O Templo - centro da devoção mórmon em Salt Lake City e no mundo. |
Mesmo sem ser mórmon, tive o prazer de conhecer o Estado de Utah duas vezes, passando pela capital Salt Lake City em 2014 e 2015.
Utah é uma terra de grandes belezas naturais, com seus lindos e imensos parques nacionais, além dos pontos turísticos que fazem parte do inconsciente coletivo mundial como o Monument Valley.
Na segunda oportunidade, tomei mais tempo para conhecer um pouco da capital, em especial a praça do templo onde estão instalados os principais órgãos diretivos dos mórmons no mundo, além do Templo que é sede da religião.
Quando puder, ainda que de passagem, visite o Utah e a sempre bela e
As fotos que ilustram esta matéria são de minha autoria e os artigos abaixo foram escritos por Cláudia Trevisan e publicados no Estadão de 27/11/16:
Dez mil brasileiros vivem o ‘sonho americano mórmon’
No centro mundial da religião, ainda reside o veterano Cláudio dos Santos, de 101 anos, que embarcou para Salt Lake City em 1955
SALT LAKE CITY - Ser mórmon no Brasil de 1955 era integrar uma minoria de 500 pessoas, entre as quais estava Cláudio dos Santos. Naquele ano, ele decidiu se mudar com a família para Salt Lake City, o centro mundial da religião fundada nos Estados Unidos na década de 1820. Aos 101 anos, Santos é o veterano dos cerca de 10 mil brasileiros que vivem na cidade, a maioria dos quais integrantes da igreja.
Em 1955, ele embarcou com a mulher e os três filhos para Miami em uma Fortaleza Voadora, um avião militar de quatro motores usado na 2.ª Guerra Mundial. De lá, eles viajaram por uma semana de ônibus até Utah, o Estado do Oeste americano cuja paisagem árida e montanhosa foi um dos cenários preferidos para os clássicos filmes de cowboy hollywoodianos.
Placa de boas-vindas na fronteira sul do Estado, com o Arizona, já anunciando o esplendor do Monument Valley a seguir. |
Quando se fala no País, a especialidade lembrada é o rodízio
Feijoada ainda aparece, mas em segundo plano; grande parte dos funcionários é brasileira e busca aprender inglês
SALT LAKE CITY - Rodízio é sinônimo de Brasil nos Estados Unidos e, em Salt Lake City, a concorrência de espetos é acirrada. Na capital do Estado de Utah também há lugares de prato feito, feijoada, pudim e brigadeiro, regados a guaraná. Com o nome gringo de Rodizio Grill, o restaurante da família Utrera abriu as portas na cidade em 1998, quando a rede que já tem 19 endereços no país ainda engatinhava.
Dos 70 funcionários da empresa em Salt Lake City, 70% são brasileiros, na maioria integrantes da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, segundo Nicolas Utrera, filho do fundador do negócio, Ivan Utrera. Entre eles está Diego Souza, que se batizou como mórmon em 2007, quando tinha 16 anos, e se mudou para a capital de Utah em 2014.
Depois de estudar inglês por alguns meses, ele entrou na LDS Business College, a escola de negócios ligada à igreja –a sigla de três letras se refere à versão em inglês de Santos dos Últimos Dias. Os mórmons são a força dominante em Utah e representam 60% da população do Estado. Além da igreja, eles controlam algumas das melhores instituições de ensino locais e oferecem a seus seguidores estrangeiros as mesmas anuidades que cobram dos americanos – em geral, os estudantes internacionais estão sujeitos a preços mais elevados.
Souza estuda contabilidade e se formará no fim de 2017. No ano passado, ele se casou com uma americana que conheceu na igreja, com a qual pretende ter o primeiro filho em breve. “No Brasil, eu era pobre. Aqui eu também sou pobre, mas tenho carro e consigo viajar para o exterior e pensar em comprar uma casa”, disse Souza, que trabalha como garçom e churrasqueiro. Enquanto ele falava com a reportagem, um de seus colegas passou anunciando o resultado de um jogo entre Corinthians e Flamengo: “2 a 1 para o Coringão!”.
Diego Cavalcante Quiroga, de 32 anos, chegou a Salt Lake City em abril com a mulher, Jessica, e os dois filhos, de 5 e 2 anos. Mórmon como o xará, ele é garçom da Rodizio Grill, estuda inglês e pretende entrar em uma faculdade de Utah. “Para ter algo melhor, eu precisava do inglês e vim para cá para aprender mais rápido”, disse Quiroga, que é de uma família mórmon.
Feijoada. O Rodizio Grill é um dos pelo menos seis restaurantes brasileiros que existem na região de Salt Lake City – em sua maioria churrascarias. Uma das exceções é o Sweet Spot, da família Drogueti, especializado em feijoada, salgadinhos, pratos feitos e doces brasileiros. Atrás do balcão, o patriarca Reinaldo Drogueti atende cerca de 150 brasileiros a cada sábado em busca de feijoada.
