A atual comoção popular que toma conta das ruas do país revela um estranho mundo paralelo habitado por alguns expoentes do meio evangélico brasileiro.
Algumas semanas atrás, Silas Malafaia se gabava de ter realizado a maior manifestação pública em muitos anos na capital federal, Brasília, contra a aprovação judicial do casamento gay.
É verdade que ele aproveitou para se referir, ainda que em ínfima escala, a algumas das atuais demandas que são gritadas nas ruas, como o combate à corrupção e a rejeição à PEC 37, que limita os poderes investigatórios do Ministério Público.
Entretanto, todos os que ali estavam (e os que o viram pela mídia) sabiam desde longa data que a fixação de Silas Malafaia é contra o movimento homossexual, e um alienígena que descesse em Brasília naquele instante imaginaria que os grandes inimigos dos cristãos são os gays.
Por sua vez, esta semana Marco Feliciano conseguiu aprovar na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados o seu projeto de cura para os homossexuais em plena fervura dos protestos populares nas cidades grandes e pequenas de todo o país.
Independentemente do que se pense a respeito das iniciativas dos consagrados “pastores”, que têm as suas próprias denominações evangélicas para chamar de “suas”, isto mostra o descompasso em que eles vivem em relação ao que povo quer do país.
Se é também verdade que o ditado que diz que “a voz do povo é a voz de Deus” é uma falácia surrada e desmentida pela experiência de todos os povos e nações, é inevitável comparar a voz das ruas com as demandas públicas daqueles que dizem representar o Todo-Poderoso.
Por mais legítimo que seja o protesto democrático dos conhecidos figurões evangélicos, com todos os erros e acertos que se lhes possam ser atribuídos, resta a impressão de que eles estão completamente desconectados do que se passa na sociedade em que vivem.
Pior, ainda: não são portadores de uma mensagem viva e eficaz a ser compartilhada com esta geração.
Teriam uma boa desculpa, pelo menos do ponto de vista espiritual e restrita ao gueto evangélico, se dissessem que são “cidadãos de outro mundo”, não fosse a sua ostentação pública e a sua pregação da prosperidade características tão marcantemente materiais e carnais de sua arrogante visão de mundo.
O grande problema para a igreja cristã é que esses indivíduos se arvoram em legítimos representantes do cristianismo, e passam à população a impressão de que a mensagem do evangelho não é a redenção do pecador pelo sangue de Cristo vertido na cruz, que o habilita a lutar por e construir um mundo eticamente melhor, mas quem, quando e como o cidadão leva para a cama no recôndito do seu lar.
O “evangelho” deles se parece mais, portanto, com um fetiche, um desejo íntimo e inconfessável de espionar pelo buraco da fechadura e controlar o que os outros fazem entre quatro paredes.
Difícil acreditar que o ato de Feliciano seja só um problema de timing, já que ele sabia exatamente o que estava fazendo no olho do furacão que varria as ruas do país.
Embora a única coisa maior que o ego do Malafaia seja - provavelmente - a sua verborragia, talvez tenha sido a sua vaidosa autopercepção de paladino antigay que o tenha motivado a marcar um protesto para Brasília quando a voz rouca das ruas apontava em outra direção.
Alguém já disse que quem protesta contra tudo na verdade protesta contra nada, atentando unicamente para a sua própria necessidade de se expressar, ainda que coletivamente dissolvida.
É provável que o mesmo se aplique a Malafaia e Feliciano. Talvez queiram apenas chamar a atenção para si mesmos e assim obter algum tipo de vantagem. Freud explica!
“Vaidade, tudo é vaidade”, já iniciava assim Salomão seu livro Eclesiastes. Melhor então acusar a vaidade como a grande culpada pelo atropelamento de Malafaia e Feliciano pelas ruas do país.
O grande problema, entretanto, é que o nome “evangélico” fica igualmente esmagado e pisoteado nos asfaltos espalhados pelo Brasil.