Artigo publicado no HuffPost Brasil:
Diga não às dietas em crianças e
respeite a fome do seu filho
Sophie Deram
A maioria dos programas de "combate" à obesidade infantil incentivam as crianças a "fechar a boca e malhar", ou seja, é a responsabilidade da criança reduzir o que ela come e aumentar exercício físico com a ajuda dos adultos ao seu redor. Essa abordagem não tem funcionado e existem razões para isso. Tentativas de tratamento com dietas, remédios e cirurgia, não têm dado resultados satisfatórios e têm muitos efeitos secundários. O corpo volta a engordar na maioria das vezes.
A criança é vítima do seu meio ambiente. Vamos falar de prevenção e não "combate".
Por isso em vez de "combate" deveríamos falar de prevenção e ajudar a ampliar o foco não somente na criança. A noção de "combate" pressupõe que a criança obesa de alguma maneira tem uma responsabilidade na situação na qual se encontra. Existe uma estigmatização da criança obesa como sendo preguiçosa e sem nenhuma força de vontade ou disciplina. Isso prejudica muito essas crianças que na realidade estão presas num corpo sem saber o que fazer para mudar a situação. Isso pode até levar essas crianças a sofrer bullying e depressão.
Fechar a boca e malhar não funcionam.
É claro que ser ativo é saudável, mas excesso de atividade física pode prejudicar. Fazer dieta restritiva desregula o cérebro, aumenta o apetite, a obsessão por comer e o comer emocional. O seu cérebro percebendo uma falta de comida reduz o metabolismo e começa a "economizar". Esses efeitos são ainda mais fortes em crianças que estão em desenvolvimento. Em vez de ajudar a criança com restrições, você estressa o cérebro dela, levando à tristeza, depressão ou mesmo comer escondido. O comer escondido não é uma escolha da criança, dá muita vergonha e isso é o começo de uma vida de compulsão e relação equivocada com a comida, algo difícil de reverter.
Hoje sabemos que quase todo transtorno alimentar começa com uma dieta restritiva. Então, basicamente, fazendo dieta a criança entra no caminho de engordar e/ou de desenvolver um transtorno alimentar. Estudos mostram que adolescentes que fazem dietas aumentam em até três vezes o risco de se tornar obesas quando comparados a outros que não fizeram restrições. Até mais preocupante é o fato do que um estudo mostrou que dietas severas (diminuindo calorias ou pulando refeições) aumentam em 18 vezes o risco de desenvolver transtornos alimentares em adolescentes, enquanto dietas restritivas moderadas aumentam o risco em cinco vezes.
A obesidade infantil é evitável.
Apenas alguns casos são geneticamente inevitáveis. A Organização Mundial da Saúde (OMS) é clara sobre isso: a obesidade é evitável, mas é difícil de tratar. Quando estudamos a genética da obesidade vemos que têm mais do que 500 fatores genéticos associados a obesidade. Todos nós temos um pouco de predisposição à obesidade! Quem puxa o gatilho é o seu meio ambiente, estilo de vida, e também o estresse psicológico, remédios, desregulamento de hormônios, falta de sono e muito mais. Não é só comer demais ou ser preguiçoso!
Hoje está cada vez mais claro e comprovado que devemos enfatizar uma abordagem chamada "mindful eating" ou alimentação consciente. É uma forma compassiva e holística para conseguir-se uma alimentação saudável. Ela não somente foca nos alimentos que comemos, mas também como comemos e como nosso corpo se sente. Devemos respeitar a fome e prestar atenção à vontade e saciedade, conexões emocionais com a comida e os relacionamentos envolvidos em comer. Essa alimentação consciente concentra-se em aspectos positivos e não negativos.
Diga não às dietas em crianças
Devemos urgentemente parar de incentivar a fazer dietas, é uma questão de Saúde Pública! Há muitos anos que sou ativista contra dietas restritivas, especialmente em crianças. Fui até a Câmara dos Deputados em outubro de 2013 para participar de um seminário sobre obesidade infantil e falar sobre "O papel da alimentação no combate a obesidade infantil". Me coloquei como defensora da criança que é muito mais vítima do que culpada dessa dificuldade do excesso de peso.
Ainda em 2013 fui convidada a fazer um TEDx sobre o assunto com a palestra "O peso das dietas". Logo me deparei com o fato do que não adianta falar sobre crianças se você não muda as crenças dos pais e educadores. Finalmente, aceitei em 2014 uma proposta para escrever um livro "O peso das dietas" para alertar os adultos e desse jeito conseguir ajudar as crianças.
Uma notícia sensacional do final de agosto de 2016 foi a decisão da Academia Americana de Pediatria (AAP) de lançar novas diretrizes recomendando a prevenção conjunta da obesidade e de transtornos alimentares em adolescentes. Eles estabelecem de maneira clara que a dieta restritiva é um fator de risco tanto para obesidade, quanto para transtornos alimentares. "O foco deve ser num estilo de vida saudável ao invés de peso". SIM!!
Copio aqui uma tradução das principais recomendações da AAP a pediatras, que são principalmente direcionadas aos pais como agentes de mudança. Pais são incentivados a ser modelos saudáveis, que fornecem acesso fácil à alimentos saudáveis, limitam a disponibilidade de bebidas doces (seja com açúcares naturais ou adoçantes artificias) e oferecem refeições "caseiras" para os filhos. Pais devem ativamente desencorajar dietas e respeitar a fome de todos.
As diretrizes para a prevenção da obesidade e transtornos alimentares em adolescentes:
1. Desencorajar dietas, pular refeições ou remédios. Incentivar uma alimentação saudável e atividade física que pode ser mantida no longo prazo. Procurar um estilo de vida e hábitos saudáveis em vez de focar no peso.
2. Promover uma imagem corporal positiva nos adolescentes. Não encorajar insatisfação com o corpo ou usar essa insatisfação como uma razão para fazer dieta.
3. Procurar ter mais refeições em família.
3. Procurar ter mais refeições em família.
4. Incentivar as famílias a não falar sobre o peso (weight talk), mas a falar de alimentação saudável e de ser ativo para se manter saudável. Facilitar alimentação saudável e atividade física em casa.
5. Informar-se sobre uma possível história de bullying (weight teasing) e intimidação em adolescentes com sobrepeso e obesidade e abordar a questão em família.
Você é responsável pela rotina e pela qualidade da comida. A criança é dona da sua fome.
Não restrinja o seu filho! Respeite a fome do seu filho!
Referência: Golden N, Schneider M, Wood C (2016). Preventing Obesity and Eating Disorders in Adolescents. Pediatrics: publicado online August 22, 2016.
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27550979
http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/27550979
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Esta informação não se destina a tratar, diagnosticar, curar ou prevenir qualquer doença. Todo o material neste artigo é fornecido apenas para fins educacionais. Procure sempre o aconselhamento do seu médico ou outro profissional de saúde qualificado com qualquer dúvida que tenha a respeito de uma condição médica antes de iniciar qualquer dieta, exercício, ou outro programa de saúde.