quarta-feira, 15 de maio de 2013

Como a praga de Justiniano moldou o mundo

Justiniano foi o imperador bizantino entre 1º de agosto de 527 e 14 de novembro de 565 d. C., 38 anos de glória para o Império Romano do Oriente, também conhecido como Bizâncio, território onde florescia o ramo ortodoxo do cristianismo, que, apesar das intrigas religiosas, ainda não havia se separado completamente de Roma, o que só viria a acontecer em 1.054.

Por um curto período de tempo, Justiniano (cuja imagem chegou até nós pelo mosaico ao lado) conseguiu reunificar o antigo Império Romano do Ocidente ao Oriente, e deixou um enorme legado para a posteridade, inclusive para você que lê este artigo, que foram as Institutas (ou 'Institutiones'), sobre as quais você pode saber mais lendo "o que é instituto jurídico" aqui no blog.

Independentemente de você ser ou não profissional da área do Direito, a sua vida continua sendo influenciada pelas "Institutas" de Justiniano, em pleno século XXI.

Defensor do monofisismo, Justiniano não só quis unificar a Igreja cristã sob seu comando, como também atacou em outras áreas, fechando a Academia de Platão em 529, proibindo o Talmude nas sinagogas em 540 e perseguindo o misticismo egípcio em 550.

Hagia Sofia, a glória de Bizâncio
Demonstrou todo o seu fervor religioso entre 532 e 537, quando construiu uma das maravilhas sacras do mundo, o esplendor da arquitetura bizantina que é a Basílica de Santa Sofia em Constantinopla (hoje Hagia Sofia em Istambul, Turquia), que foi a maior catedral cristã do globo por 900 anos.

Mas nem tudo foram flores durante o reinado de Justiniano. Havia uma praga no meio do caminho caminho. 

E que praga...

Não era bíblica, é verdade, mas deixou consequências religiosas que moldaram o mundo a partir de então.

Começando em 540, uma epidemia daquilo que hoje se supõe ter sido peste bubônica, que então era conhecida "apenas" como "a Praga", começou rapidamente a dizimar boa parte da população não só de Bizâncio mas de todos os territórios adjacentes da Europa, Ásia e África, do século VI ao século VIII.

As estatísticas da época eram inexistentes, mas estima-se que dezenas de milhões de pessoas morreram em decorrência da Praga. 

Mais de 100 milhões pereceram, segundo outras fontes. 

Pelo menos metade da população europeia desapareceu do mapa (há quem diga que foram incríveis 2/3). 

Números astronômicos para uma era em que a população mundial, incluindo os continentes ainda desconhecidos, devia estar ao redor de 300 milhões de pessoas.

Tudo isto numa era em que a medicina era primitiva, nem se falava em epidemia ou higiene e não havia nenhum sistema público de saúde ou assistência social.

Estes são conceitos e disciplinas que só foram se sedimentar 1.500 anos depois.

A Praga

No ano 542, o historiador Procópio relatou que a pestilência quase aniquilou a humanidade da face da Terra e - só no Império Bizantino -, 4 meses depois da eclosão da Praga, 5.000 pessoas morriam por dia, chegando a picos de 10.000 vítimas fatais diárias em algumas ocasiões.

O horror...

O próprio Justiniano foi acometido pela Praga eternizada com o seu nome, mas surpreendentemente se curou. 

Tarde demais, entretanto, para salvar não só a sua população como o seu próprio Império, que, além de não poder mais empreender as guerras de conquista até então vitoriosas, após a sua morte não tinha mais forças para resistir ao avanço dos demais povos europeus e do islamismo a partir do século VII.

Assim como no futebol, onde se diz que o "se" não entra em campo, na História o mesmo se aplica, mas não é de todo equivocado conjecturar que, SE a Praga não tivesse existido, o Império Bizantino teria moldado os séculos vindouros e o islamismo poderia ter tido pouca ou nenhuma repercussão no mundo.

Yersinia pestis, a culpada
Os cientistas já suspeitavam que tanto a Praga de Justiniano como a Peste Negra, que cobrou a vida de cerca de 200 milhões na Europa do século XIV, tinham em comum o mesmo agente bacteriológico, no caso o micro-organismo Yersinia pestis, mas agora obtiveram finalmente a confirmação.

Curiosamente, a evidência conclusiva veio d'além dos Alpes, em terras germânicas, para onde Justiniano não havia conseguido estender os seus domínios, mas a devastadora e letal pandemia chegou lá.

Para resolver finalmente o mistério, cientistas alemães conseguiram extrair e analisar o DNA de 19 esqueletos do século VI, que - ao que tudo indica - haviam morrido por causa da Praga de Justiniano e estavam enterrados num cemitério de Aschheim, nas proximidades de Munique, na Bavária.

Barbara Bramanti, arqueogeneticista da Universidade Johannes Gutenberg de Mainz (Alemanha), afirmou que "é sempre muito emocionante quando nós conseguimos descobrir a verdadeira causa das pestilências do passado".

O microbiologista Holger Scholz, do Instituto de Microbiologia Bundeswehr de Munique (Alemanha) acrescenta que "depois de tanto tempo [quase 1.500 anos] alguém é ainda capaz de detectar o agente da Praga mediante modernos métodos moleculares".

Os pesquisadores chegaram também à conclusão de que, a exemplo de outras tantas pandemias cíclicas da história, a Praga de Justininiano se originou na Ásia, embora outras fontes históricas digam que ela apareceu primeiro na África antes de cruzar o Mediterrâneo e atingir em cheio o continente europeu.

Além da Praga de Justiniano e da Peste Negra, muitas outras pragas atacaram todo o planeta pelos séculos a fio, nenhuma entretanto com tamanha repercussão e fatalidade.

Aliás, a praga continua circulando entrincheirada em bolsões miseráveis de zonas rurais mundo afora, mas hoje talvez um bom antibiótico seja capaz de curá-la. Para nossa alegria!

Ou não...

Fontes: Wikipedia: Justinian I, Plague of Justinian e World Population; Bible History Daily; e Discovery News





Nota de 18/03/2023: Este artigo foi escrito quase 10 anos atrás. Percebo que ainda há leitores que nos dão o prazer de sua visita para lê-lo, o que me permite retornar no tempo para confessar que eu jamais imaginei que — 15 séculos depois da Praga de Justiniano — enfrentaríamos uma pandemia como a da COVID-19 que atingiu seu pico global nos anos de 2020 e 2021, levando consigo milhões de vítimas, sem nos dar tempo nem de nos despedirmos e passarmos por nossos rituais de luto. 

Registro, portanto, minha solidariedade com os que sobreviveram e o meu carinho a todos os que compartilham dessa doída condição humana e que perderam seus queridos na dura travessia dos últimos anos.



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