domingo, 8 de novembro de 2009

Marcha soldado cabeça de papel...

O artigo do senador Marcelo Crivella – “A marcha da legalidade” -, publicado na Folha de S. Paulo de 05/11/09, em que ele defende o casal Hernandes, é uma daquelas peças que mostram o nível capenga a que chegou a igreja evangélica brasileira. Ainda que o senador esteja, a meu ver, muito mais preocupado em marcar uma posição política contra uma suposta perseguição da imprensa aos evangélicos, personificados nas figuras dos líderes das igrejas Universal e Renascer, ele pretendeu, com o seu artigo, fazer uma defesa do casal Hernandes, numa tentativa de generalização que tem até alguma razão de ser, já que os evangélicos tendem a se comportar em manada quando alguém diz que está sendo perseguido em razão da pregação do evangelho. Entretanto, não me parece que aqui se trate de alguma aplicação evangélica (ao contrário) do provérbio popular “pau que bate em Chico também bate em Francisco”, mas de uma tentativa de criar uma cortina de fumaça que desvie a atenção do que realmente importa: o testemunho cristão e o compromisso dos líderes em questão com o evangelho puro e simples de Jesus Cristo.

Para começo de conversa, o artigo é contraditório ao afirmar que o casal Hernandes, de fato, entrou nos EUA com quantia não declarada acima do legalmente permitido, e depois diz que são “suspeições não provadas”, quando o próprio casal CONFESSOU que cometeu o crime previsto na legislação americana, tudo com o intuito de negociar uma pena mais branda, o que é possível no sistema processual penal daquele país. Logo, a julgar pelo título do artigo, o casal Hernandes cumpriu o que manda a “marcha da legalidade” no que diz respeito ao crime de que foram acusados, julgados e devidamente condenados. Daí ficar difícil entender que “sentença farisaica” é esta a que o senador se refere. Outra ilusão do artigo é afirmar que “a imensa multidão que marchou para Jesus na última segunda-feira tem plena consciência de ... todos os princípios que se propõe a preservar, propagar, defender e amar para sempre”, como se a própria Bíblia (através de Paulo) não alertasse os crentes quanto à boa e à má consciência, além do pior tipo: a cauterizada.

Mais desagradável ainda é quando o autor cita a profecia messiânica de Zacarias 13:7 (“ferirei o pastor e as ovelhas se dispersarão”), lembrada por Jesus em Mateus 26:31, e tenta aplicá-la aos líderes evangélicos brasileiros que estão com problemas com a Justiça. Entretanto, esta auto-proclamação messiânica soa mais como uma tentativa frustrada de camuflar o caráter eminentemente político da marcha com uma auréola espiritual, já que o senador finaliza avaliando que a marcha “foi o ato mais solene e majestoso de revogação popular de todas as injúrias e calúnias que, ao longo dos últimos anos, nos irrogaram os ódios e as paixões”, como se a aprovação e a obediência cega de um determinado grupo a seu líder o eximisse de todos os problemas que tivesse com a Justiça, sem esquecer que os crimes que ele eventualmente tenha cometido não o foram apenas contra o grupo, mas contra toda a sociedade, que tem as suas instâncias democráticas para julgar o caso. Por sinal, o senador se esquece de que a "sentença farisaica" que condenou Jesus teve um gigantesco apoio popular. Ainda, a valer este critério, se o julgamento interno e particular do grupo legitimasse os seus líderes, então Hitler deveria ter sido absolvido por seus pares nazistas. E por falar nisso, talvez muitos líderes evangélicos brasileiros queiram fazer valer aqui e agora “princípio do Führer” que vigorava no sistema judicial nazista, ou seja, acima de tudo e de todos, inclusive das leis, o que valia mesmo era a interpretação final delas pelo Führer. No caso de algumas igrejas evangélicas brasileiras, o que vale mesmo é a decisão do seu líder máximo, que, no caso, é carnal e não atende pelo nome de Jesus.

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