domingo, 26 de abril de 2015

Saber demais pode ser ruim

A matéria é da BBC Brasil:

O surpreendente lado ruim de ser inteligente

David Robson

Temos uma tendência a pensar em gênios como seres atormentados por angústias existenciais, frustrações e solidão – a escritora Virginia Woolf, o matemático Alan Turing e até a fictícia Lisa Simpson são estrelas solitárias, isoladas apesar de seu brilho.

A questão pode parecer um assunto que atinge apenas alguns poucos privilegiados – mas os conceitos e ideias por trás dessa impressão repercutem em quase todos nós.

Boa parte do sistema educacional ocidental é direcionada a melhorar a inteligência acadêmica. Apesar de suas limitações serem conhecidas, o Quociente de Inteligência (QI) ainda é a principal maneira de medir habilidades cognitivas. Cada vez mais gente gasta fortunas em atividades de treinamento do cérebro para tentar melhorar sua pontuação. Mas e se essa busca pela genialidade for uma tarefa para tolos?

As primeiras respostas para esses questionamentos surgiram há quse um século, no auge da Era do Jazz americana. Na época, o teste de QI ganhava popularidade após ter se provado útil nos centros de recrutamento de voluntários durante a Primeira Guerra Mundial.

Os altos e baixos de pequenos gênios

Em 1926, o psicólogo Lewis Terman decidiu usar a prova para identificar e estudar um grupo de crianças superdotadas. Ele selecionou 1,5 mil alunos da Califórnia com QI maior que 140 – 80 deles com mais de 170 de QI. O grupo ficou conhecido como os “Termites”, e os altos e baixos de suas vidas ainda são estudados hoje em dia.

Como era de se esperar, muitos dos Termites cresceram para fazer fama e fortuna. Nos anos 1950, eles ganhavam um salário médio que correspondia ao dobro do de pessoas “comuns”.

Mas, inesperadamente, muitas crianças no grupo de Terman preferiram profissões menos glamorosas, como policial, marinheiro ou datilógrafo. Os Termites também não foram particularmente mais felizes do que o cidadão americano comum, com os níveis de divórcio, alcoolismo e suicídio semelhantes ao da média da população do país.

A moral da história é que, na melhor das hipóteses, um grande intelecto não faz diferença em relação à sua satisfação com a vida. Na pior, ele pode significar uma sensação maior de vazio.

Isso não quer dizer que todo mundo com um QI alto seja um gênio torturado, como a cultura popular nos faz crer. Mas ainda é assim, é algo intrigante. Por que os benefícios de ter uma inteligência abençoada não aparecem a longo prazo?

Fardo pesado e preocupação excessiva

Uma possibilidade é a de que a consciência de alguém sobre seus próprios talentos intelectuais tenha se tornado uma carga pesada. De fato, nos anos 1990, quando alguns dos Termites tinham quase 80 anos, eles olhavam para trás e, em vez de se vangloriar de seus sucessos, diziam ter sido perseguidos pela sensação de que não corresponderam ao que esperavam atingir quando jovens.

Essa sensação de fardo – principalmente quando combinada com as expectativas dos outros – é uma constante para muitas outras crianças superdotadas. Um dos casos mais famosos – e tristes – é o da britânica Sufiah Yusof. Admitida na prestigiada Universidade de Oxford aos 12 anos, ela abandonou os estudos na área de Matemática antes de se formar e começou a trabalhar como garçonete. Depois disso, tornou-se garota de programa e ficou conhecida por recitar equações para os clientes durante o sexo.

Outra reclamação comum é a de que pessoas mais inteligentes geralmente têm uma visão mais clara sobre os problemas do mundo. Enquanto o resto de nós se mantém distante das crises existenciais, os gênios perdem o sono sofrendo pela condição humana e pelos erros dos outros.

A preocupação constante, de fato, pode ser um sinal de inteligência – mas não da maneira que os filósofos de poltrona imaginaram. Alexander Penney, da MacEwan University, no Canadá entrevistou estudantes universitários sobre vários tópicos e descobriu que aqueles com o QI mais alto realmente se sentiam mais ansiosos.

Mas curiosamente, a maioria das preocupações era banal e cotidiana. “Eles não se inquietavam por coisas muito profundas, mas se preocupavam mais frequentemente sobre mais coisas”, diz Penney. “Se algo ruim acontecia, eles passam mais tempo pensando naquilo.”

