Esaú era um cara legal, simpático, expansivo, brincalhão, voluntarioso, amigo, caçador, despachado e “descolado” (como diríamos hoje).
Já seu irmão gêmeo Jacó era arredio, invejoso, medroso, tímido, mentiroso, dissimulador, caseiro e faria qualquer coisa pra passar a perna no próprio irmão.
Só por esses adjetivos, fica fácil dizer quem era o preferido de Deus, não é mesmo?
Agora, se você pensou que era Esaú, se enganou redondamente.
O escolhido foi Jacó...
Do ponto de vista humano, fica difícil justificar esta escolha, já que muitos de nós preferiria ter Esaú como amigo.
O nascimento dos gêmeos já tinha sido um tanto quanto esquisito (e premonitório), com Esaú vindo à luz primeiro, e, de brinde, lá estava Jacó agarrado no seu calcanhar (Gênesis 25:26).
O próprio nome do segundo - Jacó (do hebraico - יעקב - Yaccob) – lhe foi dado por essa circunstância, já que significa, na língua materna, “defraudar”, “decepcionar”, “suplantar alguém com meios ilícitos”, literalmente “derrubar uma pessoa pegando-a pelos calcanhares”.
O Esaú era um cara legal, simpático, expansivo, brincalhão, voluntarioso, amigo, caçador, despachado e “descolado” (como diríamos hoje).
Já seu irmão gêmeo Jacó era arredio, invejoso, medroso, tímido.
O primeiro era o preferido do pai Isaque; o segundo, da mãe Rebeca.
Tiveram uma infância e juventude normal para aqueles tempos, mas Jacó cobiçava intensamente o direito de primogenitura de Esaú, que nem imaginava que este era o seu calcanhar de Aquiles, antes de Aquiles existir.
Certo dia, Esaú voltou de suas caçadas morrendo de fome, e vendo o guisado que Jacó preparara, implorou que seu irmão lho dera para comer, mas este percebeu que seu grande dia havia chegado, e, mediante juramento, trocou o prato de guisado pelo direito de primogenitura do irmão mais velho (Gênesis 25:29-34).
Isto não bastou para Jacó, pois quando seu pai estava cego e moribundo, armou – com a ajuda da mãe – todo um teatro para enganar o pai e obter a sua bênção final (Gênesis 27).
Pela segunda vez, passava a perna em seu próprio irmão. Isto lhe obrigou a fugir e, depois de muitos anos de exílio e provações, finalmente decidiu voltar para sua terra.
Teria obrigatoriamente que resolver os assunto pendentes com o irmão e, mesmo depois de ter lutado contra o próprio Deus (Gênesis 32), continuou temeroso de que Esaú buscasse vingança, pelo que montou uma espécie de “procissão do retorno”, mandando uma série de ricos presentes à sua frente, para aplacar a imaginária ira do irmão, que, contrariamente ao seu temor inicial, recebeu-o de braços abertos, entre beijos e lágrimas (Gênesis 33).
Agora era Jacó que se enganava, achando que Esaú ainda dava mais valor aos bens materiais do que ao amor do irmão.
Atualizando nossa linguagem, Esaú era o que se pode chamar de “figuraça”.
Ainda que fosse tarde demais para constatar que um prato de comida era infinitamente menos valioso que a bênção de Abraão (não se chora sobre leite derramado, Esaú!), o tempo decorrido foi mais que suficiente para que ele perdoasse Jacó, que, mesmo com a garantia pessoal do próprio Deus, insistia em cultivar o medo e o remorso por tudo que havia feito contra o irmão.
Jacó se parece com muitos de nós: mesmo com o perdão de Deus e do irmão, tinha dificuldade em se perdoar pelos muitos erros de sua história de vida, tão conturbada e dolorosa.
Afinal, havia sofrido as consequências de suas atitudes por anos a fio.
Comeu o pão que Labão amassou, o tio-verdugo candidato a sogro que também o enganara e o fizera trabalhar 14 anos de graça pela mão de Raquel, sendo os 7 primeiros “perdidos” para se casar – mediante artimanha do "tiogro" – com Léia, a irmã mais velha da pretendida.
Definitivamente, Jacó tinha sérios problemas familiares.
Ao que parece, também nunca mais pode rever sua mãe e cúmplice, Rebeca, que desapareceu sem deixar vestígios bíblicos enquanto ele enfrentava seu calvário particular.
Esta é uma das mais belas histórias da Bíblia e um dos grandes paradigmas que ela apresenta.
Talvez os mais apressados, embora não admitam que Deus cometeu um “erro”, se sintam autorizados a todo tipo de pecado, canalhice, e mentiras afins, seguindo o caminho de Jacó, já que Esaú, o mocinho da história, se deu mal no final.
Uma leitura mais atenta da Palavra, entretanto, mostra que o que realmente importava era a fé na promessa de Deus a Abraão, de que faria dele uma grande nação para seu louvor, promessa da qual Isaque era herdeiro e a transferiria ao primogênito.
Naquele contexto, não havia nada mais sagrado, mas Esaú desprezou a bênção, trocando-a por um prato de guisado, pelo que a Bíblia reservou-lhe o epíteto de “profano” (Hebreus 12:16).
Por outro lado, Jacó fez de tudo para alcançá-la, ainda que – humanamente falando – a princípio talvez estivesse interessado mais no lado material que ela representava.
Foi necessário passar décadas de provações e uma luta dura e pessoal contra o próprio Deus, para que entendesse toda a extensão do que aquilo significava no mundo espiritual.
A vida lhe reservava ainda outras tantas dificuldades, como a desavença entre seus próprios filhos e a perda temporária do preferido José, que só reveria no final de sua vida, no Egito.
Jacó foi o retrato veterotestamentário do pecador miserável, carente de Deus e da Sua graça, que, mais por ignorância do que por ambição, seguiu o caminho correto por vias tortuosas demais.
Tudo seria dele se ele apenas esperasse o tempo do Senhor.
Sua insegurança e obstinação apenas lhe trouxeram consequências drásticas.
Esaú, por sua vez, só teve um vislumbre do que significa a bênção de Deus quando era demasiado tarde para reverter a situação e obtê-la.
Enquanto podia a ela aspirar, desprezou-a.
Embora tenha sido um dos personagens bíblicos mais, digamos, “bacanas”, foi preterido porque não deu importância às coisas sagradas.
Não percebera o seu “dia da visitação” (Lucas 19:44), e por isso foi chamado de “profano”.
Jacó, pouco antes de reencontrar seu irmão, recebeu a visita de anjos e a reconheceu.
“Quando Jacó os viu, disse: Este é o exército de Deus.
E chamou àquele lugar Maanaim” (Gênesis 32:2).
Maanaim (מחנים - machănayim) significa literalmente “dois exércitos, dois acampamentos” em hebraico, e Jacó sabia que sem Deus ele nada era.
Ainda que fosse um cara muito legal, Esaú era o exército de um homem só.
Assim são muitos hoje em dia, que são até “Esaús” no jeitão de ser, mas agem segundo o pior de Jacó, desprezando a fé que o movia.
Preocupam-se apenas com o próprio prazer, ainda que tenham que arrebanhar uma legião, não de seguidores, mas de fãs, para satisfazer as suas necessidades materiais imediatas e os seus propósitos personalistas.
Por isso, não titubeiam em relação às coisas sagradas, nem se dão conta do quanto as profanam.
Simplesmente não as respeitam, e quando percebem o seu desvario, já não podem mais voltar atrás. Tornam-se reféns do personagem que criaram, e “profano” é o seu nome.