Reinaldo José Lopes, editor de Ciência da Folha de S. Paulo, na edição de ontem, 24/08/12. trouxe dois excelentes artigos sobre a origem das línguas indo-europeias (entre as quais está o nosso amado idioma português), conforme você pode ler abaixo:
A saga do mais importante grupo de línguas do mundo, com quase 3 bilhões de falantes nativos, começou há 9.000 anos, na atual Turquia, e está ligada às origens da agricultura.
Em última instância, portanto, seria graças à descoberta de como cultivar trigo e cevada que os brasileiros falam português e os americanos falam inglês.
A conclusão está em uma pesquisa publicada hoje na revista especializada "Science" e que almeja colocar um ponto final no debate sobre a origem das chamadas línguas indo-europeias.
A afirmação pode soar estranha à primeira vista, mas há boas razões para achar que esse grupo imenso de idiomas, que coloca no mesmo balaio o grego, o alemão, o russo e as principais línguas do Irã e da Índia, descende de um ancestral comum.
A prova disso é o vocabulário básico de todas elas --como as palavras usadas para designar parentes próximos, partes do corpo, numerais e os pronomes pessoais.
Apesar das diferenças, elas conservam um "núcleo" comum de som e significado, e as mudanças que ocorrem de um grupo de línguas para outro não são aleatórias: seguem "leis" estabelecidas.
Um exemplo é a transformação do "p" em "f" nas línguas germânicas, como o inglês. É por isso que "peixe" e "pé" viram "fish" e "foot" no idioma de Shakespeare.
O diabo era saber quando e como o ancestral dessas línguas todas começou sua carreira de sucesso.
A equipe de cientistas liderados por Quentin Atkinson, da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, resolveu responder à questão "emprestando" um método normalmente usado para estudar a evolução e propagação de vírus como o da gripe.
Grosso modo, o método compara as "letras" químicas do DNA de vários tipos de vírus para saber qual está mais próximo do ancestral comum de todos eles e, a partir disso, monta uma árvore genealógica dos parasitas usando estratégias sofisticadas de estatística.
A mesma coisa, raciocinaram Atkinson e companhia, pode valer para línguas -desde que, em vez de mutações no código genético, sejam avaliadas "mutações" no som das palavras.
Também foram incorporados elementos geográficos --com base na distribuição histórica e atual das línguas, o método calculava qual o trajeto de expansão mais provável para elas.
O resultado, em vários tipos de simulação, apontou a Turquia, há 9.000 anos, como o lugar e o tempo de origem do tronco indo-europeu. O método foi testado só para as línguas latinas, grupo do português, e deu indícios de ser confiável: mostrava o centro da Itália (onde está Roma, berço do latim) como fonte da nossa família de idiomas.
Uma hipótese que esteve em voga por décadas dizia que os primeiros indo-europeus estariam associados à domesticação do cavalo e ao aparecimento de túmulos conhecidos como "kurgans" há 6.000 anos, na atual Ucrânia.
O cavalo, espécie de tanque de guerra pré-histórico, teria permitido ao povo dos "kurgans" dominar vastas áreas, legando a língua a seus descendentes e às tribos conquistadas.
Nos últimos tempos, vinha ganhando força a hipótese da origem mais antiga, na Turquia.
As línguas indo-europeias mais primitivas, como o hitita, eram faladas por lá. Também se sabe que povos que dominam a agricultura têm vantagem sobre os demais porque "produzem" mais gente.
Estudos em esqueletos pré-históricos mostram que o DNA dos primeiros europeus agricultores (nos Bálcãs) têm grande contribuição do Oriente Médio.
Mas ninguém consegue provar que língua um esqueleto de 9.000 anos falava --não havia escrita.
Jared Diamond, autor do livro "Armas, Germes e Aço", no qual defende que o avanço da agricultura ajudou a forjar as línguas dominantes, diz que a hipótese dos "kurgans" ainda é a mais aceita pelos linguistas. "Mas, se eu fosse reescrever meus livros hoje, daria mais espaço para a hipótese dos agricultores no caso do indo-europeu."
Seria de bom tom, portanto, que os eurocéticos revissem sua posição de considerar a entrada da Turquia na União Europeia como um cavalo de Troia...