O gênio do cotidiano Nelson Rodrigues cunhou a expressão "complexo de vira-lata", pela qual definia "a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo".
Ainda na lição do imortal jornalista e dramaturgo carioca (embora nascido pernambucano do Recife, de onde saiu aos 4 anos de idade) acrescentava que "o brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a auto-estima".
Infelizmente, até hoje boa parte dos brasileiros segue cultivando essa síndrome, sobretudo na elite que procura justificar a sua dominação perene desde os tempos escravocratas, embora muitos jovens das classes mais baixas continuem comprando a ideia do seu negativismo nativo autoimposto.
Não que não nos faltem problemas. Eles estão aí de montão, mas aos poucos parece que vamos aprendendo a dar valor ao que é nosso, sem desmerecer o que é dos outros.
Por isso chama a atenção a declaração de Anthony Zuiker, criador do seriado norteamericano CSI, dizendo de seu interesse em se associar a produtores brasileiros para investir na produção de conteúdo nacional para a TV paga.
Obviamente, ele não está fazendo isso por ter sido picado por alguma mosca patriótica, mas porque sabe que pode ganhar muito dinheiro investindo no Brasil.
Não deixa de ser uma atitude muito diferente daqueles que ainda preferem desprezar o que é feito aqui e acolher de braços abertos tudo o que vem de fora sem nenhum zelo crítico.
Ao dizer que "não quer mandar a mensagem de que o Brasil é um lugar de traficantes", Zuiker revela uma sensibilidade muito maior do que os produtores brasileiros de TV e cinema, ainda presos a estereótipos do país e do Rio em especial que, ao que parece, preferem eternizá-los nos corações e mentes do mundo inteiro.
A franquia CSI Miami já esteve no Rio no início da 5ª temporada (2006), com cenas paradisíacas, digamos, "pra americano ver" (no caso, o Horatio), conforme você pode perceber pelo vídeo abaixo:
Será que vem aí o CSI Rio? A matéria foi publicada no Estadão de hoje, 01/05/13:
'Gostaria de produzir versão de CSI no Rio'
Criador da franquia defende lei que criou cota nacional na TV paga, defende as novelas e fala de novo reality show
JOÃO FERNANDO
"Quero fazer todo mundo ficar rico" - em um português carregado de sotaque, foi este o aviso que o norte-americano Anthony Zuiker, de 44 anos, criador da franquia de séries policiais CSI deu para seus discípulos na passagem pelo Brasil, no final de março, quando veio dar lições aos roteiristas dos canais Globosat.
Antenado, ele sabia que a lei 12.485, que obriga canais pagos a exibiram produções nacionais, está mexendo com o mercado. "Tem algo de especial acontecendo aqui. O governo brasileiro tem visão de fortalecer a TV paga. Isso é um presente que fará diretores, roteiristas e produtores a criarem um nível de histórias que será um cartão postal para o mundo, além de capturar o que há de bom nos brasileiros, Tudo isso será mostrado do ponto de vista do Brasil e o mundo vai entender", disse, em conversa com o Estado.
Ao contrário de Marta Kauffman, criadora da série Friends, que declarou que as novelas estão com os dias contados, Zuiker prevê longa vida ao formato. "A novela é um componente importante que não pode ser desfeito, tem de ser respeitada. Elas vão elevar os níveis dos roteiros que estamos fazendo. Todo mundo que criar programas no futuro deverá tudo às novelas", sentencia.
Fã de caipirinha, ele não descarta fazer um CSI Rio. "Eu, particularmente, tenho muito interesse em coproduzir isso com alguma empresa brasileira. Quando saí da churrascaria, vi pela janela os aviões, o mar, as pessoas em barcos e pensei: é como CSI Miami, mas é o Rio. Sinto que aqui é um lugar do mundo em que todos deveriam conhecer. Mal posso esperar para ver o que os autores poderiam criar sobre isso."
Cidade de Deus é a primeira produção brasileira que lhe vem à cabeça. Ele, porém, avalia que a versão nacional do CSI teria outro enfoque. "Em 24 episódio de um programa sobre crimes no Rio, o tráfico estaria em só um. Como produtor executivo, o que menos faria em um programa desses no Brasil seria falar sobre traficantes de drogas. O Brasil não é só o tráfico de drogas, há cultura rica, paixão, arte, suas pessoas, a comida e a caipirinha. Não queremos mandar a mensagem de que o Brasil é um lugar de traficantes. Todos os países têm problemas com o tráfico", defende.
Recentemente, Zuiker produziu nos EUA o reality Whodunnit? (Quem Fez Isso? em livre tradução) em que pessoas comuns desvendam crimes no estilo CSI. "É o ponto de vista de um cidadão comum, não de um especialista. É interessante ver uma dona de casa sem experiência nisso, mas tem instintos. No final, vão descobrir que há um assassino no grupo."
Antes de emplacar a série de sucesso, Zuiker trabalhava como condutor do trem de um hotel em Las Vegas, onde cresceu. Ao vender por US$ 35 mil o roteiro de Aposta Mortal (1999) e ver que um produtor o revendeu por US$ 1 milhão, ele continuou na luta e criou CSI após ver um programa sobre investigações no Discovery Channel.
Anthony Zuiker recomenda aos roteiristas iniciantes criar em grupo. "Não trabalhe sozinho achando que é o único com ideias na cidade. Minha confiança é abalada o tempo todo. Todos os dias tento ser brilhante. Às vezes, consigo, às vezes, não. Se você não aceitar colaboração, não vai conseguir fazer. A regra é: não compita, é ruim para o negócio", ensina.