domingo, 2 de junho de 2013

Seria a eutanásia justificável do ponto de vista cristão?


Nossa leitura especial de domingo traz um artigo instigante traduzido e publicado pelo IHU.

É um texto longo e (devo alertar) inconclusivo, mas que aponta caminhos muito interessantes, não só morais ou teológicos, para um debate que todos preferiríamos evitar, mas alguns, infelizmente, terão que enfrentá-lo um dia, talvez:

Pode haver uma justificação cristã da eutanásia?
Artigo de Giannino Piana

Por trás da tendência de submeter o paciente a qualquer tipo de tratamento, há muitas vezes, de um lado, uma concepção equivocada da vida humana reduzida à sua dimensão biológica e, de outro, a busca (talvez inconsciente) de autoafirmação do médico. Mas, sem dúvida, a razão mais importante da demanda eutanásica hoje é constituída pela conscientização cada vez maior do direito de morrer com dignidade.

A análise é do teólogo italiano Giannino Piana, ex-professor das universidades de Urbino e de Turim, e ex-presidente da Associação Italiana dos Teólogos Moralistas. O artigo foi publicado na revista italiana MicroMega, n. 4, de maio 2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

A eutanásia é uma prática presente em todas as sociedades e culturas – desde as mais remotas às atuais – que assumiu (e assume) ainda conotações e significados diferentes, de acordo com as modalidades com as quais é executada e com as motivações que justificam o recurso a ela.

Sem entrar no mérito de uma pesquisa histórica (e antropológica), que nos levaria longe e que, além disso, se afasta da intenção deste ensaio, pode-se dizer que a eutanásia é hoje comumente entendida como aquele conjunto de ações ou de omissões intencional e diretamente destinadas a pôr fim à vida ou a acelerar a morte de um doente que se encontra em condições desesperadoras.

A eutanásia, portanto, é motivada por uma atitude de piedade com relação a uma pessoa que vive em uma situação particularmente penosa e que se pretende, desse modo, subtrair a mais sofrimentos.

Essa restrição da área semântica do termo é importante por muitas razões. O que desaparece é sobretudo a ambígua distinção entre eutanásia ativa e eutanásia passiva: a passiva, de fato, não tem aqui razão de ser, já que ou se configura como omissão terapêutica destinada a provocar a morte – e então é eutanásia de pleno direito que não precisa de outras adjetivações – ou é recusa da obstinação terapêutica [também chamada de "distanásia", ndt] e como tal certamente não pode ser definida como eutanásia.

Mas, acima de tudo, tal restrição permite excluir do âmbito da eutanásia questões como a do aliviamento do sofrimento ou da omissão de tratamentos que provoquem um prolongamento abusivo da vida e que, portanto, devem ser inscritos no caso particular da obstinação terapêutica.

A insistência com que aflora hoje a exigência de reconhecimento da eutanásia, não só no campo legislativo, mas também no ético, se deve a razões de outro tipo, que merecem ser, ainda que sinteticamente, enucleadas.

A primeira – e a mais relevante – dessas razões é a constatação da multiplicação de situações em que a vida pessoal parece estar gravemente comprometida na sua dignidade por causa de formas de prolongamento artificial que a destituem da sua qualidade humana. O progresso científico-tecnológico no campo biomédico, que estendeu consideravelmente as esperanças de vida, vencendo estados patológicos antes letais, corre o risco, às vezes, paradoxalmente, de se transformar em instrumento de novas alienações.

Por trás da tendência de submeter o paciente a qualquer tipo de tratamento, embora mantendo-o com vida, há muitas vezes, de um lado, uma concepção equivocada da vida humana reduzida à sua dimensão biológica e, de outro, a busca (talvez inconsciente) de autoafirmação do médico, que interpreta de maneira totalmente distorcida o seu próprio dever de serviço à vida.

Mas, sem dúvida, a razão mais importante da demanda eutanásica hoje é constituída pela conscientização cada vez maior do direito de morrer com dignidade. A recuperação da centralidade do sujeito humano, que é uma característica qualificadora da nossa cultura, implica o respeito absoluto pela dignidade pessoal e a consequente afirmação de uma série de direitos, incluindo o de enfrentar serena e lucidamente, tanto quanto possível, a morte como evento no qual a vida chega a cumprimento. Esse também é o motivo que está na base do princípio de autonomia ou de autodeterminação, que é um dos pilares da bioética contemporânea.

Critérios gerais de avaliação moral

Como, então, avaliar a eutanásia no campo da ética? Em que parâmetros o seu julgamento deve se inspirar, levando em conta a complexidade das situações e a necessidade de fazer referência a uma concepção da vida humana como vida pessoal e relacional, e portanto não exclusivamente biológica?

