sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Yusuf Islam (ex-Cat Stevens) volta ao Brasil

Com shows agendados para São Paulo (no Citibank Hall amanhã e depois) e Rio de Janeiro (quarta-feira, 20/11), Yusuf Islam está de volta ao Brasil.

Talvez você não o conheça por seu nome muçulmano, mas por aquele com que ficou conhecido nas décadas de 1960 e 1970: Cat Stevens.

A mudança de nome se deu em razão de sua conversão ao islamismo, conforme já tivemos oportunidade de contar aqui - em janeiro de 2012 - no artigo "De Cat Stevens a Yusuf Islam", onde demos também algumas amostras de sua genialidade musical (vá lá, vale a pena ler e rever).

O então cantor Cat Stevens morou no Rio de Janeiro por três meses em 1975, e na entrevista abaixo, concedida ao Estadão e publicada ontem, 14/11/13, ele fala da importância que a experiência carioca, cercada de tantos Josés ("Yusuf" é uma das transliterações árabes para o nome), teve na sua busca espiritual.

Confira:

Yusuf Islam, que já foi Cat Stevens, estreia no País após meio século de carreira

Artista conta que escolheu nome islâmico no Rio e denuncia controle na internet

Jotabê Medeiros

Desde ontem em São Paulo, o cantor e compositor britânico Yusuf Islam, de 65 anos, é um cavalheiro da música internacional que ajudou a moldar o universo da música folk nos anos 1960 e1970 – além de imprimir uma consciência ética ao gênero (o que o emparelhou com os grandes de seu tempo, como Bob Dylan, James Taylor, Joni Mitchell, Donovan e Joan Baez).

Só que, na época áurea, o nome que Islam usava era outro: Cat Stevens. Ele o mudou em 1978, após converter-se ao islamismo. Pela primeira vez no Brasil para tocar, ele falou ao Estado ontem, por telefone, de seu quarto no Hotel Fasano. Ele se apresenta no Credicard Hall (agora Citibank Hall), nestes sábado e domingo; e no Rio (Citibank Hall), na quarta, dia 20.

Islam falou do tempo em que viveu no Rio, em 1973, quase incógnito; de sua infância no West End londrino; da relação “hipócrita” que os governos das superpotências têm com a internet; e ainda deu detalhes do novo disco que acaba de gravar em Los Angeles, e que deve lançar no inverno do Hemisfério Norte.

O novíssimo disco de inéditas de Islam terá a participação do guitarrista Richard “Ritchie” Thompson, outro famoso músico britânico convertido ao islamismo nos anos 1970. Thompson vive em Los Angeles, local onde tornou famoso o duo Richard & Linda Thompson.

O cantor Yusuf Islam nasceu em Londres em 21 de julho de 1948, filho de pais imigrantes gregos e cipriotas, e foi batizado Steven Demetre Georgiu. Adotou o nome artístico de Cat Stevens em 1965, mas acabou por trocá-lo por Yusuf Islam em 4 de julho de 1978. “É interessante notar como, de acordo com o calendário lunar islâmico, eu nasci durante os dias da Lua cheia no 14º dia do ramadã, 1367”, anotou o músico certa vez.

Ele não usa mais o turbante e as roupas islâmicas. Parou porque chegou à conclusão que “toda forma de vestimenta cultural é parte da beleza do poder criativo que Deus dá aos seres humanos para se exercitarem”. Sua opção religiosa o colocou em controvérsias e problemas. Em 2004, Islam tinha embarcado em Londres no voo 919 da United Airlines com destino a Washington. Viajava com a filha e iria para Nashville quando o avião teve sua rota desviada e ele foi preso e deportado com base em argumentos de segurança nacional. Ficou indignado, mas hoje prefere não falar mais disso.

Os hits do ex-Cat Stevens, como Father and Son, Wild World, Morning has Broken, Two Fine People e Moonshadow, embalaram gerações. Ele também foi ao cinema e fez de seus temas recordações eternas quando, em 1971, fez as belíssimas músicas (e as interpretou) da trilha sonora do filme Ensina-me a Viver (Harold and Maude), de Hal Ashby.

Cuidadoso com as palavras, mas bastante bem-humorado, Yusuf Islam revelou que está para lançar um livro infantil, comentou sobre as comparações com Dylan no início de carreira e falou sobre todos os temas mais espinhosos - pediu apenas para que não fosse inquirido sobre a arbitrariedade de que foi vítima nos EUA em 2004: acha o episódio superado.

Soube que o sr. estava em Los Angeles gravando um disco novo, é verdade?

Sim, eu estava experimentando um pouquinho. O disco está atrasado porque, nos últimos dois anos, trabalhei no meu musical, Moonshadow. Agora já tenho algumas canções novas, que estou burilando. É um disco mais bluesy, numa direção mais blues. Planejo lançar no inverno de 2014. Não sei ainda o título, usualmente ele sai de uma canção que eu escolho. Tenho alguns convidados, mas basicamente são os músicos com quem trabalho e há um amigo meu, um guitarrista de folk e blues, Richard Thompson, que integrou o Fairport Convention.

Vi o sr. em uma entrevista para a TV contando como viveu no Rio de Janeiro nos anos 1970 e como foi na cidade que o sr. se aproximou da espiritualidade. Em geral, o Rio tem a imagem de ser o oposto da espiritualidade.