Ao examinar com mais atenção, Penney também descobriu que isso se relaciona com a inteligência verbal, testada em jogos de palavras nos exames de QI. Ele acredita que uma maior eloquência pode ajudar o indivíduo a verbalizar suas ansiedades e remoer mais seus pensamentos. O que não é necessariamente uma desvantagem. “Eles tendem a solucionar problemas mais rapidamente do que a maioria das pessoas”, afirma.

Pontos ‘cegos’

A verdade nua e crua, no entanto, é que uma maior inteligência não equivale a tomar decisões mais sábias. Na realidade, a situação pode até tornar as decisões mais equivocadas.

Keith Stanovich, da Universidade de Toronto, passou a última década preparando testes de raciocínio e descobriu que decisões justas e independentes não estão nem um pouco relacionadas ao QI.

Segundo ele, os indivíduos que se saíam melhor em testes cognitivos padrão são na realidade um pouco mais vulneráveis a terem um “ponto cego de predisposição”. Ou seja, eles têm menos capacidade de enxergar seus próprios defeitos, mesmo quando são capazes de criticar os pontos fracos dos outros.

Eles também tendem a ser vítimas da “ilusão do apostador” – a ideia de que se uma moeda cai indicando “cara” dez vezes, ela terá mais chances de cair em “coroa” na 11ª vez.

Uma tendência a confiar mais nos instintos do que no pensamento racional pode explicar porque um número surpreendente de membros da associação britânica de superdotados Mensa acredita em atividades paranormais. Ou por que alguém com um QI de 140 têm duas vezes mais chances de estourar seu cartão de crédito.

Stanovich enxerga esses vieses em todas as camadas da sociedade. “Existe muita irracionalidade no mundo de hoje – pessoas fazendo coisas irracionais apesar de terem uma inteligência mais que adequada”, afirma. “Essas pessoas que ficam espalhando memes antivacinação para pais ou disseminando erros de informação na Internet são em geral pessoas com uma inteligência e uma educação acima da média.” Obviamente, pessoas inteligentes podem ser perigosamente, e bobamente, enganadas.

O lado bom

Portanto, se a inteligência não leva a decisões racionais ou a uma vida melhor, quais as suas vantagens? Igor Grossmann, da Universidade de Waterloo, no Canadá, acredita que temos que prestar mais atenção a um conceito antiquado: a sabedoria.

Sua abordagem é mais científica do que parece. “O conceito de sabedoria tem uma qualidade etérea”, admite. “Mas se olharmos para a pura definição de sabedoria, muitos vão concordar que se trata da ideia de alguém que pode fazer um julgamento bom e sem amarras”.

Em um experimento, Grossmann apresentou a voluntários vários dilemas sociais – que iam desde o que fazer sobre a guerra pela Crimeia a crises que leitores descrevem em colunas de aconselhamentos sentimentais de jornais.

Conforme os voluntários falavam, um painel de psicólogos julgava seus argumentos e sua tendência a uma ideia preconcebida.

Os que mais pontuaram acabaram predizendo maior satisfação com a vida, mais qualidade de relacionamento, e menos ansiedades e preocupações – todas as qualidades que parecem faltar a pessoas enquadradas no conceito clássico de inteligência.

Crucialmente, Grossmann descobriu que um alto QI não necessariamente significa maior sabedoria.

Aprender a saber

No futuro, empregadores podem começar a empregar testes como os de Grossmann para examinar outras capacidades intelectuais em vez do QI. A área de recursos humanos do Google, por exemplo, já anunciou que planeja avaliar candidatos com base em qualidades como “humildade intelectual”, em fez de pura proeza cognitiva.

Felizmente, a sabedoria pode vir do treino, segundo Grossmann. Ele ressalta que nós normalmente temos mais facilidade em deixar para trás nossas predisposições quando levamos outras pessoas em consideração em vez de nós mesmo.

Com isso, ele descobriu que simplesmente falar sobre seus problemas na terceira pessoa (“ele” ou “ela” em vez de “eu”) ajuda a criar a distância emocional necessária, diminuindo preconceitos e levando a argumentos mais sábios. Novos estudos devem gerar novos truques semelhantes.

O desafio vai fazer com que as pessoas admitam seus próprios defeitos. Mesmo se você conseguiu repousar sobre os louros da sua inteligência durante toda a vida, pode ser muito difícil aceitar que ela vem atrapalhando seu julgamento. Como disse o filósofo Sócrates, “o sábio é aquele que pode admitir que não sabe nada”.



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