Acima de tudo, deve-se dizer que o julgamento ético sobre a eutanásia (entendida em sentido próprio e restrito segundo a definição dada acima) só pode ser negativo. O direito de existir é "o" (e não "um") direito fundamental da pessoa, por ser fundante de todos os outros direitos, e portanto a proteção da vida em todas as fases do seu desenvolvimento é um dever inderrogável. Essa visão, em princípio, é compartilhada pela grande maioria das éticas seculares e por todas as éticas de inspiração cristã.

No entanto, a avaliação globalmente negativa do ato eutanásico não implica necessariamente a rejeição de qualquer forma de eutanásia.

O preceito "não matarás" – como destacam diversos teólogos morais católicos (cf. E. Schockenhoff. Etica della vita. Un compendio teologico. Bréscia: Queriniana, 1997, pp. 186ss) – não constitui um imperativo moral a partir do qual se possa deduzir imediatamente uma ética normativa capaz de enfrentar a globalidade das situações humanas e, sobretudo, de desfazer alguns nós conflitantes para os quais se exige o recurso a mais mediações.

Referindo-se a essa última exigência, uma parte consistente da pesquisa ética secular defende, em nome do princípio de autodeterminação, a possibilidade, diante de situações extremas, de pôr fim à própria vida e de ser ajudado a fazê-lo. Essa posição é motivada com base na consideração de que não há, no plano puramente racional, um dever incondicional de continuar vivendo e que não se pode invocar o conceito de "interesse da vida" onde existe um estado de grave sofrimento e a vida não pode mais ser vivida em condições humanamente aceitáveis.

Nesse caso, o direito a determinar a própria morte não seria nada mais do que uma forma de respeito à dignidade humana, que poderia até tornar imperativa a intervenção de terceiros para permitir a sua realização.

Certamente, pode-se discutir criticamente uma posição como essa que traz consigo o perigo de um afrouxamento do valor da vida com resultados problemáticos para a sua tutela. Mas deve-se reconhecer que não subsistem motivações apodíticas de ordem estritamente racional a ponto de excluir em termos absolutos toda possibilidade de autodeterminação com relação à morte.

A doutrina da Igreja Católica na Evangelium Vitae de João Paulo II

Sem dúvida, é diferente a posição oficial da Igreja Católica.

Uma apresentação orgânica da tradicional doutrina cristã sobre os temas da "vida" e da sua preservação está presente na encíclica Evangelium Vitae, de João Paulo II (1995), que é (também por causa da sua proximidade no tempo) uma referência útil para a ilustração da posição sobre a eutanásia prevalecente hoje dentro do mundo católico.

O pressuposto a partir do qual parte a reflexão do Papa Wojtyla é a concepção da vida como "dom de Deus", portanto como realidade que o ser humano não possui, mas pelo qual é possuído de maneira sempre parcial, sendo a sua vida participação na do Vivente.

"A vida do homem", escreve João Paulo II, " provém de Deus, é dom seu, é imagem e figura d'Ele, participação do seu sopro vital. Desta vida, portanto, Deus é o único senhor: o homem não pode dispor dela. (…) A vida e a morte do homem estão nas mãos de Deus, em seu poder: 'Deus tem nas suas mãos a alma de todo o ser vivente, e o sopro de vida de todos os homens' — exclama Jó (12, 10). 'O Senhor é que dá a morte e a vida, leva à habitação dos mortos e retira de lá' (1Sam 2, 6). Apenas Ele pode afirmar: 'Só Eu é que dou a vida e dou a morte' (Dt 32, 39)" (Evangelium vitae, n. 39).

A partir dessas considerações, que conferem à vida humana um caráter radicalmente "sagrado", descende a sua absoluta inviolabilidade, ou seja, o fato de a ela ser devido um respeito incondicional. A consciência de que, tanto da vida, quanto da morte, não somos donos solicita, de um lado, o cultivo de uma atitude de confiança na vontade de Deus (n. 46); e implica, de outro, a formulação de uma severa condenação moral de toda forma de atentado contra a vida e contra a sua integridade, incluindo obviamente a eutanásia, cuja inaceitabilidade ética, para além das razões pessoais e sociais, deve ser buscada principalmente – esta é a tese de Agostinho retomada posteriormente por Tomás de Aquino – na rejeição da soberania de Deus sobre a vida e sobre a morte (n. 60).

