segunda-feira, 10 de agosto de 2009

O bom pastor - 2ª parte

(continuação do texto anterior, disponível clicando aqui)

O que NÃO se espera de um pastor

É interessante constatar que, para que não pairem quaisquer dúvidas, a qualificação neotestamentária do bom pastor é feita também por meio de exemplos negativos, exemplificando características que não devem estar presentes no líder (ou candidato a líder) da igreja. São elas:

1) que não seja dado ao vinho - 1 Tim 3:3 (ARA, ARC, BJ, TEB) – “não deve ser apegado ao vinho” (NVI), “não beberrão” (BP). Não pretendemos aqui entrar na questão de se é permitido ao cristão o consumo de álcool, embora na mesma carta (5:23), Paulo recomende a Timóteo que tome um pouco de vinho por causa de seus problemas de estômago e outras enfermidades. O fato indisputável é que o pastor não deve ser um bêbado, um embriagado, mesmo que eventual. Deve ter cuidado também para que o seu testemunho público não seja afetado por uma taça de vinho.

2) que não seja violento – 1 Tim 3:3 (NVI) – não briguento (BJ, BP, TEB), não espancador (ARA, ARC). A palavra grega aí traduzida por “violento”, “briguento”, “espancador” é πλήκτης - plēktēs, que quer dizer literalmente um “pugilista”, “lutador”, alguém que parte para o ataque físico contra outra pessoa. Obviamente, não devemos limitar este significado apenas para o aspecto físico da questão, mas também na conduta social e emocional do pastor, que não deve ser alguém que “atire sem perguntar”, para quem “a melhor defesa é o ataque”. Pelo contrário, o pastor deve ter sempre em mente o exemplo de Sadraque, Mesaque e Abedenego, que diante da ameaça de serem atirados na fornalha de fogo do rei, não tiveram dúvida alguma de responder: “Ó Nabucodonosor, não precisamos defender-nos diante de ti. Se formos atirados na fornalha em chamas, o Deus a quem prestamos culto pode livrar-nos, e ele nos livrará das tuas mãos, ó rei” (Daniel 3:16-17).

3) que não seja altercador – 1 Tim 3:3 (TEB) – “não contencioso” (ARC), que seja “inimigo de contendas” (ARA), “amável, pacífico” (BP, NVI), “indulgente, pacífico” (BJ), . A palavra grega aqui é ἐπιεικής - epieikēs – que também pode ser traduzida por “paciente”. Além de “não violento”, o pastor não deve ser alguém que sempre “parta para a ignorância” segundo o dito popular. Deve ter capacidade de argumentar sem recorrer à violência verbal. Lamentavelmente, muitos líderes preferem seguir outro ditado popular, e dão um boi para não entrar numa briga, mas uma boiada pra não sair dela.

3) não apegado ao dinheiro – 1 Tim 3:3 (NVI) – “não cobiçoso de torpe ganância” (ARA, ARC), “desinteressado” (BP), “desinteresseiro” (BJ). No texto original em grego, Paulo enfatiza tanto essa questão que usa duas palavras para reforçar a importância de não servir ao dinheiro: αἰσχροκερδής (aischrokerdēs) e ἀφιλάργυρος (aphilarguros), também traduzida como “avarento” (ARA, ARC). Na carta de Paulo a Tito (1:7), a TEB traduz aischrokerdēs por “não ávido de lucros desonrosos”. Infelizmente, nos dias atuais, esta ênfase paulina foi deixada de lado pelos “pastores” da prosperidade, mais preocupados em pedir dinheiro e amealhar fortunas do que simplesmente pregar e (principalmente) viver o evangelho em sua plenitude. Na visão deles, o sucesso é medido pela conta-corrente polpuda e não pela igreja cheia de pecadores convertidos a Jesus. Graças a Deus, ainda há poucos e bons pastores que sabem que de nada vale ao homem “ganhar o mundo inteiro e perder sua vida” (Mateus 16:26, Marcos 8:36, Lucas 9:25), e por isso escolhem investir seus recursos e sua vida na propagação do evangelho, e não no acúmulo de riquezas particulares, cientes do que Paulo também disse mais adiante (1 Tim 6:10) - "o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males". Quando se despediu dos presbíteros de Éfeso (Atos 20), Paulo invocara em seu testemunho que “de ninguém cobicei prata, nem ouro, nem vestes; vós mesmos sabeis que estas mãos serviram para o que me era necessário a mim e aos que estavam comigo” (vv. 33-34), logo após lhes predizer que “eu sei que, depois de minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho, e que, dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles” (VV. 29-30).

