Paraíso artificial: a então feliz família multirracial de Jim Jones |
Exatos 35 anos atrás, num dia úmido, quente e trágico na Guiana, Jim Jones induzia quase mil pessoas ao suicídio na sua comunidade denominada Jonestown, conforme já tivemos o desprazer de recordar aqui, em 2010, no artigo "O documentário do terror de Jim Jones".
Líder da igreja Templo do Povo, o pastor americano tinha confusos ideais comunistas que havia tentado - em vão - aplicar à sua comunidade.
Não foi o primeiro nem o último líder religioso que imaginou ser possível construir um paraíso na Terra mediante a convivência pacífica e absolutamente igualitária entre pessoas de diferentes etnias e níveis social e cultural.
Como geralmente acontece nesses casos, todas as propriedades particulares são vendidas e o dinheiro é revertido para o suposto bem da comunidade, que é decidido e administrado pelo seu líder, o que termina por - obviamente - desagradar a muita gente.
OK, não é o momento para nos aprofundarmos no tema, mas há uma contradição intrínseca ao desejo supostamente cristão de uma equalização forçada dos ajuntamentos humanos: o egoísmo, a maldade ou o pecado inerente à espécie.
Jim Jones e seu ideal multirracial |
Sem desmerecer os muitos exemplos de bondade e altruísmo que a humanidade nos proporciona todos os dias, a maioria anonimamente, o fato é que a aspiração individual à felicidade e à liberdade não consegue ser controlada pelas boas intenções, por melhores que elas sejam.
No caso de Jim Jones, parece que essa aspiração tipicamente humana estava mortalmente contaminada por suas alucinações, como sua paranoia com o apocalipse nuclear para o qual ele marcava data de quando em quando.
O que pouca gente sabe é que Jones chegou a morar no Brasil de 1962 a 1965, a primeira metade do período em Belo Horizonte (MG) e a segunda no Rio de Janeiro (RJ).
Um artigo da revista americana Esquire de janeiro de 1962, indicando BH como uma cidade segura no caso de uma tragédia nuclear, parece ter sido o estopim para o estranho desejo de Jones de se "refugiar" na América do Sul.
[BH e RJ escaparam por pouco...]
Alguns arriscam a dizer que o sincretismo religioso brasileiro foi outro "tempero" adicionado à misteriosa visão de mundo do pastor americano.
Além disso, o Brasil era visto no mundo - de maneira equivocada - como uma democracia racial, quando o que imperava (e continua imperando) era o racismo cordial, essa discriminação camuflada temperada com o suposto "bom humor" das piadas e brincadeiras de mau gosto com aqueles que não são brancos.
Já naquela época, Jim Jones tinha vários filhos, a maioria adotada e de diferentes etnias, e apenas um deles, Stephan Gandhi Jones, era filho biológico do pastor com sua esposa Marceline Baldwin Jones.
Stephan G. Jones e sua mãe Marceline em Jonestown (1974) |
Da família, sobreviveram ao suicídio coletivo de 1978 apenas Stephan e seus irmãos adotivos Tim Jones, James Warren Jones Jr. e Suzanne Jones Cartmell.
Suzanne, adotada e de ascendência coreana, já havia rompido com o pai em 1973 e se tornou crítica feroz do movimento religioso que ele liderava.
Os três rapazes estavam fora do acampamento da família porque haviam ido à capital guianesa Georgetown para jogar uma partida de basquete com a seleção do país.
Segundo Jim Jones Jr. teria alegado depois, o pai conseguiu se comunicar com eles por rádio naquele fatídico dia, ordenando que toda a equipe que estava fora de Jonestown desse um jeito de se matar com o que estivesse à mão, fossem facas, cordas ou tesouras.
Quem ouviu a bizarra mensagem do pai foi Jim Jones Jr., como era conhecido James Warren Jones Jr., que - juntamente com seus irmãos - quis voltar o mais rápido possível a Jonestown, mas além de ser tarde demais, a Guarda Nacional da Guiana os impediu de levarem a cabo o intento.
Felizmente, além de terem sido - digamos - "poupados" pelo destino, os rapazes (que tinham cerca de 18 a 20 anos de idade na época) tiveram o bom senso de não se suicidarem, mas (ainda não sabiam que) já estavam condenados a viver o resto de suas vidas com o peso de serem filhos de Jim Jones.
Com o espectro do nome do pai a lhes rondar, cada um seguiu a sua vida da maneira que pôde.
Suzanne, provavelmente, foi a que menos sofreu porque já estava rompida com o pai desde 5 anos antes da carnificina. Casada com Mike Cartmell, teve dois filhos, e morreu de câncer no cólon em 2006.
Stephan Jones em foto recente |
Salvos por um jogo de basquete, apesar do inferno que tiveram que enfrentar nos anos seguintes, os três rapazes estão vivos até o dia de hoje.
Stephan Gandhi Jones, depois de lutar muito tempo contra a depressão e o alcoolismo, mora atualmente na California, onde tem um pequeno negócio, é vegetariano e pai de três filhas.
Como único filho biológico de Jim Jones, coube a ele enfrentar o mundo com a carga genética de um monstro, o que não tornou sua vida muito diferente dos demais irmãos sobreviventes.
Visitou Jonestown pela última vez em 1998, por ocasião dos 20 anos da tragédia, quando constatou que o local fisicamente pouco lembra o que era na década de 1970, embora os maus agouros e espíritos tenebrosos ainda continuem por lá.
Relembra - com uma pitada de nostalgia de um anjo caído - que Jonestown foi, sim, o paraíso na Terra enquanto estava sendo construída, e ele e os irmãos trabalhavam com vários outros jovens de 18 a 20 horas por dia em total harmonia, até que o agourento pai finalmente apareceu por lá em 1977, pondo término à ilusão e prenunciando o fim.
Jim Jones Jr. também vive na California, e, apesar dos problemas renais sérios que teve, leva uma vida relativamente normal, embora constantemente assombrada pelos fantasmas do passado.
Jim Jones Junior |
Pai de três filhos, convertido ao catolicismo, faz questão de lembrar que foi o primeiro menino negro adotado em Indianapolis nos idos de 1960, o que lhe leva a dar o pequeno crédito aos pais de pelo menos terem evitado que ele fosse criado num orfanato e terminasse preso por um crime qualquer.
Curiosamente, foi também em 1960 que o prefeito de Indianapolis, Charles Boswell, nomeou Jim Jones presidente da Comissão de Direitos Humanos da cidade, o que fazia até certo sentido, tendo em vista as iniciativas do pastor de enfrentar o problema racial que dividia o país à época.
[O que mostra, cá entre nós, que Marco Feliciano não é o primeiro pastor polêmico a presidir uma Comissão de Direitos Humanos. Desejamos-lhe melhor sorte!]
Quanto a Tim Jones, pouco se sabe sobre seu paradeiro. Seus rastros se esvaneceram no tempo e certamente ninguém o culparia por isso.
Nascido Timothy Glen Tupper, o seu processo de adoção por Jim Jones também é desconhecido, mas se imagina que continue vivo até hoje.
Mesma sorte não tiveram a mãe e os quatro irmãos biológicos de Stephan Gandhi Jones, que morreram naquele dia ensandecido que a História - lamentavelmente - jamais vai conseguir apagar.
Trinta e cinco anos se passaram, mas o episódio trágico não pode ser jamais esquecido, reforçando o conselho de George Santayana que estava escrito numa placa acima do "trono" de Jim Jones em Jonestown, que ele - lamentavelmente - não seguiu: "aqueles que não relembram o passado, estão condenados a repeti-lo".'