domingo, 3 de outubro de 2010

Justiça social no Velho Testamento - 10

Parte 10 - A prática da compaixão

por Richard Foster

Salpicadas por toda a Antiga Aliança encontram-se o que chamo de suas leis de compaixão e preocupação. Talvez uma das mais fáceis de reconhecer seja a lei da respigadura (Levítico 19:9-20; 23:22; Deuteronômio 24:19-20). Na colheita, o lavrador devia deixar uma parte da produção ao longo das beiras e o cereal que caiu enquanto ele trabalhava, de forma que os pobres pudessem ajuntá-lo. “Quanto segardes a messe da vossa terra, não rebuscareis os cantos do vosso campo, nem colhereis as espigas caídas da vossa sega; para o pobre e o estrangeiro as deixareis: eu sou o Senhor vosso Deus” (Lv 23:22). Da mesma forma, as vinhas e os olivais não deveriam ser totalmente colhidos de modo que pudesse haver provisão para os necessitados. O livro de Rute dá um quadro vívido da ternura dessa lei. Noemi e sua nora, Rute, haviam voltado a Israel viúvas e sem terra e, portanto, indefesas, mas puderam colher as espigas deixadas no campo de Boaz (Rute 2:1 e seguintes).

No coração de Deus há uma preocupação compassiva pelos alquebrados e desesperados. Por meio da lei da respigadura, ele colocou na economia de Israel provisão para aqueles que, por qualquer motivo que fosse, tivessem ficado em posição desvantajosa. Parecia existir uma indiferença quase santa a respeito de se a pessoa merecia ou não ser pobre. O simples fato da carência da pessoa era motivo suficiente para prover para suas necessidades.

Considere a ternura nas antigas leis de dar e receber penhor. Se um vizinho tomasse emprestado seu carro de boi e deixasse a veste em penhor, você tinha de certificar-se de devolver o agasalho antes do por do sol, mesmo que ele não tivesse terminado de usar o carro. Por quê? Porque o ar noturno era frio e ele precisava da veste para se agasalhar. Se você se recusasse e seu vizinho clamasse a Deus na noite gelada, Deus advertia: “Eu o ouvirei, porque sou misericordioso” (Êxodo 22:26-27). Deuteronômio tornou essa lei especialmente obrigatória se o penhor tivesse sido dado por um pobre, visto que havia forte possibilidade de ele não ter outra veste com a qual se agasalhar (Dt 24:12). A veste da viúva não podia ser recebida como penhor – ela já era indefesa o suficiente na situação normal (Dt 24:17). A mó do moinho não podia ser recebida como penhor – era o meio de vida do homem. Era proibido invadir a casa do vizinho para tomar um penhor. A pessoa devia esperar do lado de fora da porta até que ele o trouxesse (Dt 24:10-11). A amabilidade e cortesia comum deviam permear todos os relacionamentos humanos, até as transações de negócios.

Note o enfoque sobre a concessão de empréstimos. Visto ser presumido que os devedores estariam entre os pobres e vulneráveis, era proibido cobrar juros sobre os empréstimos. Essa prática era vista como uma exploração pouco fraterna da infelicidade de outrem e apenas servia para aprofundar a dependência dessa pessoa (Dt 23:19).

O salário deveria ser pago ao pobre no dia em que o trabalho fosse feito, sem falta, porque o dinheiro seria necessário para comprar alimento (Dt 24:14-15). Se você estivesse faminto, podia comer da vinha ou campo de cereais do seu vizinho, mas não tinha permissão para guardar nada num cesto (Dt 23:24). E assim por diante. Ordens ternas. Instruções sábias e comoventes sobre relacionamentos interpessoais.

(FOSTER, Richard. Celebração da Simplicidade. Campinas: United Press, 1999, pp. 43-44)

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