terça-feira, 21 de junho de 2011

Cristãos turcos esperam melhores dias com governo muçulmano forte


A Turquia é um dos países do mundo que têm uma história das mais preciosas, que merece ser sempre estudada e observada de perto, para se tirar daí algumas perspectivas para o futuro da humanidade, sobretudo no que diz respeito ao encontro de civilizações tão distintas como a ocidental e a oriental, a cristã e a islâmica. 

Situada na encruzilhada de Ásia e Europa, continentes separados pelo estreito de Bósforo, estrategicamente localizado em Istambul, a Turquia é um país oficialmente novo, mas herdeiro de uma longa tradição de impérios que ditaram os rumos da humanidade: o Romano, o Bizantino e o Otomano. 

A Queda de Constantinopla (nome antigo de Istambul) em 1453 marcou o fim da Idade Média, da qual foi a mais importante e rica cidade na Europa. 

A Turquia apenas se organizaria como país moderno e independente, nos moldes ocidentais, em 1923, sepultando o Império Otomano sob a liderança de Mustafa Kamel Atatürk, que imprimiu um caráter laico ao Estado, mediante o rígido controle das Forças Armadas, que sempre se opuseram a qualquer ingerência religiosa fanática, ainda que valorizando a condição muçulmana como intrínseca ao país.

A importância da Turquia para o cristianismo é ancestral e extremamente simbólica. 

Basta dizer que ali se situavam as 7 igrejas do Apocalipse, e o seu território foi base constante das viagens missionárias de Paulo nos primórdios da igreja cristã. Em Niceia (ano 325), Constantinopla (381) e Calcedônia (451) foram realizados os três mais importantes concílios da cristandade depois do primeiro de Jerusalém (Atos 15). 

Com a tomada do território pelos otomanos a partir de 1453, o islamismo se tornou majoritário, e hoje responde nominalmente por 98% da população de cerca de 73 milhões, ainda que se diga que o número de praticantes seja de 66%, o que não deixa de ser um número bastante significativo. 

Além disso, durante o Império Bizantino foram compilados todos os pilares jurídicos do antigo Império Romano, nas famosas Institutas de Justiniano, que representam a base da maioria dos institutos jurídicos do Direito moderno.

A Igreja Ortodoxa, herdeira do Patriarcado de Constantinopla (a Nova Roma), é a grande representante do cristianismo na Turquia, e foi preservada e protegida pelos muçulmanos ao longo dos séculos, ainda que de maneira bem diminuta. 

Sua importância simbólica é, entretanto, gigantesca, pois o Patriarca de Constantinopla é a liderança espiritual reconhecida (ainda que não nos moldes do papa católico de Roma) por cerca de 300 milhões de ortodoxos espalhados pelo mundo. 

Uma lei turca de 1923 estabelece que o patriarca deve ser eleito por um sínodo composto apenas por cidadãos turcos de origem grega. 

A Grécia foi dominada pelos otomanos por quase 4 séculos, e se por um lado daí vem a rivalidade histórica entre os dois países, também por esta união forçada foi possível preservar a Igreja Ortodoxa em território turco.

O problema é que atualmente há somente cerca de 2.500 cidadãos turcos de origem grega que são aptos para compor o sínodo que elege o patriarca de Constantinopla, segundo informa a revista norteamericana Newsweek desta semana. 

Como o atual patriarca Bartolomeu I já está com 71 anos de idade, não deve demorar muito tempo para surgir a necessidade (e a dificuldade) de escolher um sucessor. 

Paradoxalmente, a ajuda pode vir de onde menos se esperava. 

Com a recente vitória do partido muçulmano AKP nas eleições parlamentares, o primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan, que antes de ser político estudou para ser um clérigo islâmico, prometeu profundas reformas na Constituição turca, para remover o país da laicidade absoluta e torná-lo mais muçulmano, mas ao mesmo tempo, dar mais liberdade aos cristãos ortodoxos locais. 

A proposta de Erdogan é conceder cidadania turca a bispos menos idosos de outras nacionalidades de todos os cantos do mundo, e por eles e dentre eles seria eleito o novo Patriarca de Constantinopla, um cargo que tem 1.700 anos de tradição nas suas costas. Mas isso representa, digamos, apenas a cereja do bolo. 

A reforma constitucional promete, ainda, devolver aos ortodoxos suas muitas propriedades confiscadas ao longo das últimas décadas, bem como maior liberdade na educação religiosa de seus filhos. 

Entretanto, não se trata de um ato de bondade do primeiro-ministro turco. 

É que, ao conceder essas benesses aos cristãos, ele também tem as portas abertas para oferecer as mesmas condições aos muçulmanos radicais, que continuam sendo mal vistos pelas Forças Armadas do país. 

Um delicado equilíbrio, portanto, mas os ortodoxos turcos veem nessas mudanças praticamente a única maneira de evitar a extinção de sua riquíssima história.

Um comentário:

  1. Pois é Hélio, a Turquia tem despontado no cenário mundial como futura potência. Posição geográfica privilegiada, cultura milenar, boa diplomacia e relação com os países ocidentais. Um ótimo exemplo para os demais países muçulmanos.

    Vamos ver no que isso vai dar...

    Abraços!

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