(Risos) É verdade, o Rio tem a fama de ser um lugar para o palco, para a exibição. Mas eu era um estranho na cidade, o que me permitia maior liberdade, e era espiritualmente desconectado com qualquer coisa, descompromissado, o que facilitou para minha busca. Vivia num flat muito próximo do Corcovado, o que também era uma visão. Eu tinha ganhado o Alcorão e estava lendo no Rio, e aquilo me afetou profundamente. Talvez pelo fato de estar com tanta disponibilidade espiritual. Foi o que aconteceu. E também era muito comum o nome José no Rio, e aquele era o capítulo do Alcorão que mais tinha me afetado. Então, quando eu me tornei muçulmano, escolhi o nome José, ou Yusuf.

Eu tinha ouvido que foi um quase afogamento em Malibu que o fez se tornar muçulmano.

Aquilo aconteceu antes do Rio. Muitos acontecimentos colaboraram para que eu mudasse meu condicionamento anterior. Uma vez, eu estava em Los Angeles e fui nadar e estava me afogando. Não conseguia voltar, estava morrendo. Eu chamei pelo Poder Superior. "Por favor, salve-me!". E fui salvo. Logo após, ganhei um Alcorão de meu irmão. Ele era uma espécie de turista espiritual, como eu. Vim para o Brasil. E você já tem o resto da história.

Sua famosa canção, 'Father & Son', foi originalmente escrita a respeito da Revolução Russa. Muitos observadores acham que vivemos um novo período de revoluções, com todas as manifestações pelo mundo, o movimento Occupy, as rebeliões em Paris. O sr. acha que vivemos um novo momento revolucionário?

Quando começou a Primavera Árabe, em 2011, eu fiquei muito tocado, foi de uma inspiração muito grande para mim. Foi por causa desses movimentos que eu compus a canção My People. Naquela letra, eu digo tudo que penso sobre isso tudo. É uma música dedicada a todos esses movimentos. Father & Son é baseada na revolução russa. A diferença para hoje é que, naquela época, era tudo mais claro, mais preto no branco, uma oposição entre o pensamento capitalista e o pensamento comunista. Hoje, há um grande borrão entre a realidade e a realidade virtual. É uma infeliz situação na qual as pessoas pensam que a mudança virá pela via virtual. Eu acredito que a mudança só virá quando as pessoas mudarem a si mesmas. Não acho que você pode mudar o mundo apenas pela via social. Nós somos parte espírito, e eles não podem controlar esse aspecto da existência. Algo no espírito humano se perdeu. Ou mudamos ou não haverá solução real. Pelo simples fato de que há uma grande injustiça se espalhando. Falam em uma grande liberdade pela internet, mas a internet vem sendo usada para controlar as pessoas. É tão hipócrita: falam na liberdade na internet como se fosse um bem santificado, sagrado, mas ao mesmo tempo oprimem quem os critica e dizem: "Cale a boca, porque senão vamos colocar você na cadeia!".

Quando o sr. se tornou muçulmano, disse que era para ter uma vida longe da corrupção, da competição e da dor. O sr. acha que tem tido sucesso nesses objetivos?

Não. Não vejo ninguém tão bem-sucedido no mundo ao ponto da perfeição. Acho que a perfeição pertence unicamente a Deus. Mas eu acredito que tentar, em vez de não tentar, é um ato de anticorrupção. Você tem de continuar toda manhã, é uma batalha que tem de ser travada continuamente. E isso é competição, você não pode parar de competir consigo mesmo. E às vezes você falha, não se pode ganhar sempre. Há uma história sobre quando o Profeta teve um cavalo que costumava ganhar sempre as corridas. Quando finalmente perdeu, ele se perguntou: "Por quê?". E concluiu que havia chegado a hora de o cavalo perder, e que não havia nada errado naquilo. É parte da existência humana. Temos de continuar tentando.

Com o musical Moonshadow, o sr. se arriscou em outra direção artística. Que tipo de modelos teve nessa nova aventura?

Sabe, eu nasci no West End, em Londres. Cinema, teatro, vida noturna: tudo acontecia ali. As pessoas vinham de toda parte do mundo para vivenciar aquelas atrações. Eu vivi ali e sempre fui confrontado com todos os ângulos da música, do cinema, dos musicais, do teatro, do entretenimento. Uma das minhas primeiras ambições, para ser honesto, não era ser um cantor pop, mas um compositor de musicais. Acho que West Side Story foi o mais influente. Quando comecei a compor, minhas canções eram pequenas histórias que se conectavam pela música. Era meu estilo de compositor. E então aconteceu que eu comecei a gravar e a construir uma carreira. Há alguns anos, alguém comentou, e acho que foi Chris Blackwell, da Island Records, que minhas canções tinham uma unidade, que eram histórias sobre minha jornada. E aquilo acabou se tornando Moonshadow. Claro, há outras histórias, outras referências que complementam minha utopia, como Sidarta e Paulo Coelho.

Quando o sr. surgiu, foi comparado a Bob Dylan. Vocês dois continuam excursionando e fazendo discos. Que tipo de conexão acha que tinha com Dylan?

Acho que foi uma inspiração forte. Uma vez eu quis votar em Dylan para presidente, por causa da perfeição absoluta de seus sonhos de esperança. E muitas vezes vimos Dylan afundado naquele tipo de expectativa. Essa é a diferença: eu tentei fazer apenas o que eu podia fazer, tentei apenas viver.

O sr. voltou a Los Angeles para gravar um disco. É uma cidade de importância simbólica para o sr., afinal quase morreu lá.

A coisa mais importante sobre Los Angeles é deixá-la. Sair de Los Angeles (risos). Continuo saindo de lá a maior parte da minha vida. Tive uma visão: eu estava vivendo em Los Angeles no exato instante em que um terremoto acontecia lá (risos). É uma vida virtual. Já São Paulo me lembrou um pouco Nova York nos anos 1960.



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