Não faltam no documento papal duas importantes anotações que parecem atenuar a rigidez com a qual os princípios são enunciados ou, ao menos, parecem sugerir uma certa flexibilidade na sua aplicação. Alude-se, por um lado, ao reconhecimento da relatividade da vida terrena, à admissão de que ela não é realmente "última", mas apenas "penúltima", e que, consequentemente, pode-se (às vezes deve-se) renunciar a ela por um bem maior (nn. 2 e 47); e, por outro lado, à admissão da presença de situações complexas e conflitantes nas quais "os valores propostos pela Lei de Deus parecem formar um verdadeiro paradoxo"; situações que envolve, portanto, o recurso a formas de compromisso ou de mediação (n. 55).

A essas importantes afirmações de princípio, porém, não se segue nenhuma tradução no âmbito das vivências, aponto de deixar transparecer a possibilidade de um julgamento menos severo contra a questão eutanásica.

Uma proposta alternativa

A reflexão teológica (sobretudo a mais comprometida) se esforçou, nas décadas mais recentes, para abrir novos caminhos, solicitada pela complexidade das situações existenciais às quais a a própria Evangelium Vitae de João Paulo II se refere. Entre aqueles que se moveram nessa direção, Hans Küng merece uma menção especial, que chegou a afirmar a existência de um direito cristãmente responsável à autodeterminação em morrer (cf. H. Küng; W. Jens. Della dignità del morire. Una difesa della libera scelta. Milão: Rizzoli, 1966, especialmente as pp. 60-90). No direito a uma vida digna, segundo o teólogo suíço, não se pode deixar de incluir também a possibilidade de o ser humano decidir quando e como quer morrer.

Tal direito, que deve ser exercido no contexto de uma liberdade consciente que não deve ser confundida com o arbítrio ou o capricho, é justificada por Küng mediante o recurso a argumentos éticos e teológicos que merecem séria consideração: da revelação reconhecimento de que o direito de continuar vivendo não pode se tornar um dever absoluto – o direito à vida não pode ser confundido com uma coerção a viver – à tese de que, sendo o início da vida humana posto por Deus nas mãos da responsabilidade do ser humano, pode-se analogamente pensar que o o fim da vida também vem de Deus, posto sob tal responsabilidade.

Nesse contexto, a eutanásia adquiriria legitimidade como expressão de uma ética da responsabilidade que recupera a autonomia do ser humano por ser fundamentada na própria vontade divina: o contexto de aliança em que o "dom" da vida se inscreve implica, de fato, na livre resposta do ser humano.

Trata-se – observa Küng – de uma espécie de "terceira via teológica e cristãmente responsável entre um libertinismo antirreligioso e irresponsável ('direito ilimitado de suicídio') e um rigorismo reacionário sem compaixão ('mesmo o que é insuportável deve ser acolhido como dom de Deus')".

A liberdade de decidir em consciência o modo e o tempo da morte seria, portanto, segundo Küng, uma prerrogativa do ser humano. A certeza de fé de que a morte não é o objetivo final, mas que a vida mortal se abre para a vida eterna, por outro lado, tornaria pouco importante o prolongamento indefinido da vida biológica em condições humanamente não dignas; enquanto, por sua vez, o fato de as ciências biomédicas favorecerem a possibilidade de tal prolongamento só acentuaria – ainda é Küng que enfatiza – a necessidade de um suplemento de consciência subjetiva, dando um impulso mais sólido ao direito à autodeterminação e favorecendo a sua extensão também ao concurso de terceiros ou à possibilidade de uma opção autônoma sua nos casos em que é impossível conhecer a vontade do paciente e em que, no entanto, pode-se presumir que o seu desejo só pode ser o de morrer.

Observações para um balanço crítico

A provocação de Küng, cujas argumentações devem ser seriamente discutidas, em todo o caso, nos faz intuir que a questão da autodeterminação diante da morte é uma questão complexa, merecedora como tal de uma atenta reflexão. As razões em favor da autodeterminação, incluindo aquelas de ordem teológica, não são nada peregrinas. As argumentações contrárias, que apelam à radical indisponibilidade da vida humana por ser "dom" de Deus ou por ser dotada de uma "santidade" constitutiva, são insuficientes: de fato, elas se colocam em nível metaético ou parenético e, como tais, não podem se revestir de um caráter absoluto, muito menos ser imediatamente transpostas para o âmbito normativo.

Além disso, a tradição moral cristã conhece a existência de consistentes exceções à proibição de matar, sobretudo no campo da vida pública – basta pensar na justificação da guerra ou, hoje, ao menos, em operações de polícia internacional –, enquanto estranhamente sempre assumiu uma atitude de intransigente rejeição de qualquer exceção onde estejam em jogo questões pertencentes à esfera da vida privada: do aborto ao suicídio, passando pela eutanásia.

