de insurreição. Era do seu maior interesse prevenir os levantes e as duras represálias que certamente trariam.
O historiador Josefo conta de um camponês doente mental que gritava "Ai de Jerusalém!" no meio dos festivais populares, agitando as multidões. O Sinédrio tentou puni-lo, sem resultado, por isso o entregaram ao governo romano para que fosse devidamente açoitado. Ele foi descascado até os ossos, e a paz foi restaurada. Com o mesmo intuito, o Sinédrio enviou representantes para examinar João Batista e Jesus. Será que representavam uma verdadeira ameaça à paz? Nesse caso, deveriam ser enviados aos romanos? Caifás, o sumo sacerdote, captou perfeitamente a visão dos colaboracionistas: "Convém que um só homem morra pelo povo, e que não pereça toda a nação".
Os saduceus eram os colaboracionistas mais espalhafatosos. Foram antes helenizados sob os gregos, e depois cooperaram com os macabeus, com os romanos e agora com Herodes. Humanistas na teologia, os saduceus não criam na vida após a morte nem na intervenção divina aqui na terra. O que acontece, acontece, e, considerando-se que não há sistema futuro de recompensa e de castigo, uma pessoa poderia muito bem desfrutar do tempo limitado na terra. Pelos palácios e utensílios de prata e de ouro de suas cozinhas, que os arqueólogos descobriram, parece que os saduceus desfrutaram da vida realmente muito bem. De todos os partidos da Palestina, os mandarins saduceus eram os que mais tinham a perder diante de qualquer ameaça ao status quo.
Os fariseus, partido popular da classe média, muitas vezes se encontravam em cima do muro, vacilando entre o separatismo e o colaboracionismo. Mantinham altos padrões de pureza, sobretudo em questões como a guarda do sábado, a pureza ritual e o tempo exato dos dias festivos. Tratavam os judeus que não agiam assim como "gentios", excluindo-os dos concílios locais, boicotando seus negócios e banindo-os dos banquetes e dos acontecimentos sociais. Mas os fariseus já haviam sofrido o seu quinhão de perseguição: uma vez oitocentos fariseus foram crucificados em um só dia. Embora cressem apaixonadamente no Messias, hesitavam em seguir muito depressa a qualquer impostor ou operador de milagres que pudesse atrair desgraça para a nação.
Os fariseus escolhiam suas batalhas com cuidado, pondo a vida em perigo apenas quando necessário. Uma vez, Pôncio Pilatos desprezou um acordo com os judeus para as tropas romanas não entrarem em Jerusalém carregando estandartes que trouxessem uma imagem ("ícone") do imperador. Os fariseus consideravam isso um ato de idolatria. Em protesto, uma multidão de judeus, na maioria fariseus, cercou o palácio de Pilatos por cinco dias e cinco noites em uma espécie de greve branca, chorando e implorando que mudasse. Pilatos ordenou que fossem ao hipódromo, onde os soldados estavam à espreita, e ameaçou condenar à morte todo aquele que não parasse de implorar. Todos de uma vez, caíram com o rosto em terra, desnudaram os pescoços e anunciaram que estavam preparados para morrer a fim de não ver suas leis transgredidas. Pilatos voltou atrás.
Para tanto, proponho dois textos - bastante interessantes - para leitura. O primeiro é de Philip Yancey, em "O Jesus Que Eu Nunca Conheci", Ed. Vida, 2001, págs. 64/67, comentando sobre as diferentes facções religiosas entre os judeus do século I:
"Os essênios eram os mais separados de todos. Pacifistas, não resistiam ativamente a Herodes ou aos romanos, mas antes retiravam-se para comunidades monacais nas cavernas de um deserto estéril. Convencidos de que a invasão romana viera como castigo por seu fracasso em guardar a Lei, dedicavam-se à pureza. Os essênios tomavam banhos rituais todos os dias, mantinham uma dieta restrita, não defecavam no sábado, não usavam jóias, não juravam e tinham todos os bens materiais em comum. Esperavam que a sua fidelidade incentivasse o advento do Messias.
