Nidal Darwish e Kholoud Sukkarieh: o amor vencerá no Líbano? |
Sempre é bom lembrar que o casamento civil no Brasil só veio a ter força de lei pela primeira Constituição republicana, de 1891, já que até então o que valia era o casamento católico, a então religião oficial da Constituição imperial de 1824.
Portanto, já em 2013, num tempo em que a sociedade ocidental debate intensamente o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, é uma enorme surpresa saber que isso sequer existia (entre um homem e uma mulher) no conturbado Líbano até recentemente, e isto pode causar sérias consequências ao corajoso casal, conforme publicou a Folha de S. Paulo de 26/03/13:
Casal encontra brecha para driblar proibição ao matrimônio civil no Líbano
DIOGO BERCITO
Nidal Darwish e Kholoud Sukkarieh celebraram o primeiro casamento civil feito no Líbano, tornando-se marido e mulher --até que a fatwa os separe.
O matrimônio, realizado em novembro, é a bandeira da visão de país que o casal compartilha: uma nação com base em princípios seculares (não religiosos).
Contrariadas, lideranças islâmicas locais emitiram uma fatwa, espécie de ordem religiosa, afirmando que é dever de todo muçulmano opor-se ao matrimônio civil.
"Estamos vivendo num país sectário, que divide as pessoas em grupos", diz Sukkarieh à Folha. "Não queremos mais isso. Queremos uma nação que respeite a todos."
O Líbano é exceção entre países árabes ao não basear sua Constituição nas leis islâmicas. No entanto, as leis familiares estão sob jurisdição religiosa.
Assuntos como casamento e, se preciso, divórcio ainda são decididos por autoridades religiosas. Não há opção de um casamento civil.
Ativistas pelo secularismo, no entanto, convenceram Darwish e Sukkarieh a forçar o sistema, escorregando por fresta aberta na legislação.
O fato de ela ser muçulmana do ramo sunita, e o marido, do xiita, não os impedia de ter um casamento religioso. No entanto, eles encamparam a ideia da união civil.
"Alguém me disse que precisavam de pessoas corajosas para fazer o primeiro casamento civil no Líbano", diz Sukkarieh. "Eu e meu marido aceitamos os sacrifícios."
Apoiados em um texto de 1936, que permite que um cidadão não se identifique com nenhum dos 18 credos oficiais, Sukkarieh e seu marido retiraram a filiação religiosa de suas identidades oficiais. Assim, afirmaram que a união entre eles não era mais assunto de fé - e, portanto, não havia impedimento legal.
Assessorados gratuitamente pelo Centro Civil para a Iniciativa Nacional, eles levaram o pedido a um notário e oficializaram o casamento.
"Tivemos de manter segredo por dez meses", diz Sukkarieh. "Alguns dos documentos que tivemos de providenciar eram novos. Foi necessário prepará-los sem poder dizer às autoridades o porquê."
A união, porém, não foi validada pelas autoridades responsáveis, e o casal ficou sem os direitos familiares, como aqueles relativos a herança e guarda de filhos.
"Isso balança o sistema e força os legisladores a rascunhar uma lei civil para o casamento", diz à Folha o parlamentar Ghassan Moukheiber, um dos fundadores do Centro Civil. "É uma mudança importante no modo com que o país está lidando com os seus próprios processos."
A união foi desafiada pelo sistema e atacada pelas lideranças religiosas. Mas, em um sinal de que o buraquinho aberto no dique da lei pode levar a uma enxurrada laica, políticos de peso, como o presidente Michel Suleiman e o ex-premiê Saad Hariri, saíram em defesa de realizar o matrimônio secular no país.
Pela lei atual, apesar de não ser possível fazer o casamento civil no Líbano, o país reconhece matrimônios seculares contraídos no exterior. Dessa maneira, virou tradição casar-se em Chipre ou na Turquia.
"Alguns casais estavam planejando fazer isso em breve, mas, quando ouviram falar sobre nós, cancelaram suas viagens", diz Sukkarieh.
Criticados por amigos e familiares, esse casal libanês afirma estar orgulhoso de sua união servir de símbolo para um país secular ainda por vir.
"Nós ouvimos milhares de vozes contrárias", diz Sukkarieh. "Mas estamos orgulhosos de nunca ter desistido."