Estreia hoje, 17/08/12, o filme "Corações Sujos", de Vicente Amorim e baseado na obra homônima de Fernando Morais, um excelente livro sobre um episódio pouco conhecido da história brasileira, a Shindo-Renmei.
A Shindo-Renmei (臣道連盟 em japonês) significa "Liga do Caminho dos Súditos" em português, e foi uma espécie de grupo nacionalista (hoje seriam chamados de "terroristas") formado por descendentes de japoneses que teve enorme influência no interior do Estado de São Paulo nos anos 40, tanto no período da Segunda Guerra Mundial, mas principalmente nos anos que se seguiram à derrota japonesa.
Derrota esta que eles não admitiam, já que - até então - o Japão jamais havia perdido uma guerra na sua história milenar.
A questão da rendição do Japão aos Estados Unidos dividiu a comunidade nipônica no Brasil em dois grupos, os "vitoristas" (kachigumi) que não admitiam a derrota (porque no fundo esperavam retornar ao solo natal) e os "corações sujos" (makegumi), que reconheceram o fim da guerra e queriam continuar tocando suas vidas no Brasil.
Obviamente, a divisão não foi assim tão exata, já que apenas uma parte dos kachigumi formou a Shindo-Renmei, e perseguiram os kachigumi, chegando às raias dos assassinatos por uma suposta "honra", isto numa época em que a colônia japonesa ainda não havia sido totalmente assimilada pela contraparte nativa do Brasil (e vice-versa).
Particularmente, esta história me diz respeito, ainda que eu não tenha qualquer raiz nipônica. É que cresci numa região de forte presença de japoneses, e boa parte dos meus amigos de infância eram dessa procedência.
Havia - como até hoje há - uma forte presença oriental na região de Marília, Tupã e Bastos, e meu avô tinha uma pequena fazenda em Paraguaçu Paulista ali pelos anos 1920 e 1930, que recebeu muito bem os primeiros colonos japoneses que ali chegaram.
Lembro-me de quando eu ainda era criança e - já nos anos 1970 - fui visitar uma família deles, e a batian (avó), já bem avançada em idade, ficou muito feliz e emocionada ao rever meu pai depois de muitos anos e relembrar a gratidão ao meu avô pela maneira como eles foram bem tratados quando chegaram, o que - infelizmente - não era a regra na época.
Acho que esta foi a melhor referência que eu ouvi de meu avô, a quem não tive o prazer de conhecer, já que ele morreu quando eu tinha 6 meses de idade.
Entretanto, algum tempo depois, quando eu ouvi pela primeira vez a expressão Shindo-Renmei e me assustei com o que ela significava, fui perguntar ao meu pai, mas ele ficou visivelmente incomodado e disse que aquela palavra não devia sequer ser pronunciada.
Se este trauma tinha atingido até meu pai, que não era da colônia, é fácil de imaginar a razão pela qual esse nome é tabu até hoje entre os descendentes.
Foi uma época de terror em meio a uma guerra mundial com duros reflexos num país em que as pessoas lutavam duramente para sobreviver. Uma parte da história do Brasil que não pode ser esquecida.
Alguns anos atrás, encontrei Fernando Morais no aeroporto de Congonhas, puxei papo e lhe contei a minha versão pessoal da Shindo-Renmei, agradecendo-lhe por ele ter descrito a realidade num livro que é uma verdadeira obra-prima.
Por isso, eu faço questão de ver o filme "Corações Sujos", que conta no elenco com grandes atores japoneses como Eiji Okuda, Tsuyoshi Ihara e Shun Sugata.
Se já me emocionei com o trailer abaixo, acho que terei que levar lençóis para enxugar as lágrimas no escurinho do cinema.
Como é cinema nacional, apesar do tema nipônico, corra para ver o filme porque estreia em poucas salas e o circuito não costuma durar muito, infelizmente.
Afinal, de certa forma, hoje somos todos um pouquinho japoneses também.
Como é cinema nacional, apesar do tema nipônico, corra para ver o filme porque estreia em poucas salas e o circuito não costuma durar muito, infelizmente.
Afinal, de certa forma, hoje somos todos um pouquinho japoneses também.