sexta-feira, 24 de abril de 2015

100 anos depois do genocídio armênio

O Império Otomano foi a potência muçulmana que dominou por muitos séculos boa parte do Oriente Médio, da África do Norte, da Ásia Menor e do Leste Europeu.

Era contra os otomanos que as Cruzadas se batiam naquilo que chamavam de libertação de Jerusalém dos não-cristãos, entre os séculos XI e XIII.

Responsáveis pela queda de Constantinopla em 1453, os otomanos conquistaram o antigo (e cristão) Império Bizantino e faltou pouco para que islamizassem todo o continente europeu, cujos reinos cristãos se uniram e venceram a batalha de Lepanto em 1571, o que impediu a expansão islâmica para o Ocidente.

No início do século XX, o Império Otomano havia perdido muito de sua antiga glória e poder, mas mesmo assim era fundamental no jogo geopolítico da época, pois ainda dominava vastas regiões do Oriente Médio e Ásia Menor.

Entre essas regiões estava a Armênia, a primeira nação que se declarou oficialmente cristã (dentro do que se podia entender como "religião oficial" na época) no ano de 301 d. C.

Encravados que estavam entre russos e otomanos, a identidade armênia foi forjada na fricção entre as duas potências e construída, em enorme parte, com seus fundamentos cristãos, o que não impediu que boa parte do seu território fosse tomado pelo Império islâmico no século XVI.

A convivência entre cristãos e muçulmanos nunca foi fácil, até que - no início da Primeira Guerra Mundial - os armênios se aliaram aos russos para combater o Império Otomano, que havia entrado no conflito ao lado da Alemanha e do Império Austro-Húngaro.

Na noite de 24 de abril de 1915, um domingo, o governo otomano prendeu e executou cerca de 600 líderes e intelectuais armênios, e por isso esta data é considerada como o marco inicial daquilo que ficou conhecido como o "genocídio armênio".

Embora as estatísticas continuem polêmicas, estima-se que, nos dois anos que se seguiram, cerca de 1.500.000 de armênios foram assassinados das mais diferentes maneiras, por cremação, afogamento, crucificação, fome, gás tóxico, e outras modalidades de crueldade que ficaram mais conhecidas na Segunda Guerra Mundial.

O Império Otomano estava no meio de uma guerra que ia lhe custar a própria sobrevivência como país. No dia seguinte (25 de abril de 1915) começaria a invasão britânico-francesa da península turca de Gallipoli, na qual morreriam - inútil e estupidamente - 500.000 soldados dos dois lados.

Insuflada pelo desejo armênio de independência e pelo ódio religioso, a reação otomana perpetraria em proporções assustadoras o primeiro genocídio do século XX.


Oficial turco provocando crianças armênias famintas,
fingindo oferecer-lhes pão.

A derrota no fim da Primeira Guerra marcou a ruína do Império Otomano, cuja maior parte do território foi assumida pelo país que hoje conhecemos como Turquia.

Os armênios não tiveram paz, entretanto. Após novo conflito com a nascente nação turca, que lhe abocanhou boa parte do território, a Armênia foi incorporada à União Soviética em 1922, como uma das 15 Repúblicas Socialistas que formaram a antiga URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas).

País que tem o Monte Ararate como símbolo nacional, o que nunca faltou na história da Armênia foram dilúvios de toda espécie, afinal.

Os turcos jamais aceitaram que se usasse a palavra "genocídio" para descrever o massacre dos armênios. Sua principal defesa é a de que se tratava de um período de guerra no qual a barbárie e a traição corriam soltas.

Embora muitos países, como o Brasil, evitem o uso dessa palavra para evitar melindres diplomáticos com a Turquia, o fato é que a maior parte da comunidade internacional e quase a totalidade dos historiadores não-turcos concordam que o holocausto que começou naquela noite de 2015 configura um genocídio.

Apenas 10 países reconhecem oficialmente o genocídio armênio: Argentina, Bélgica, Chile, Chipre, França, Canadá, Alemanha, Grécia, Itália e Lituânia. 

Como você percebeu, também Israel e Estados Unidos dão às costas ao nome "genocídio" para manter boas relações com os turcos.

Alguns dias atrás, inclusive, o papa Francisco foi severamente criticado pelo governo turco por ter utilizado o termo "genocídio" em missa concelebrada com o patriarca Karekin II, da Igreja Ortodoxa Armênia.

O pontífice romano foi incisivo em sua fala: "Não podemos nos silenciar sobre o que vimos e ouvimos".

Curiosamente, apesar do centenário que hoje tristemente se relembra, esta declaração papal foi vista como inoportuna, pois enfraquece politicamente a Turquia num momento difícil em que o seu maior inimigo é o Estado Islâmico que lhe ameaça as fronteiras com a Síria e o Iraque.

De qualquer maneira, o genocídio armênio precisa ser relembrado para que, a exemplo de tantos outros massacres que maculam a história da humanidade, jamais seja repetido.

Este risco, infelizmente, está sempre batendo à porta de um planeta ainda contaminado pelo fanatismo e pela barbárie. O horror, ah, o horror...


Mosteiro de Khor-Virap, na fronteira com a Turquia tendo o Monte Ararate ao fundo.
Desde 642 d. C., é testemunha da história da Armênia, sempre esperando dias melhores.



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