quinta-feira, 13 de junho de 2013

A revolução sexual iraniana

Artigo publicado originalmente no Foreign Policy com o título Erotic Republic, traduzido para o português por Alexandre Hubner e publicado no Estadão em 09/05/13:

A revolução sexual no Irã

O aumento no número de divórcio e a queda de natalidade revelam uma mudança cultural no país

AFSHIN SHAHI

Quando alguém fala no Irã, o que logo vem à mente das pessoas? Aiatolás, fanatismo religioso, mulheres cobrindo o rosto, não ? E a revolução sexual? Pois é. Nos últimos 30 anos, enquanto os principais veículos da imprensa ocidental se preocupavam com as políticas radicais, o país passava por uma transformação social.

Ainda que não necessariamente positiva ou negativa, a revolução sexual iraniana não tem precedentes. São tamanhas as mudanças que muitos membros da diáspora iraniana ficam perplexos quando visitam o país. "Hoje, Teerã faz Londres parecer conservadora", diz um iraniano-britânico que esteve recentemente na capital do Irã. Com relação aos costumes sexuais, o Irã avança em ritmo acelerado.

Não é fácil obter dados confiáveis sobre os hábitos sexuais dos iranianos. Apesar disso, as estatísticas têm informações interessantes. Taxas de natalidade em declínio, por exemplo, indicam a disseminação de métodos anticoncepcionais e de outras formas de planejamento familiar.

Nas últimas duas décadas, o país teve a mais acentuada queda na taxa de fertilidade da história. O crescimento caiu de 3,9% ao ano, em 1986, para 1,2%, em 2012. Ao mesmo tempo, nas últimas três décadas, a idade média em que os homens se casam subiu de 20 para 28 anos. E as iranianas, agora, se casam cinco anos mais tarde do que há uma década.

Cerca de 40% de adultos em idade de casar são solteiros. O número de divórcios triplicou de 50 mil, em 2000, para 150 mil, em 2010. Atualmente, para cada sete casamentos há um divórcio. Nas cidades maiores a taxa é bem mais alta. Em Teerã, o índice é 1 divórcio a cada 3,76 casamentos - um número comparável ao da Grã-Bretanha, onde 42% dos casamentos terminam em divórcio.

As mudanças nas atitudes em relação ao casamento e ao divórcio coincidem com uma alteração drástica na maneira pela qual os iranianos veem os relacionamentos amorosos e o sexo.

Numa sondagem citada em dezembro de 2008 por um funcionário de alto escalão do Ministério da Juventude, a maioria dos homens admitiu ter tido ao menos um relacionamento com alguém do sexo oposto antes do casamento. Além disso, 13% desses relacionamentos "ilícitos" resultaram em gravidezes indesejadas e abortos - número que, embora modesto, seria impensável há uma geração.

Não é de se espantar, portanto, que o centro de pesquisas do ministério tenha advertido que "os relacionamentos pouco saudáveis e a degeneração moral são as principais causas dos divórcios entre os jovens".

Prostituição. A indústria clandestina do sexo também cresceu muito nas últimas duas décadas. No início dos anos 90, a prostituição estava presente na maioria das cidades grandes e médias - principalmente em Teerã -, mas a atividade tinha de ser conduzida sob o mais absoluto sigilo. Agora, a prostituição é um fenômeno visível em muitos centros urbanos. As prostitutas frequentam certas ruas, onde ficam à espera de serem abordadas por algum cliente. Há dez anos, o jornal Entekhab dizia haver perto de 85 mil profissionais do sexo só em Teerã.

Recentemente, o diretor da Organização de Bem-Estar Social, mantida pelo Estado iraniano, disse à BBC: "Certas estatísticas não têm função positiva para a sociedade. Pelo contrário, seu impacto psicológico é negativo. Melhor não falar sobre elas".

No entanto, os dados disponíveis indicam que entre 10% e 12% das prostitutas iranianas são casadas, o que é particularmente surpreendente diante das severas punições aplicadas pela lei islâmica ao sexo fora do casamento, em especial no caso das mulheres. No entanto, mais surpreendente ainda é saber que, no Irã, a prostituição não é um reduto exclusivamente feminino. Um novo relatório confirma que mulheres ricas de meia-idade, assim como moças de alto nível educacional que procuram relacionamentos sexuais temporários, recorrem aos serviços prestados por profissionais do sexo masculino.

Seria um erro, claro, imaginar que os valores tradicionais desapareceram sem deixar vestígio. A cultura patriarcal ainda é forte e valores ainda são mantidos por classes sociais tradicionais, sobretudo em cidades pequenas e vilarejos do interior. Mas seria igualmente um erro imaginar que a liberalização sexual só ganhou força entre as classes médias urbanas.

O que impulsiona a revolução sexual no Irã? Há diversas explicações possíveis, entre as quais se incluem fatores econômicos, urbanização, novas ferramentas de comunicação e surgimento de uma população feminina com alto nível educacional - e é provável que todas elas sejam responsáveis pela mudança no modo como iranianos e iranianas veem o sexo.

A maioria desses elementos também está presente em outros países da região, onde não se observam transformações análogas. O que faz, então, a diferença no Irã? Paradoxalmente, é o estado puritano - rígido, separado da realidade e obcecado em combater os "vícios" e promover a "virtude" - que parece estar estimulando esse emergente veio liberalizante.

Desde que a Revolução Islâmica de 1979 levou o aiatolá Ruhollah Khomeini ao poder, o regime se estrutura em torno da noção de moralidade coletiva, impondo códigos de conduta severos e praticamente eliminando a distinção entre as esferas pública e privada.

Manter o caráter islâmico do país é uma das principais fontes de legitimidade do regime, de modo que quase não há aspecto da vida privada que não seja regulado por sua interpretação da lei islâmica. Os clérigos iranianos, com frequência, emitem fatwas sobre a aceitabilidade de íntimos cenários sexuais.

Mas, passados 34 anos, o sucessor de Khomeini fracassou na tarefa de criar uma sociedade utópica - fato que revela a falência moral e ideológica de um regime em dificuldades econômicas e políticas. Essa verdade incômoda não passa despercebida pelos jovens no Irã, onde a mudança de hábitos sexuais tornou-se uma forma de resistência passiva.

Ao desafiar os mandamentos do Estado, os iranianos estão colocando a sua legitimidade em questão. E o único efeito dos débeis esforços empreendidos pelas autoridades para fazer frente às movimentações sísmicas pelas quais a sociedade passa - como os repetidos alertas sobre o perigo dos "relacionamentos ilícitos" - é alienar ainda mais os que elas querem controlar.

De modo gradual, mas inexoravelmente, a revolução sexual iraniana está exaurindo o fervor religioso de um Estado que se aferra à noção farsesca de uma sociedade utópica e se ampara em princípios fundamentalistas insustentáveis. Em Nova York, Sex and the City talvez seja algo vazio e banal, mas, no Irã, suas implicações sociais e políticas são profundas.



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