Os zelotes, representantes de uma estratégia diferente de separativismo, advogavam a revolta armada para expulsar os estrangeiros impuros. Um ramo dos zelotes especializava-se em atos de terrorismo político contra os romanos, enquanto outro operava como uma espécie de "polícia moral" para manter os judeus na linha. Em uma primeira versão de purificação étnica, os zelotes declaravam que qualquer pessoa que se casasse com um indivíduo de outra raça seria linchado. Durante os anos do ministério de Jesus, observadores certamente notaram que em seu grupo de discípulos estava Simão, o Zelote. Por outro lado, os contatos sociais de Jesus com os gentios e com os estrangeiros, sem mencionar parábolas como a do bom samaritano, deveriam ter levado à fúria os zelotes extremados.
No outro extremo, os colaboracionistas tentavam operar dentro do sistema. Os romanos garantiram autoridade limitada a um concílio judeu chamado Sinédrio, e em troca de privilégios este cooperava com os romanos em repelir qualquer sinal de insurreição. Era do seu maior interesse prevenir os levantes e as duras represálias que certamente trariam.
O historiador Josefo conta de um camponês doente mental que gritava "Ai de Jerusalém!" no meio dos festivais populares, agitando as multidões. O Sinédrio tentou puni-lo, sem resultado, por isso o entregaram ao governo romano para que fosse devidamente açoitado. Ele foi descascado até os ossos, e a paz foi restaurada. Com o mesmo intuito, o Sinédrio enviou representantes para examinar João Batista e Jesus. Será que representavam uma verdadeira ameaça à paz? Nesse caso, deveriam ser enviados aos romanos? Caifás, o sumo sacerdote, captou perfeitamente a visão dos colaboracionistas: "Convém que um só homem morra pelo povo, e que não pereça toda a nação".
Os saduceus eram os colaboracionistas mais espalhafatosos. Foram antes helenizados sob os gregos, e depois cooperaram com os macabeus, com os romanos e agora com Herodes. Humanistas na teologia, os saduceus não criam na vida após a morte nem na intervenção divina aqui na terra. O que acontece, acontece, e, considerando-se que não há sistema futuro de recompensa e de castigo, uma pessoa poderia muito bem desfrutar do tempo limitado na terra. Pelos palácios e utensílios de prata e de ouro de suas cozinhas, que os arqueólogos descobriram, parece que os saduceus desfrutaram da vida realmente muito bem. De todos os partidos da Palestina, os mandarins saduceus eram os que mais tinham a perder diante de qualquer ameaça ao status quo.
Os fariseus, partido popular da classe média, muitas vezes se encontravam em cima do muro, vacilando entre o separatismo e o colaboracionismo. Mantinham altos padrões de pureza, sobretudo em questões como a guarda do sábado, a pureza ritual e o tempo exato dos dias festivos. Tratavam os judeus que não agiam assim como "gentios", excluindo-os dos concílios locais, boicotando seus negócios e banindo-os dos banquetes e dos acontecimentos sociais. Mas os fariseus já haviam sofrido o seu quinhão de perseguição: uma vez oitocentos fariseus foram crucificados em um só dia. Embora cressem apaixonadamente no Messias, hesitavam em seguir muito depressa a qualquer impostor ou operador de milagres que pudesse atrair desgraça para a nação.
Os fariseus escolhiam suas batalhas com cuidado, pondo a vida em perigo apenas quando necessário. Uma vez, Pôncio Pilatos desprezou um acordo com os judeus para as tropas romanas não entrarem em Jerusalém carregando estandartes que trouxessem uma imagem ("ícone") do imperador. Os fariseus consideravam isso um ato de idolatria. Em protesto, uma multidão de judeus, na maioria fariseus, cercou o palácio de Pilatos por cinco dias e cinco noites em uma espécie de greve branca, chorando e implorando que mudasse. Pilatos ordenou que fossem ao hipódromo, onde os soldados estavam à espreita, e ameaçou condenar à morte todo aquele que não parasse de implorar. Todos de uma vez, caíram com o rosto em terra, desnudaram os pescoços e anunciaram que estavam preparados para morrer a fim de não ver suas leis transgredidas. Pilatos voltou atrás.