quinta-feira, 13 de março de 2008

O evangelho de Lucas - parte 6

O capítulo 3 de Lucas começa com ele procurando localizar histórica e precisamente o contexto em que Jesus viveu, começando com o ministério de João Batista, associando-o à profecia de Isaías sobre a voz que clama no deserto e prepara o caminho do Senhor (Lc 3:4, Is 40:3). A pregação de João já chamava a atenção dos judeus para que não se agarrassem tão firmemente à descendência de Abraão como garantidora da sua salvação (v. 8), dizendo que deviam produzir frutos dignos de arrependimento, pois o machado já estava posto à raiz das árvores (v. 9), figurando os frutos que Jesus também usará na sua pregação. O batismo nas águas de João era um sinal visível de arrependimento e novidade de vida, mas ele já deixava claro que era apenas o precursor do Messias que batizaria com o Espírito Santo e com fogo, o que não deixa de ser uma imagem de difícil entendimento para o povo judeu, ainda mais quando se acrescentava que os rejeitados queimariam como palha em fogo inextinguível (v. 17). E é o mesmo Espírito Santo que testifica o batismo de Jesus, acontecimento em que Lucas segue o esquema narrativo sucinto de Marcos, não o detalhando tanto como fazem Mateus (principalmente) e João, mas frisando a "forma corpórea como pomba" do Espírito Santo, ao mesmo tempo em que se ouvia a voz do Pai, vinda do céu, num texto que se torna um problema incontornável para aqueles que atacam a doutrina da Trindade. Lucas ainda relata o ódio de Herodes por João, e de como o lançou no cárcere, para terminar o capítulo com a genealogia de Jesus, diferente daquela registrada no começo de Mateus. Alguns sugerem que, além do fato de Lucas começar com Adão e Mateus, com Abraão, este último segue a linha genealógica de Maria enquanto Lucas a de José. O que há de comum em ambos é a preocupação em que Davi seja o elo central de toda esta cadeia, o que dava a Jesus, ainda que um carpinteiro humilde, uma posição de destaque na comunidade judaica e destinatário das profecias messiânicas que indicavam um descendente de Davi como o Salvador de Israel (Is 55:3; Jr 30:9; Ez 34:24; Os 3:5; Zc 12:8)

O capítulo 4 fala do começo do ministério público de Jesus, que se dá com a tentação no deserto. Primeiro, o diabo o tentou com a necessidade física (fome), depois com o desejo de poder (todos os reinos do mundo), mas Jesus sempre responde com versículos da Bíblia. Percebendo isto, por fim, o diabo o tenta com a própria Palavra, incitando-o a jogar-se do pináculo do templo para que os anjos o sustentassem (Salmo 91:11), mas Jesus, de novo, responde com outro versículo dizendo que não tentaria a Deus. Infrutíferas as três tentações, o diabo se afasta de Jesus, "até momento oportuno" (v. 13), mas é curioso que o diabo não soubesse exatamente do que se tratava o plano de salvação de Deus para a humanidade. Este episódio evidencia, pelo menos, duas coisas: a uma, que Jesus estava pleno de sua essência humana, senão uma tentação não teria razão de ser; a duas, que o diabo, ainda que reconhecesse alguma divindade em Jesus, não era onisciente nem onipotente, pois não tinha uma visão abrangente de tudo o que estava reservado para Jesus viver, senão, teria tido outra atitude. É um desses mistérios que será revelado no último dia.

Jesus retorna, então, à Galiléia, onde é rejeitado pelas pessoas que o conheciam e o haviam visto crescer, ao avocar a si a profecia messiânica de Isaías 49:8-9. Diante da rejeição, Jesus lembra que Elias havia salvo a viúva de Sarepta de Sidom no tempo da fome, e que Eliseu havia purificado o leproso sírio Naamã, quando havia muitos leprosos em Israel. Assim, começa uma ruptura com o seu próprio povo, primeiro o da sua região, a Galiléia, para depois estender-se a toda a nação. Deve ter sido um discurso tão duro que seu próprio povo quis matá-lo (v. 29), mas ele se safou. Indo a Cafarnaum, cura um endemoninhado, a sogra de Pedro e várias outras pessoas, até terminar num lugar deserto.

O capítulo 5 começa com a, digamos, seleção dos apóstolos. Curiosamente também, Lucas registra o processo de escolha dos apóstolos diferentemente de Mateus (Mt 4:18-22; 9:9 e 10:1-14) e de Marcos (Mc 1:16-20; 2:13; 3:13-19). Para Lucas, a cura da sogra de Pedro se dá antes de sua escolha como apóstolo (4:38-39), o que em Mateus (8:14-15) e Marcos (1:29-31) se dá depois. Em função disso, na narrativa de Lucas, Pedro já conhecia Jesus por ocasião da pesca maravilhosa, ocasião em que Jesus o convida a ser também pescador de homens, o que deve tê-lo influenciado sobremaneira a ponto de deixar tudo e segui-lo (v. 11). Segue-se a cura de um homem coberto de lepra (vv. 12-16), e Jesus faz questão de que o homem oferecesse o sacrifício legal por sua purificação. Sempre quando isso acontecia, Jesus se tornava uma celebridade na cidade em que estava, e uma multidão vinha no seu encalço, e sempre Jesus encontrava um meio de afastar-se para orar. Depois, temos a cura de um paralítico, ainda em Cafarnaum, que tinha a sorte de ter bons amigos, que vendo o seu estado, não titubearam em desviar-se da multidão que se aglomerava à porta da casa, subiram no telhado, retiraram algumas telhas, e desceram o leito no espaço em que Jesus estava. O Mestre, ao invés de dizer que o curava, disse que os seus pecados estavam perdoados, o que provocou um certo burburinho no recinto, mas Jesus faz questão de reafirmar que estava perdoando os pecados do paralítico, e que ele agora devia levantar-se e andar, o que efetivamente ocorreu, causando ainda mais espanto entre os presentes.

A presença de Jesus devia ser tão forte e desafiadora que nem Levi, o publicano, resistiu-lhe (vv. 27-32). Muito provavelmente, Levi já estava acompanhando o ministério de Jesus e sabia do que Ele era capaz. Convidou-o a comer em sua casa junto com outros publicanos, o que escandalizou os judeus, ao que Jesus respondeu que não havia vindo chamar os justos ao arrependimento, mas sim os pecadores (v. 32). Os fariseus, então, como se tivessem dado ouvidos à pregação do precursor, argumentaram que os discípulos de Jesus em nada se pareciam com os de João Batista. Enquanto esses eram rígidos ascetas, os de Jesus mais pareciam festeiros, comendo e bebendo enquanto os outros faziam jejuns. Jesus lhes responde dizendo que sua presença no meio de seus discípulos era motivo de festa, e que chegaria o dia em que jejuariam. Entretanto, aquele era o tempo de não se colocar vinho novo em odres velhos (v. 37), mas de se aproveitar a presença do mediador de uma nova aliança para um novo povo que Ele estava preparando.

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