Pode-se dizer que se verificou uma política de via dupla ou, mais corretamente, que se adotou (e em parte continua sendo adotado) um método de abordagem diferente: no primeiro caso, a referência é a um modelo teleológico, baseado na medição, caso a caso, das consequências positivas ou negativas das ações; no segundo, a um modelo deontológico, para o qual o que conta é apenas a fidelidade aos princípios (ou aos valores), "aconteça o que acontecer", sem nenhuma atenção às consequências, por isso, positivas ou negativas das ações.

Não se vê, de fato, por que não se deve recorrer, mesmo no caso das questões relativas à vida privada, a uma responsável ponderação dos valores em jogo, avaliando concretamente o contexto, as circunstâncias e as consequências das ações tomadas.

Por outro lado, não são totalmente infundadas as objeções que alguns dirigem às argumentações de Küng. De fato, há quem aponte para a diversidade que existe entre a decisão de dar início a uma vida que não existe e a de eliminar uma vida já plenamente formada, mesmo que em fase de declínio; e quem enfatize como a responsabilidade humana, embora grande, não é ilimitada, porém.

Na ótica da fé, não é o ser humano que se dá a vida, e nem depende totalmente dele o fato de conservá-la; por isso, é difícil defender que ele possa reivindicar, em termos absolutos, o direito de tirá-la. Se a vida está, do início ao fim, em mãos alheias – observa-se – decorre que é dever do ser humano se reconciliar com os limites da própria existência e aceitar as fronteiras que lhe são traçados de fora; recuperar, em outras palavras, a dignidade da própria finitude.

A consciência dessa verdade e o reconhecimento da dependência de Deus, não em uma perspectiva de vago e estéril providencialismo, mas sim de verdadeiro compromisso, também tornam menos difícil a acolhida das situações-limite: "Há uma passividade", escreve Eberhard Jüngel, "sem a qual o ser humano não seria humano. Faz parte dela o fato de que somos paridos. Faz parte dela o fato de que somos amados. Faz parte dela o fato de que morremos" (E. Jüngel. Morte. Bréscia: Queriniana, 1972).

Mesmo dessas considerações críticas, não brotam, além disso, orientações normativas absolutas e sem exceção; o que deriva delas é a constatação de que o princípio de autodeterminação relativo ao morrer deve fazer as contas com limitações objetivas, que tornem o mínimo possível problemáticas as suas aplicações extensas e incontroladas demais. E isso por diversas razões, algumas das quais merecem ser aqui mencionadas.

Pense-se, em primeiro lugar, na dificuldade de decifrar o pedido de morrer expressado pelos doentes terminais. A atividade clínica indica que tal pedido contém às vezes uma mensagem diferente da significada através das palavras: de fato, em alguns casos, é simplesmente um apelo para não ser deixado sozinho e um pedido de ajuda.

Ou ainda pense-se no risco de que a introdução da eutanásia se transforme de "solução extrema" a prática habitual, freando a busca de alternativas e substituindo-se à mais dispendiosa gama dos cuidados assistenciais, além de dar origem a uma espécie de "ladeira escorregadia" (assim é chamada), que provoca a queda de barreiras morais destinadas a proteger o indivíduo, impedindo que os interesses econômicos e sociais acabem prevalecendo com sérios danos para as categorias mais frágeis.

Quais dispositivos legislativos?

Se, depois, do nível ético, se passa para o legislativo é imperioso lembrar que a busca de soluções deve se desenvolver de um modo totalmente "secular", mediante o recurso a um debate público aberto em que haja debates com base em argumentações racionais. As dificuldades, a esse respeito, são de grande importância.

De um lado, de fato, é cada vez mais percebida a gravidade de situações que exigiriam o recurso à eutanásia; de outro, cresce o medo de abrir com a sua introdução uma falha, que poderia levar à queda de barreiras defensivas fundamentais com relação a categorias antes marginais, que correriam o risco de ser desapropriadas até mesmo do direito a existir.

Assim, há quem considere que é preciso vencer a tentação de legislar reconhecendo a dificuldade objetiva de encontrar conceitos apropriados para definir a questão; e quem, ao contrário, acredite que não é apenas legítima, mas também desejável e até mesmo imperiosa a intervenção legislativa, por ser ética e juridicamente mais correta do que o recurso a um vago "estado de necessidade" ou o fato de se confiar de modo paternalista à decisão do médico individual.

