O excelente artigo abaixo foi publicado no jornal Valor no dia 07/05/13 e mostra esse contraditório retrato dos homens (e mulheres) de negócios brasileiros, que gostam de se imaginar "espirituais" na direção das suas empresas ao mesmo tempo em que o país tem um dos piores níveis de distribuição de renda no mundo. Esquisito, não?
Podem vir lá do alto ideias para as terrenas aflições dos executivos
Ediane Santiago
O acaso é a explicação mais simples e óbvia para o estrondoso sucesso editorial do livro "O Monge e o Executivo" no Brasil. Os editores da Sextante, que publica a obra por aqui, e o autor James C. Hunter são categóricos, quando afirmam que não conseguem explicar o fenômeno. Escrito em 1998, o livro chegou às livrarias brasileiras em 2004. Desde então, vendeu mais de três milhões de cópias, ou 75% do total mundial, lembra Hunter. É exemplo também de longevidade, com mais de oito anos no topo das listas dos mais vendidos no país.
Tomás da Veiga Pereira, sócio da Sextante, lembra que a história de "O Monge e o Executivo" começou com uma trivial pesquisa aos livros sobre espiritualidade e liderança listados no site da Amazon. "Tivemos interesse pelo título. Vimos que não era um sucesso de vendas nos Estados Unidos, mas resolvemos trazê-lo." As expectativas eram, na época, baixas e toda a negociação com o autor aconteceu normalmente, sem nenhuma pretensão de sucesso. Já no primeiro ano, os brasileiros ficaram curiosos sobre a história de um monge capaz de ensinar conceitos de liderança para um executivo bem-sucedido. O livro vendeu 43 mil exemplares. Em 2005, estourou no mercado, com 428 mil cópias, chegando ao topo, em 2006, com a impressão de 683 mil unidades.
"Talvez uma das maiores sacadas tenha sido o título", explica Pereira. Batizado nos Estados Unidos como "The Servant" (O servidor), o livro não teria o mesmo apelo se os editores mantivessem a tradução literal. "Os brasileiros adoram uma boa história e a imagem do líder espiritual envolvido com ensinamentos profissionais chamou a atenção", diz Hunter. A aceitação do texto pelos brasileiros despertou a atenção do autor, que nos últimos oito anos visitou o Brasil mais de 20 vezes, ministrou, pelo menos, 70 palestras sobre liderança em mais de 30 cidades e aprendeu muito sobre o país. "A espiritualidade é forte e presente para as pessoas. Os brasileiros querem e esperam mais de seus líderes e veem com bons olhos os conceitos espirituais aplicados à liderança", comenta.
Em um país com grande contingente católico e crescente número de evangélicos, o vínculo entre os conceitos de liderança e os ensinamentos de Cristo também devem ter contribuído para ampliar o interesse. "O título extrapolou o universo profissional. Foi adotado por escolas de negócios, entidades que ensinam ética, igrejas e uma variedade muito grande de leitores", diz Pereira.
Outro ponto sinérgico entre os conceitos apresentados por Hunter e seus leitores no Brasil está no fato de a liderança, para ele, estar baseada em relacionamentos. "Bons relacionamentos refletem ótimos negócios e os brasileiros dão muita importância às suas relações", explica. Para Hunter, a capacidade de manter relações saudáveis com clientes, consumidores, empregados, acionistas e fornecedores é uma das qualidades mais raras dos líderes.
Saber como aproveitar o talento para o convívio no trabalho é um dos desafios para profissionais de todas as áreas. Nesse ponto, o livro faz recomendações para não "misturar" as coisas e fala de um amor servil do líder aos seus negócios e equipes. "O poder está na capacidade de influenciar e inspirar pessoas para a ação e a busca da excelência."
Em seus encontros com homens de negócios no Brasil, Hunter percebeu um comentário comum sobre o livro: a capacidade de conectar os conceitos de amor e liderança. "Os executivos brasileiros sempre associaram amor a um sentimento. Quando aprendem que, na realidade, amor é um verbo e é algo para ser praticado, experimentam uma espécie de libertação." Segundo o autor, a liderança que coloca o líder à disposição do outro cria um ambiente no qual é possível conquistar o entendimento da equipe sobre as legítimas necessidades do negócio, criando bases para a prosperidade. "Não peço para os executivos gostarem das pessoas, mas para amá-las. Isso significa que não importa o que sentem por elas, mas a forma como agem em relação a elas", diz Hunter.
O curioso, afirma o autor, é que o livro, escrito há 15 anos, está repleto de princípios de liderança compatíveis com conceitos ecoados em qualquer lugar do mundo. Portanto, não há motivo concreto para o livro ter se tornado um sucesso maior no Brasil. "Não são ideias minhas. Sempre digo aos executivos que não vou instruí-los, mas lembrá-los de importantes ensinamentos. Entre eles, o de tratar os outros como gostaria de ser tratado."
Os bons momentos vividos pela economia brasileira desde 2004 integram os fatores que podem ter contribuído para o êxito do livro. Hunter não chega a relacionar o desempenho econômico do país diretamente ao comportamento das vendas, mas não tem dúvida de que o Brasil precisa capacitar líderes e prepará-los para o mercado global. "Aqui existem todos os fatores para a grandeza de uma nação. Recursos naturais, pessoas amáveis, diversidade cultural, extensão de terras, entre outros. Na minha perspectiva, a única coisa que pode travar o desenvolvimento do Brasil é a falta de bons líderes."
"O Monge e o Executivo"
James C. Hunter. Tradução: Maria da Conceição Fornos de Magalhães. Editora: Sextante. 144 págs., R$ 19,90