quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Consciências cauterizadas

No meio dos escândalos que envolvem a Igreja no Brasil, é muito comum líderes das mais variadas facções evangélicas saírem em defesa uns dos outros, tudo em nome de uma suposta fraternidade que se contrapõe à igualmente presumida perseguição de todos os que não jogam no time deles. 

Cria-se, então, um ambiente de paranóia coletiva, não raras vezes combatida com uma espécie de histeria e indignação também coletivamente ensaiadas. 

O observador mais atento poderia se indagar: “Como é que o pastor X tem coragem de dizer isso?”. 

Muitos líderes adotam práticas no mínimo exóticas e que nada têm de bíblicas, e sabem – nem que seja por instinto – que a melhor defesa é o ataque. Se combaterem aqueles que denunciam os crimes dos falsos profetas, talvez possam evitar futuras investigações que cheguem aos seus próprios arraiais.

É claro que existem alguns despudorados que mentem com o mais indisfarçável cinismo para ver seus maus propósitos atingidos, mas me parece que, em alguns casos, o buraco pode ser mais embaixo. 

Mais em cima, para ser mais exato: na consciência. A hipocrisia se tornou tão doentia que as suas consciências já não cumprem a função que delas se esperaria. 

Uma característica distintiva do pastor é justamente a sua consciência boa e pura, como Paulo frisava em suas cartas (2ª Coríntios 1:12; 1ª Timóteo 1:5,19; 4:2; 2ª Timóteo 1:3), sendo que 2ª Coríntios 4:2 é lapidar: “pelo contrário, rejeitamos as coisas ocultas, que são vergonhosas, não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de Deus; mas, pela manifestação da verdade, nós nos recomendamos à consciência de todos os homens diante de Deus”.

Ao que parece, alguns “pastores” de fato creem que estão sendo usados para algum desígnio divino, não porque sinceramente acreditam nisso, mas porque precisam crer no seu messianismo de araque. 

Negá-lo não é mais possível, já que, não podendo mais ser boa e pura (se é que um dia foi), sua consciência se cauterizou, conforme Paulo descreveu a Timóteo (2ª carta, 4:1-2): “Mas o Espírito expressamente diz que em tempos posteriores alguns apostatarão da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a doutrinas de demônios, pela hipocrisia de homens que falam mentiras e têm a sua própria consciência cauterizada”. 

A palavra grega aí traduzida por “cauterizada” (καυτηριάζω - kautēriazō ) significa a ferida que foi marcada com ferro em brasa, para que não doa mais. 

Torna-se, assim, insensível, já que as suas células morreram e não servem para mais nada. 

Por isso, nos dizeres de Judas (12-13), “estes são os escolhidos em vossos ágapes, quando se banqueteiam convosco, pastores que se apascentam a si mesmos sem temor; são nuvens sem água, levadas pelos ventos; são árvores sem folhas nem fruto, duas vezes mortas, desarraigadas; ondas furiosas do mar, espumando as suas próprias torpezas, estrelas errantes, para as quais tem sido reservado para sempre o negrume das trevas”. 

Com a mente cauterizada, não lhes restou outra alternativa senão acreditarem no seu auto-engano e se confraternizarem com todos aqueles que padecem do mesmo mal.

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