terça-feira, 12 de março de 2013

O cenário político do conclave


Artigo publicado na Folha de S. Paulo de 11/03/13:

Forças internas se dividem em 4 alas

JOHN L. ALLEN JR.
DA "NATIONAL CATHOLIC REVIEW"

Para compreender as forças que influenciarão o conclave que elegerá o sucessor de Bento 16, comecemos pelo óbvio. Primeiro, o conclave não funciona como uma prévia eleitoral qualquer. Os 115 cardeais que votarão foram todos indicados por João Paulo 2º ou Bento 16, o que significa que não haverá grande disputa ideológica. Não importa o que aconteça, é quase certo que a igreja não reverta sua proibição a aborto, casamento homossexual ou sacerdócio feminino. As transições papais em geral envolvem mais mudanças de tom do que de substância.

O segundo ponto é que este conclave será diferente da versão anterior, em 2005, em cinco aspectos cruciais:

Acontece depois de renúncia, e não de uma morte. Não haverá elogios fúnebres constantes ou multidões de fiéis expressando pesar; com isso, os cardeais podem se sentir mais livres para criticar. Além disso, tendo tomado uma decisão inesperada, Bento 16 parece ter encorajado a originalidade de pensamento.

Em 2005, apenas dois cardeais haviam participado do conclave anterior -o norte-americano William Baum e Joseph Ratzinger, que se tornou Bento 16. Este ano, 50 dos 115 cardeais participaram de um conclave. Isso pode significar que os cardeais estarão mais organizados, ou que será um processo mais longo se todos os veteranos quiserem se pronunciar.

Em 2005, as rodadas iniciais de votação representavam "sim" ou "não" quanto a Ratzinger. Hoje não há um ponto único de referência.

Em 2005, Ratzinger ocupava posição ideal para consolidar o consenso, como decano do Colégio dos Cardeais. Desta vez, o decano é o cardeal italiano Angelo Sodano, que já tem 85 anos. A outra figura crucial, o italiano Tarcisio Bertone, 78, camerlengo do Vaticano, não é considerado candidato sério. Ou seja, ninguém tem vantagem.

Somados, esses contrastes sugerem que, vista de fora, esta eleição papal é mais difícil de prever e, por dentro, talvez seja mais difícil montar uma coalizão vitoriosa.

É possível observar uma disputa de quatro alas principais. Não são blocos claros, com plataformas e porta-vozes, mas sim tendências que circulam entre os cardeais. Algumas delas divergem sobre a visão do futuro; outras coincidem.

GOVERNANÇA

A primeira podemos chamar de "ala da governança", o que significa os cardeais que acreditam que a administração interna da Igreja, a começar pela do Vaticano em si, sofreu sob Bento 16. Em geral, não imputam a ele a maior parte da culpa, mas aos homens que o cercavam, especialmente Bertone.

Essa ala está em busca de um papa inclinado a tomar as rédeas pessoalmente, ou ao menos mais astuto na seleção de assessores capazes de fazer a máquina funcionar.

PASTORAL

Em segundo lugar vem a ala "pastoral", ou seja, cardeais que buscam um pontífice menos definido pela ideologia e capaz de sanar as divisões internas e considerar de maneira nova questões espinhosas, como a comunhão para católicos divorciados.

A referência para essa ala pode ser o cardeal Christoph Schönborn, de Viena, dominicano e protegido teológico de Bento 16, que manteve aberta a comunicação com subordinados dissidentes e deu a entender que poderia reconsiderar o celibato compulsório. Difícil determinar se os cardeais elegeriam mais um europeu de fala alemã.

TERCEIRO MUNDO

Outra força é a ala "do Terceiro Mundo", que acredita que é hora de a igreja eleger um papa que dê representação à forte presença católica fora dos países ocidentais.

O cardeal Peter Turkson, de Gana, presidente do Conselho Pontifício de Justiça e Paz, é um dos porta-vozes. Mas não são apenas prelados do Terceiro Mundo que defendem essa causa.

Muitos identificam o relacionamento com o islã como prioridade crítica para o novo papa; outros acreditam que um candidato com experiência em convivência com muçulmanos se enquadraria bem às necessidades.

EVANGÉLICA

Por fim, a ala que se pode definir como "evangélica" é a dos cardeais que dariam continuidade intelectual aos ensinamentos de Bento 16, mas com um toque mais popular e uma orientação missionária mais pronunciada.

Angelo Scola, de Milão, é figura importante. Especialista em antropologia moral do mesmo círculo de Bento 16, passou mais tempo em trabalho pastoral e fica mais confortável no contato com a mídia e em funções públicas.

Essas divisões são porosas, e muitos cardeais poderiam se identificar com mais de uma. A necessidade de preservar o consenso pode prenunciar a busca de um candidato que atraia simultaneamente vários desses grupos.

Como escreveu Andrea Tornielli, um veterano observador do Vaticano, "dessa vez pode ser bem complicado chegar à fumaça branca".

JOHN L. ALLEN JR. é correspondente sênior da "National Catholic Review" e autor de sete livros sobre a Igreja Católica.

Tradução de PAULO MIGLIACCI



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