Efrem, o Sírio (ou Siríaco), foi um dos pais da nascente Igreja cristã, tendo vivido de 306 a 373 d.C., ainda em meio à controvérsia com os arianos, dos quais era ferrenho opositor. Também conhecido por "Profeta dos Sírios" e "Cítara do Espírito Santo", Ephraem Graecus (seu nome em latim) era da tradição oriental (hoje ortodoxa), mas foi elevado à condição de Doutor da Igreja pelo papa Bento XV em 1920, o que explica, de certa maneira, o interesse recente de Bento XVI em citá-lo em seus discursos. Efrem dedicou-se à vida monástica em Nísibe e Edessa, e foi um dos primeiros poetas e compositores de música sacra da Igreja Cristã (para uma biografia mais detalhada, clique aqui). Seus hinos, escritos originalmente em siríaco (um dialeto aramaico tardio), foram traduzidos para o grego e o latim e, pouco tempo após sua morte, já eram cantados nas celebrações litúrgicas de grande parte das igrejas daquela época. Efrem via na linguagem das palavras e da música uma maneira admirável de Deus revelar-se ao mundo, a ponto de afirmar que "Deus revestiu-se de nossa linguagem, de modo a poder vestir-nos com Seu modo de vida". Cristo, o Verbo da Vida, o Logos, conceito que tantas polêmicas havia causado entre cristãos e arianos, transcendia, para Efrem, o campo das batalhas teológicas, e a linguagem era uma das maneiras como Deus podia se relacionar com as pessoas das mais diferentes origens e culturas. No "Comentário ao Diatessaron" 7:22, Efrem afirma que: "Se as palavras tivessem somente uma única perspectiva, o primeiro intérprete a teria encontrado, e os outros ouvintes não teriam o trabalho duro nem o prazer da sua própria interpretação. Entretanto, todas as palavras do Senhor têm as suas imagens, e cada uma dessas imagens tem os seus muitos componentes, e cada um desses componentes tem a sua própria especificidade e forma. E cada pessoa ouve de acordo com a sua capacidade, e interpreta de acordo com aquilo que lhe está sendo dado."
Ainda que o interesse nas obras de Efrem tenha se acentuado a partir de meados do século XX, com a difícil seleção dos seus textos autênticos, e ele se refira mais a uma teologia simbólica, na melhor tradição siríaca de sua época, chama a atenção a sua preocupação em mostrar a linguagem como elo entre Deus e o homem. No nosso dia-a-dia, já tão conturbado, não damos muito valor às palavras, e tantas vezes as pronunciamos mecânica e automaticamente, e não as percebemos como veículos de uma série de informações sobre nossas convicções, nossas crenças e, principalmente, sobre nós mesmos. Palavras conduzem conceitos e preconceitos que nos denunciam, nos entregam, nos desnudam. Machucam também, talvez mais do que os gestos que as acompanham. Palavras engolidas podem ser sábias (Provérbios 10:19; 17:27), mas também podem sufocar (Salmo 32:3). Manter uma postura neutra parece ser fácil (às vezes), mas, se o próprio Deus se preocupou com palavras, e chamou-se a Si mesmo de Verbo, como não valorizaremos as palavras e as linguagens por meio das quais interagimos neste mundo? Abraham Heschel acrescenta:
“Algumas pessoas podem estar perguntando: Por que a luz de Deus foi dada na forma de linguagem? Como é concebível que o divino esteja contido em vasos tão frágeis como consoantes e vogais? Esta pergunta revela o pecado de nossa era: tratar de forma superficial o meio que transporta as ondas de luz do espírito. O que mais no mundo é capaz de unir homens através das distâncias do tempo e do espaço? De todas as coisas terrestres, as palavras nunca morrem. Há tão pouca matéria nelas, porém tanto significado... Deus tomou estas palavras hebraicas e soprou nelas o Seu poder, e elas se tornaram um vínculo vivo, carregado com o Espírito divino. A partir desse dia, as palavras são ligações entre o céu e a terra. Que outro meio poderia ser empregado para conduzir o divino? Figuras esmaltadas na lua? Estátuas esculpidas nas montanhas?”
(Abraham Heschel, “God in Search of Man”, citado por Eugene Peterson em “Corra com os Cavalos”, 2003, Ed. Textus e Ed. Ultimato, pág. 147)
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