4) que não seja novo na fé (neófito) – 1 Tim 3:6 (ARA, ARC) – “que não seja recém-convertido” (BJ, BP, NVI), e a seguir Paulo justifica: “para que não se ensoberbeça” (ARA, ARC, BJ), seja “cegado pelo orgulho” (TEB), “não se envaideça e incorra na condenação do diabo” (BP). Infelizmente, esta orientação de Paulo é seguidamente desobedecida em muitas igrejas, que assim que surge alguém recém-convertido com algum destaque, já lhe passam muitas incumbências que, biblicamente, só cabem a um pastor. Isto sem contar todos aqueles que não são exatamente “iluminados”, mas ficam “deslumbrados” com a graça de Deus, e, imaginando que a estão servindo (ou ainda, “cobiçosos de torpe ganância”), fundam suas próprias igrejas como os mais novos “profetas” e “pastores” da praça. O próprio fato de crescer no entendimento e na graça de Deus implica em tempo e paciência para que o fruto do Espírito Santo nele se desenvolva. Paulo era profundamente zeloso desta característica, tanto que insiste mais adiante com Timóteo: “a ninguém imponhas precipitadamente as mãos” (1 Tim 5:22).

5) que não seja arrogante – Tito 1:7 (ARA, TEB) – “não presunçoso” (BJ), “não orgulhoso” (NVI), “não egoísta” (BP). Embora todas as soluções sejam possíveis, a Bíblia do Peregrino parece traduzir melhor a palavra grega αὐθάδης authadēs, que significa primordialmente “alguém que faz algo só para o próprio prazer”. Infelizmente, esta é mais uma qualidade priorizada por Paulo e desprezada por muitos pseudo-pastores, que se encaixam mais na definição do apóstolo Judas Tadeu: “Estes homens são como rochas submersas, em vossas festas de fraternidade, banqueteando-se juntos sem qualquer recato, pastores que a si mesmos se apascentam; nuvens sem água, impelidas pelos ventos; árvores em plena estação dos frutos, destes desprovidas, duplamente mortas, desarraigadas, ondas bravias do mar, que espumam as suas próprias sujidades; estrelas errantes, para as quais tem sido guardada a negridão das trevas, para sempre” (Judas 1:12-13). Na visão de Pedro, esses pretensos líderes “são como criaturas irracionais, guiadas pelo instinto, nascidas para serem capturadas e destruídas; serão corrompidos pela sua própria corrupção!” (2 Pedro 2:12).

6) que não seja iracundo – Tito 1:7 (ARC) – que “não seja irascível” (ARA, BJ, TEB), “briguento” (NVI), “colérico” (BP). A palavra grega aqui é ὀργίλος - orgilos - que significa a qualidade da pessoa que se ira, encoleriza, rapidamente. Não deixa de ser um complemento aos atributos de “não violência” e “não altercação” a que Paulo se refere na carta a Timóteo. As três qualidades demonstram que o pastor deve ser uma pessoa em que o fruto do Espírito seja bem desenvolvido, e que ele tenha paciência, domínio próprio, temperança, e principalmente humildade para ouvir primeiro o que o outro tem que falar, e interaja ou reaja com toda mansidão.

Conclusão

Diante de todas essas características, é imperativo que tanto os pastores como suas congregações observem fielmente o que o Novo Testamento propõe para a liderança da Igreja. O escritor aos Hebreus (13:7) diz que as ovelhas devem seguir o exemplo de seus pastores e imitar a sua fé. Enorme responsabilidade esta! Curiosamente, o escritor de Hebreus recomenda que se observe atentamente o resultado da vida dos pastores que já se foram, uma atitude bem diferente daquela que impera em muitas igrejas atualmente, de que a fé se mede pelos resultados imediatos e palpáveis que ela obtém em, muitas vezes, verdadeiras negociatas com um deus imaginário a quem se julga servir. O resultado que deve ser observado não é o instantâneo de um determinado momento na vida do pastor, mas toda a sua vida de fé; em outras palavras, o conjunto de sua obra. Em sua primeira carta, Pedro aconselha aos pastores: “Pastoreiem o rebanho de Deus que está aos seus cuidados, olhando por ele; não por obrigação, mas de livre vontade, como Deus quer; não por ganância, mas desejosos de servir; não como dominadores dos que lhes foram confiados, mas como exemplos para o rebanho. Quando se manifestar o Supremo Pastor, vocês receberão a imperecível coroa da glória” (1 Pedro 5:2-4).

Oremos para que seja esta a conduta dos nossos pastores.

2 comentários:

  1. Hélio, graça e paz. Eu gostei muito desse estudo que você postou, parabéns. Ser pastor tem ser segundo o que a Palavra de Deus nos ensina e não segundo o que muitos pensam. Que Deus continue lhe abençoando sempre com postagens como estas. Eu as publiquei no blog da igreja.
    Fique na Paz!
    Pr Silas

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  2. Obrigado, Pr. Silas!
    É só uma modesta contribuição para que a verdade e a simplicidade do evangelho sejam valorizadas! Fique à vontade para reproduzir o texto.
    Graça e paz!

    ResponderExcluir

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