A cearense Lucy Filizola, que não pertence ao mundo dos restaurantes, se mudou para Salt Lake City em 1997, quando tinha 17 anos. “Minha mãe queria que eu viajasse”, disse a filha de uma família mórmon de classe média alta do Ceará. A brasileira se casou no ano seguinte e teve seis filhos, seguindo a tradição de grandes famílias da igreja. Formada em contabilidade na LDS Business College, Lucy é separada e cria sozinha os seus seis filhos, um dos quais tem paralisia cerebral. “Não tenho empregada e todos ajudam com o irmão na cadeira de rodas”, disse a cearense, dona de uma empresa de consultoria. “Não é como no Brasil. Aqui, eles são autossuficientes e cada um é responsável por suas coisas.”
Saída em missão é ritual de ‘transição’ para a vida adulta
Aos 17 anos, Vitor, o filho de Solange Cruz e de Silvio, prepara-se para seus dois anos como missionário, um ritual que todos os homens da igreja são encorajados a desempenhar. As mulheres servem por períodos menores – 18 meses – e representam um número crescente dos jovens mórmons que tentam converter pessoas ao redor do mundo. Atualmente, a igreja tem 75 mil missionários, alguns dos quais trabalhando nos Estados Unidos.
Há 16 meses, a brasileira Luiza Renta saiu de Porto Seguro para ser missionária em Salt Lake City. Sua função é ficar na Praça do Templo para explicar a visitantes os princípios e a história da igreja, em um misto de relações públicas e busca de convertidos para a religião. Missionárias de diferentes países trabalham no local, levando crachás com suas respectivas bandeiras. Como os homens, elas andam em dupla. A atual companheira de Renata é da Mongólia, mas o par muda a cada duas semanas. “Não trocaria os 18 meses por nada.”
Placa de boas-vindas na fronteira norte de Utah, com o Idaho, na rodovia I-15 que leva a Salt Lake City. |
Clã Neeleman fica entre EUA e Brasil há 60 anos
Missionários chegaram ao País na década de 1950; família reúne hoje cerca de 80 pessoas
SALT LAKE CITY, UTAH - “Você voltaria para o Brasil comigo?” foi a primeira pergunta que Gary Neeleman fez à então namorada, Rose Lewis, quando retornou a Utah, depois de servir por dois anos como missionário mórmon no interior do Paraná e Santa Catarina. “Mas você acabou de voltar”, ela respondeu. “Sim, mas ainda não acabei”, justificou ele.
O ano era 1956. Dezoito meses mais tarde, o casal chegava a São Paulo com seu filho de 4 meses, John. Nos dez anos seguintes, Neeleman trabalharia como correspondente da agência de notícias United Press Internacional no Brasil. Nesse período, 3 dos 7 filhos do casal nasceram no Hospital Samaritano, na capital paulista, entre os quais David, dono da empresa de aviação Azul.
Sessenta e dois anos depois de pisar pela primeira vez no Brasil, Neeleman ainda não terminou sua história com o País. Desde 2001, ele é cônsul honorário do Brasil em Salt Lake City, responsável por atender uma comunidade estimada em 20 mil pessoas nos Estados de Utah, Idaho, Wyoming, Montana e Oeste do Colorado. Nove de seus descendentes foram missionários no Brasil, entre os quais um neto e uma neta que ainda estão servindo em São Paulo e no Rio Grande do Sul.
Além dos sete filhos, Neeleman e Rose têm 35 netos e 21 bisnetos, a maioria dos quais detentores de cidadania americana e brasileira. Com maridos e mulheres que foram agregados à família, o clã é formado por 80 pessoas.
“Eu gostei do Brasil e gostei dos brasileiros”, disse Neeleman, lembrando sua experiência de meados da década de 1950. Aos 82 anos, ele caminha com ajuda de uma bengala fabricada por outro empreendedor da família, Mark, dono de uma fábrica de produtos de bambu no Brasil.
Ao lado de Rose, que tem 81 anos, Neeleman fez seis viagens à Amazônia nos últimos anos para entrevistar pessoas e levantar dados para dois dos quatro livros sobre o Brasil que escreveram juntos: Trilhos na Selva, de 2011, e Soldados da Borracha, publicado no ano passado.
O primeiro conta a história fracassada da construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no início do século 20, na qual cerca de 10 mil trabalhadores faleceram, vítimas de doença tropicais. O outro fala da história de milhares de seringueiros que morreram na Amazônia durante a Segunda Guerra Mundial para garantir o crucial fornecimento de borracha para as forças aliadas durante o conflito. Em uma das viagens que fizeram à Rondônia para levantar dados para os livros, Rose e Gary passaram uma noite na estrada, quando o carro em que os levava a Jaci-Paraná quebrou.
Guerra Civil. O mais recente livro do casal, A Migração Confederada ao Brasil, conta a história dos americanos que imigraram para o Brasil no fim do século 19, deixando o Sul dos Estados Unidos, depois da derrota para o Norte na Guerra Civil americana (1861-1865).