No primeiro caso, o que se teme é sobretudo que a louvável intenção de proteger a liberdade dos indivíduos possa se transformar no perigo de prendê-los em uma rede jurídica abstrata e inadequada; no segundo – mesmo na consciência dos possíveis abusos e, por isso, da necessidade de estabelecer garantias precisas, tais como o pedido explícito do paciente, a intolerável condição de dor e a prescrição de normativas claras –, considera-se, no entanto, que deve ser primeiramente salvaguardado o respeito à consciência do paciente e, portanto, o seu direito à autodeterminação.

É difícil optar definitivamente por uma ou por outra posição. Um julgamento seriamente fundamentado, talvez, pode ser expressado com base na verificação dos efeitos produzidos pelas várias legislações, particularmente por aquelas que há muito tempo introduziram a legalização da eutanásia. Sem esquecer, no entanto, que, estando em jogo um valor fundamental como o da vida, não é possível reduzir tudo à definição de regras processuais fundamentadas no consenso ou em uma argumentação puramente estratégica; exige-se uma abordagem global que busque como objetivo a avaliação dos reflexos das eventuais decisões em termos de progresso ou de recuo de civilização.

Para além de eutanásia: a busca de perspectivas mais amplas

A demanda por eutanásia assumiu nos nossos dias proporções tão vastas também por causa de uma série de fatores de ordem cultural e estrutural, que contribuíram para acentuar os estados de sofrimento de sujeitos que vivem em condições particularmente difíceis.

A possibilidade de limitar tal demanda, sempre e em todo caso grave, está ligada, portanto, à criação de condições que permitam sair de tal angústia, favorecendo a promoção de situações qualitativamente aceitáveis.

a) Um lugar de destaque nessa revisão de condições deve ser atribuído acima de tudo à revisitação, em chave antropológica, de categorias como vida, morte, sofrimento etc. nas suas implicações existenciais. Reveste-se de grande importância, principalmente, o abandono de uma concepção redutiva da vida humana, identificada com o simples fato biológico, para assumir – como já foi lembrado – uma concepção que privilegia o aspecto pessoal e relacional e, portanto, a dimensão qualitativa.

A Bíblia, quando fala de vida, sempre o faz com relação à positividade da existência, tendo em vista uma existência cheia de sentido. A morte, ao contrário, é considerada como carência e indigência, como a perda do que torna a vida digna de ser vivida.

Disso deriva, de um lado, a exigência de eliminar todos aqueles traços de déficit da vida, que muitas vezes acompanham a condição de doença e tornam mais cansativa suportá-la; e, de outro, de ajudar o paciente a se reconciliar com a própria finitude e a assumir um estilo de vida sapiencial, que permita enfrentar menos tragicamente o drama do morrer. Trata-se de oferecer a quem sofre a possibilidade de sair do isolamento que leva ao desespero e de experimentar a companhia, silenciosa mas amorosa, de quem dá conforto e promessa de futuro.

b) Outro papel importante é exercido depois – essa é a segunda ordem de condições – pelos cuidados paliativos, que fornecem serviços proporcionais à situação do doente e evitam inúteis forçações devida a pretensões milagreiras totalmente irracionais. A demanda eutanásica, de fato, é muitas vezes ditada ou pelo medo de incorrer na obstinação terapêutica, em que o prolongamento artificial da vida se associa à sua desqualificação humana; ou, ao invés, de ser abandonado, sobretudo na fase terminal (alguns, por isso, cunharam o termo "eutanásia por abandono").

O reconhecimento de que não existem doentes "incuráveis" e de que o cuidado deve ser garantido a todos, mesmo àqueles que são considerados clinicamente "incuráveis", torna necessária a criação de estratégias terapêuticas, que garantam padrões de vida qualitativamente bons ou ao menos aceitáveis.

Os cuidados paliativos são funcionais para esse escopo; de fato, eles se inspiram no paradigma da medicina "holística", preocupada não só em curar a parte doente, mas também de "cuidar" de modo global do paciente e do ambiente em que ele vive, com a objetivo de tornar menos insuportáveis as horas de vida que lhe restam e menos traumática a aproximação à morte.

O caminho a ser percorrido para buscar os objetivos aqui propostos não é fácil, e não resolve, em todo o caso, em termos radicais, a exigência do recurso à eutanásia, que continua sendo, em algumas condições extremas, uma questão em aberto.

Mas o desenvolvimento de uma nova sensibilidade social e cultural, que vença as resistência do individualismo e se encarregue da qualidade de vida daqueles que enfrentam condições de particular precariedade, é uma exigência inderrogável. A capacidade de levar uma ajuda real a quem sofre nas diversas situações existenciais em que se encontra é obra de alto significado humano e sinal de verdadeiro crescimento civil.



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